quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Limite.

Meu corpo escorre vida em todo canto
De essência quase transbordo, afetada
Desestabilizada, me coloco em choque
Enxergo com os olhos de quem não vê

Enxergo com os olhos de quem escuta
Escuto com os ouvidos de quem cheira
Cheiro com as narinas de quem sente
Apalpo com as mãos de quem enxerga

O medo de que todos esse afetos insanos
Me transportem cruéis para o amanhã
Tão desiludido, pobre e morto
Quanto os afetos todos dizimados
Enche-me de amor pelos limites
Pelos quais eu pulso, escrevo, discorro

Tão pequenos esses limites todos
Para a imensidão daquilo que percorre
A extensão inteira e caótica do meu ser
Os limites tão frágeis do meu corpo
Que a cada pequeno afeto novo
Me impedem de enlouquecer

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Depois.

Depois do pranto
Tem flores no quintal
Tem vento em todo canto
Tem roupa de dois no varal

Depois do choro
Tem a cama quentinha
Tem a nossa falta de decoro
Tem barulho pra vizinha

É que depois que se fecha a cara
Que se fala, desfala, solta prato na parede
É a hora de soltarmos as amarras
E deitarmos nus no nosso tapete

Depois do nosso drama tão piegas
No chão ficou a minha calcinha
E devagarinho tu me fez cócegas
Pondo um sorriso na nossa rinha

Nem lembro mais do motivo,
Depois de te cheirar o cangote,
Daquela nossa falta de juízo
E te mergulho no meu decote

E com o fim da briga azeda
Tem o nosso apimentado depois
Tem mordida na tua orelha
Tem noite quente pra nós dois




Quando eu morrer
Não coloquem velas no meu túmulo
Não derramem lágrimas em vão
Coloquem meus poemas nos muros
Esbanjem alegria aos que virão


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Teu rio.

Com a ponta do pé senti a água
Límpida e morna, pronta para mim
Escalei a pedra sussurrando um poema
Dos amores que guardei até aqui

Sentei na beira da pedra, transtornada
Dos amores que cantei na subida
Guardava oceanos de mágoas
Covarde, pus-me rumo à descida

Sua água me sorria, me cantava
Eu, tão acabada, de longe a evitava
Sua água então me olhou nos olhos
Falou da cor dos meus lábios

Encarei-a intensamente, de perto
Nunca havia visto águas tão belas
E tanta beleza parecia-me incerto
No entanto,
Incendiava-me para estar dentro delas

Sorri para teu rio por um minuto ou mais
Quis esconder as cicatrizes dos rios rasos
Aos quais me joguei tempos atrás
Mas suas águas não me julgavam
Decidi que de outro mergulho, eu era capaz

Fiz minhas delongas, dialoguei pelo olhar
Contei ao teu rio meus desenganos
Molhei meus braços, meus cabelos
E, novamente, numa tentativa amedrontada
Resolvi que ao teu rio era tempo de me entregar

Escalei a pedra até o alto, vi sua imensidão
Esqueci dos passados, dos desatinos de solidão
A suavidade da tua correnteza me fez pura
À minha vontade de ti, finalmente dei vazão

E numa calmaria total de espírito
Sobre a pedra fiz-me nua
Saltei sem esperar demais do seu rio
E a partir dali soube que era tua



domingo, 14 de outubro de 2012

Absoluto.

De plenitude mal delineada
Sentia-se vazia a pobre menina
Desde criança sua sina foi dada
Em busca da felicidade absoluta
Que sem meios termos se anuncia

A menina, desesperada, morria
A cada metade de amor que encontrava
Em meias palavras que lhes eram dadas
Pensava, em meio ao mundo, estar perdida
Seu tudo prostrava-se ao quase
E então ao nada a menina sucumbia

De cor de rosa seu futuro brilhava
Sempre fora uma princesa, seus pais diziam
"Vai encontrar o rapaz certo e bondoso
Que transformará tuas lástimas em bela poesia"

Incessante, buscava o seu tal moço
De barba feita, com roupa fina
O grande salvador do seu sufoco
O glorioso fim de sua sina

E toda tarde voltava a menina só
Para o seu amargurado canto de solidão
Na cozinha escolhia seus doces
E na sala ligava a televisão

"Queria eu esses amores, esses senhores
Gentis e belos que tanto vejo em outros braços"
Dizia a menina amargurando-se em dores
Sem desatinar seu embaraço

E prosseguiu a menina em busca do absoluto
Do incondicional continuava ela escrava
Sem dar meios para que nas metades
Encontrasse um cadinho de felicidade

Ponteiros.

O relógio tem mentido
Mancomunou-se 
Com a falta de sentido

Os minutos, que são?
De que são feitas as horas?
Os pedaços fatiados de vazios
As fatias espedaçadas de solidão

E conspira contra o mundo
Com sua mentira insana
Marca nascimentos, mortes
Tira malandros da cama

Sorri muito do satisfeito
Pro casal de namorados
Diz que o próximo beijo
Agora não vai ser dado

A cama aguarda-os
Aguarda-os o mundo
Mas os ponteiros falaciosos
Mantêm os amantes frios e mudos

Já me é hora de ir
De partir está na hora
De comprar meu cigarro
Beber minha cerveja
E esperar o tom da aurora

Num dia novo o relógio canta
E num sufoco o vagabundo se levanta
Vai contar as horas até escurecer
Voltar pra casa sem saber porquê




sábado, 13 de outubro de 2012

Encontro.

Você me empurrando contra a parede
E sobre os meus lábios suspirando o cansaço
Acumulado nos últimos desencontros

É o suspiro que roga a prece dos delírios
Sobre o meu corpo descoberto e vulnerável
Os teus gostos sem fim, o suspiro exalta
Me excita, não me beija, permanece indecifrável

E quando meu sol nascia, sua lua alta brilhava
Teu corpo exausto dormia durante as noites
Em que eu, como uma loba esfomeada, caçava, dançava
E num dia sem precisão, encontraram-se os corpos
Dessas duas almas tão extensas, tão imensas
Meus olhos souberam ali, que a ti eu já estava propensa

Depois de tantos desenganos, desencontros
Depois da falta de alento, das noites sem sono
Suspirava sobre mim, contra a parede
Seus insanos pensamentos, seu gosto ali perto

Eu mergulhava no teu cheiro 
Exalando sobre mim
Eu me perdia nos meus anseios
Meus versos calavam-se assim

O silêncio permanecia, o suor escorria
Eu, já nua, te sorria envergonhada
Meus pulsos nas tuas mãos esperavam

O silêncio ecoava em nós a ânsia da espera
Enlacei-me no teu corpo com minhas pernas
Te fiz prisioneiro daquela falta de palavras
Até o fim daquele teu suspiro profundo
Que dizia tudo, enquanto você se calava

E na calmaria desse momento quase puro
A inocência dos corpos como vieram ao mundo
Perdera-se quando você terminou de soltar o ar
Numa fúria desumana, naufraguei-me no teu corpo
Debruçando em ti toda ânsia de te amar

Desapego.

Te joguei no canto mais sujo dessa casa
Nos confins perdidos das esquinas empoeiradas
Da minha mente calada, sempre tão resolvida
Que por ti entrou num desespero sem linha

Afoguei teu cheiro no líquido escuro
Que escorria pelo ralo todas as noites, sem parar
Te arranquei da pele, de cada fio do meu cabelo
Fiz a barba, mudei minha cara, morri por um instante

Engoli cada palavra de amor que pousei
Nos teus ouvidos, de mim tão necessitados
E do teu sorriso fiz a porta de entrada
Para o imenso poço frio
Onde deleita-se meu desalento
Minha solidão

Esqueci teus seios, tua forma tão correta
Que me enchia as mãos nas noites loucas
Recolhi sua voz que ecoava no quarto
Das antigas noites de insanidade, onde gemia
Chorava, cantava, revelava teu corpo nu
E meus olhos por ti saltavam, te beijavam

Agarrei teu lixo solto pela casa
Teu cheiro, teus fios de cabelos vermelhos
As malícias que te escorriam da boca
Que, tão sujas, enfeitavam a minha janela
Arranquei teu gosto tão impregnado no meu peito
Cada um dos teus versos feitos, desde último agosto

Tudo posto num saco cru e mal cheiroso
Indo para fora dos meus braços
Eu escutava o lastimar das suas sobras
Mas você já me faltava inteira
Como nas tardes derradeiras
Quando começavas a deixar de me amar

Nos teus restos me apeguei
Me afoguei, afundei-me nas tuas vestes
Que apodreciam no guarda roupa
Nos seus olhos no canto da cama
Olhando-me trocar de roupa pro trabalho

Agora foi-te inteira
Teus pedaços mínimos que sobre mim necrosavam
Nas traças permanecerão escondidos
E o vazio cavado nesse peito, agora tão só
Não remanescerá nenhum ecoar da tua voz sórdida
Do teu sorriso maldoso, das tuas mãos impiedosas
Do teu amor, agora, sou uma alma liberta

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Delírios marítimos.

Havia um mar imenso
Imensamente afogado
Em sua própria profundidade
Perdido na imensidão violenta
De suas próprias ondas incoerentes

Nebulosas nuvens pairavam sobre a noite
Despejando no mar uma infinidade
De águas violentas, descargas elétricas
E, inquietas, as ondas rebelavam-se
Contra o açoite da turbulenta tempestade

O mar imenso chorava
Ondas de maré fria na praia
Onde deitava seus delírios amargurados
Na sombra úmida da areia calma

De tão grande, o mar sofria
No pânico das pequenas gotas
Da chuva diabólica que o magoava
Enquanto, sobre ele, caiam sorrindo

Num suicídio prazeroso
Jogavam-se as gotas no imenso e sofrido mar
Misturavam-se, dançantes, com as ondas
Que enalteciam o marítimo penar

Já cansado de brigar por meio das ondas
Com o intenso penar que a chuva trazia
Deixou-se o mar ser levado pelas gotas
Envolvendo-se numa suave calmaria

Ainda dolorido e choroso
O mar fez misturar-se às gotas
E sua imensidão ainda mais dimensionou-se
Infinito em meio a dor agora era o mar

Maior ainda o sofrimendo o fizera
Com o sofrimento agora ele conversava
E pela tortura, pelo desgosto
Do sofrimento tornou-se o mar aliado

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Sambinha.


Eu não sei ser sozinha
Sei não, sei lá
Eu não sei ser sozinha
Sem quem amar

Eu não sei ser sozinha
Como o sol que arde em toda manhã
Só, ele arde em quentura
Mas pra mim é uma tortura
Essa solidão vã

Eu não ser ser sozinha
Como o cão que corre sob o luar
Só, ele exala ternura
Mas pra mim é uma loucura
Não ter quem amar

As duas coisas mais importantes do mundo.

  Falam de você como se você fosse onipresente e uniforme. Mas ninguém te sabe, ninguém te vê. Interpretam-te não pelo que parece, mas pelo que tu faz parecer em cada mente, cada pele. Colocam-te nas letras, desenham-te, falam-te desvairados, como se a agonia de não te conhecer fosse suprida por essa dissimulação.
  Vestem-te de palhaço, de vilão, de mocinho. Te fazem um personagem, não te enxergam como ator, porque só és em ti mesmo. Acomodam-se em meias verdades sobre um pouco daquilo que sentiram sobre ti. Culpam-te, adoram-te, colocam-te num altar por te vestir de um personagem diferente a cada situação.
  Te sentem, como te sentem. No íntimo daquele homem apático, no mais profundo, muito além da superficialidade da moça empática.Te sentem, te choram, te riem, lacrimejam você pelos cantos, te fazem música, poesia, te definem, desconstroem, discutem sobre ti, posicionam-se sobre ti - mas não sobre ti mesmo, e sim sobre imagem desfocada pela qual leem-te- desdobram-se sobre ti, abraçam por ti, falam por ti, mas nem sequer ouviram sua voz.
  Ao te sentir todos souberam que foi real e verdadeiro. És real e verdadeiro, como cada abrir de olhos, por mais forjada que se dê a convencionada realidade de cada manhã. És verdadeiro, és íntegro. Querem ir além, pois sentir-te é como estar em contato com o mais sublime desconhecido, por vezes tão temido, e outras tão adorado. Colocam-te em verbetes, linhas fechadas de pensamento, te colocam na razão, te enchem de lógica, te enchem de limites, de letras, de símbolos, de falas. És um pouco de tudo isso, mas isso tudo não é nenhum pouco daquilo que você verdadeiramente é. Cada lente de cada homem te coloca como um ser uniforme, não pelo que você é, mas pelo que as condições desse homem exigem que você seja, ou pelo pouco que o frágil homem consegue delinear de maneira tão falha sobre ti.
  Não creio em nenhuma de tuas definições, do mesmo modo em que sou absolutamente confiante no pedaço que motivou todas elas a existirem. Não creio em mim, em meu singelo modo de tentar expressar o que é te sentir, não creio sequer nos meus próprios sentidos, impulsos e emoções, mas és isso tudo, és além da explicação. Explica-se pela falta de linearidade com a qual nenhum ser da raça humana consegue compreender, explica-se pela falta de causa e efeito, explica-se pelos pequenos fatos, explica-se por nenhum conceito até hoje criado ter suprido tudo que a humanidade anseia. Explica-se por ser acima do natural, por ser acima do tangível, por não precisar da razão para existir, e por saber que é por linhas tortas que sua verdade torna-se menos mascarada.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da loucura.

Diante do espelho não havia ninguém
Não era eu quem me olhava
Estranha era aquela retratada
Incoerente, de face dissimulada

Ideais tantos dançavam arrítmicos
Nos olhos inexistentes daquela 
O mundo para levar nos braços
Braços quais?

Nenhuma pessoa em casa
No peito, destroços
De um incêndio crônico
No papel, lágrimas 
Costas açoitadas
Respiração descompasada 
Tudo forjado
No mais calado desenho
Das letras mal acabadas

O espelho, vagaroso, sussurrava
Mentiras espirais até o infinito
Contornando cada lampejo
De inconsciência, de asfixia

Um tapete então se lançava
Pro espelho de face desfigurada
Dando entrada para um palco
Onde eu não seria mais achada

Os olhos enganosos
O cabelo fino de um homem
Corpos esparramados
Em incessantes trocas de essência

Todos ali me eram
Eu os era por inteira
Irregulares e mascarados
Dissimulados e viciosos

O teatro não se fechará
O espelho mentirá novamente
E o vulto permanecerá incongruente
Mitificado por sua linearidade comum
Extraordinário pelo seu clichê tão aberto
E por tudo poder identificar
Cairá o vulto na solidão
De si  não contornado
Da loucura, da loucura  


domingo, 26 de agosto de 2012

Da dor.

Filha da mágoa sou
Ignota minha dor
Percorre pelas veias
Apagando-se no vinho

Acovardada estou
No escândalo do funeral
Da morte de todos os sonhos
Desse universo tão banal

Peço no primeiro ponto
De parada dessa confusão
Um chá que me cure
Da cura da dor, da falta de ilusão

Um concreto me circula
Circuncisa a quentura do tormento
Fecha as portas do coração
Para toda maneira de emoção

Iluda-me! Busque-me!
Salve-me do limbo anestésico
Onde minha mãe mágoa se afoga
Sem me deixar sequer um pai
Nesse oceano, morrerei órfã


As Manhãs.

De todas as manhãs
Só três que me alegram
As que eu vejo perambulando
O amor que me afeta

Anda por aí
Finge que nem viu
Passa do outro lado
Nem pra mim sorriu

Nessas manhãs
Tudo sempre é mais alto
Tudo sempre tem mais cheiro
De par que escolhi errado
Tudo sempre é parecido
Com as manhãs passadas
Quando você entrava com um sorriso
E me deixava encabulada

Nas manhãs frias
Vejo seu casaco
Procuro-te aflita
Com medo do diálogo

Imaginei-te de todas as formas
Poderia lhe contar
Se não fosse por conta
De afastar de mim teu olhar

Irrealizável
Como sempre tivera de ser
Meus amores são sempre frustrados
O que poderia eu fazer?

Amei-te no tempo errado
De outra tens de ser
Tens de ter cuidado
Para não cair no meu prazer

Poderia te ser fatal
A você caberia escolher
Entre o erro e a moral
De encontrar-me com você

Onde quisesse o tempo
Onde coubesse o nós
Onde houvesse luz
Onde te fosse melhor

Mas vou afastar meu devaneio
E retomar o teu contexto
Sei que lê de bom grado
Aquilo que escrevo

São então em versos encabulados
Que monto à ti essa canção
Para que meu amor, ainda calado
Finalmente tenha vazão

Porque ainda que não realizado
Me faz bem ao coração


(25/06/20011)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

No pequeno pedaço da noite
Já tão roubada, tão sugada
Posta estou novamente

Penso nas nuvens
Deslocada do ponto 
Embaraçada nos cantos
Amargurada no ventre
Cansada na mente
Mentindo pras horas
Do sono que demora

A manhã virá branca
Branda em seu ímpeto
Ficarei presa no limbo
Sem par, sem cara
A vazia cama fala

A diante a vida seguirá

sábado, 28 de julho de 2012

Branco.

Existe um nada
Um lugar neutro
Onde nada é nada
E tudo é nada
Tudo é branco
Isso é real
Isso é científico

Existem os seus olhos
Existem meus ouvidos
E as pessoas pegam nas mãos
E cheiram nesse jardim
De nada, nada, nada

Ficam preocupadas
Imparcialidade 
Neutralidade
Isso tudo é só desse lugar
Ninguém chega nesse lugar
Ninguém interpreta Deus
Ninguém interpreta os homens

Um mundo todo
Criado na sua mente
Na minha mente
Que mente, mente, mente

Você me fez chorar
E eu te fiz sorrir
Beijei-te ontem de noite
Com os olhos lotados de tudo
Porque de branco não tenho nada
Tenho são as cores
Todas sem formato
Sem tamanho
Sem nome
E seu nome
É pra mim
Um jardim
De cheiros que eu preciso conhecer
Somos todos um câncer
Não desejado
Mal interpretado
Um amontoado
De células malignas
Que cresce e fica
Dentro de cada um 


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Você tem que me tirar daqui.

Você tem que me tirar daqui
Me tire desse lugar imundo
Aqui o demônio existe sim
Aqui meu grito é mudo

Aqui ninguém consegue me ouvir
E as paredes ficam próximas
Você tem que me tirar daqui
Eu acho que vou sufocar

Mande-me seu pulso
Antes que ele vá embora
Me livre do meu mundo
Me tire daqui agora


sábado, 21 de julho de 2012

Velha senhora.

Nem velha eu fico mais
Só se esse tempo louco
Começasse a andar pra trás
Já bati os setenta e nove
Ou um pouquinho mais


Essa velhaca desorientada
Sente um peso meio triste
Nessa multifacetada jornada
Que nem começou direito
Aos dezessete tá toda acabada

Meio deprimida, quieta e sem hora
Não sabe mais usar as palavras
Sem fé, sem cara, sem nada, senhora
Cansada, quebrada, OLHA A BOCA, fodida
Só restam agora umas dores no pé
Estranha essa velhota descabida

Continuo com a fé no café
Da água que ferve na caneca
Do preto pó que sabe quem é
Fé no isqueiro também guardo
O fogo que surge do bolso
É o amigo do fim fugaz do cigarro

A velhaca é suicida desencorajada
Tão empacada, não guarda mais nada
Queria ver tudo, se conhecer toda
Mas é mais fácil manter a mente calada
Agora a batalha já foi travada
E a velha só quer, de uma vez
Se entregar para o rei, e ser condenada

A velhaca tá na loucura
De não ter vinte, mas ter rugas
Na mente, no espírito, na cuca
A velha só anda na marcha ré
Quer dar na vida, um pé na bunda
Quer da vida, é dar no pé


domingo, 15 de julho de 2012

Insônia.

Ninguém saberia dizer
Se mais fácil é tentar
Ou mais difícil é morrer
Ninguém saberia dizer

As faces se envolvem
Na frieza de um instante
Mascaradas, comovem
Um ardil desprezo constante

O impulso, o desejo
Matam e escorrem o sangue
Pela boca crua após o beijo
Insipido e nu dos dois amantes

Não te queria em outros tempos
Não se encontra no teu cabelo
O relento modesto que desejava
Fino e claro, seus fios são dela

Da minha alma quem haverá
Quem, então, haverá de ser
O remédio pro riso morto
Quem irá irrigar minha amargura
Quem?

A ternura delas, suave e doce
Naqueles traços nítidos, arianos
São meu sufoco, meu açoite
São o não pregar dos meus olhos
Durante a calada e fria noite

São quentes vocês
Maníacos incuráveis
Me joguei pela janela
Vezes e vezes incontáveis

Meu corpo está perdido
Não tem traço, não tem modo
Meu corpo está estarrecido
Nesse espírito que ambiciona,
Em toda sua vileza, uma nua morte

Não verão, não entenderão
Buscarão n'outras a tranquilidade
Na delicadeza dessas moças
Que emanam a sanidade

Diagnosticada pelo médico
À meia noite numa cama qualquer
Pluralidade mórbida e terminal
Nas veias corrompidas dessa mulher

Injetaram-me o pulso
Inventaram meu respirar
Mas o coração, num impulso
Não deixa-se medicar

As begônias murcharam
As tulipas se foram
Restaram-se as cinzas
E essa falta de sono


Lugar maldito.

É nesse posto que estou agora
Nesse cargo sem rumo
Nessa estabilidade sem hora
Que me sinto mais imundo

Você que me tirou o peso
Que fez de mim esse clichê
Que, de longe, deu-me aconchego
É agora a única que me faz sofrer

Por não ter me negado carinho
Por ter calado meus versos tristes
Me desacostumou a ser sozinho
Sem nem ter aceitado meus convites

E você não é, nem vai ser a alegria
Fechada numa garrafa de sentimento
Absoluta, constante, uniforme, em ordem
E por tão longe estar do ideal, te queria

Não via em você sorriso todo tempo
Enxergar em ti apenas o choro não fui capaz
Você era a visão do equilíbrio e de todo alento 
Que há muito, muito tempo, não pude encontrar

E por estar dentro das medidas 
Daquilo que nem sequer pude desejar
Me colocou nesse posto oprimido
Onde te vejo sem poder te tocar

Sei dos teus versos, das tuas formas
Sei dos teus humores, do teu penar
Sei que de mim não quer nem metade
Daquilo que estaria disposto a te dar

E olhando de tão perto aquilo
Que poderia ter sido meu
Não fossem as firulas do destino
Desgosto do meu próprio modo
Desgosto desse lugar
Desgosto de ser teu amigo

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ciclo.

A lua tem dito que é dela a beleza
Que brilha na noite escura
Que é de sua natureza
Mas a coitada sabe pouco
Sobre quem faz a noite sorrir
É o grande e feio sol 
Que pouco a pouco
Faz da noite seu palco sutil
A lua arrumada em sua beleza
Mostra pelos cantos todos
De que é, do que é feita
Anunciando sua grandeza
Ao lado da noite sua companheira
O sol, que da noite sabe tudo
Ri enquanto assiste esse namorar 
Fazendo que a lua pense, coitada
Que é só dela as canções que a noite faz
A noite conhece o sol, e seu brilho 
Sabe que antes da lua é ele quem fala
Que se a lua fala de si sem modéstia
É do sol calado que a noite se faz par
E mesmo que incapacitados do encontrar
Sabem que são aliados do cíclico penar
De só existirem longe um do outro
Usando a lua como o elo de consolo
Entre esses amantes que afastam o olhar

Agosto.

A culpa não é dela, a culpa não é sua
Muito menos a culpa haveria de ser minha 
A culpa anda solta, correndo pela rua
Enquanto com ela te assisto, sozinha

É mais um dia desses em que não dormi
Que a insone companhia de mim mesma
Me trás o desgosto pelo dia que nasci
Minha face me causa essa tristeza
De não poder encaixar em mim a beleza
Que comportam aquelas que fazem-te sorrir

E o que me falta além dessa doçura
Que agrada os olhos de quem vê
O que nos falta além do desejo
Que em ti não poderia jamais caber

E aquelas palavras, você sabe quais
Guarde-as sentindo no meu comedimento
A amargura de não ser a moça capaz
De estar ao teu lado a todo momento

Cresce meu desgosto
Enquanto meu coração se fecha
Para que em lá por agosto
Eu encontre de você uma brecha


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Meu bem.

E no final da tarde
Se ninguém mais te quiser
Volte para mim, enfim
Que serei sua mulher

Se no final dos anos
Ninguém te completar
Sejas meu e nos desenganos
Seremos todos a festejar

Se o diabo usar teu corpo
Meu corpo será usado também
Serei sua porque és meu outro
Meu homem, meu amigo, meu bem


Pequena.

Estranho saber que você é minha menina
Que de tão soltos e bárbaros
Nossos corpos pequenos
Pertencem um ao outro

Gostoso é que me namore
No canto do quarto, sozinhas
Que caibam então no escurinho
Nossos descabidos beijos de carinho

E esse teu cabelo me envolve
E teus olhos de mulher me conhecem
E é minha irmã, minha pequena, minha vida
Meus versos se fazem até sujos de tanta alegria

Me conhece com a palma da mão
Não é minha pequena, minha morena?
Sabe que é da tristeza que sai meu alimento
E que ao teu lado só tenho alento

É tão meu seu riso desprevenido
Tão minhas são suas falhas 
Tão doída é a saudade do seu sorriso
Não sou minha, sou sua e solta

Nosso amor quente e meio torto
Quase tristonho, às vezes morto
Me faz completa nos nossos choros
Me faz incerta nos nossos risos

Que me continue aceitando nas torturas
Que me ame entre meus amantes todos
Que me ame entre teus amantes todos
E que cada olhar seu me seja puro
Nas nossas firulas de pertencermo-nos 
Por pequenas e grandiosas sermos 

Divino pecado.

Diabo é o outro nome do prazer
Pecado é o outro nome do amor
A cama, a bebida e as frutas
Me esperam nuas sem cobrar

Desejo os pequenos e os grandes generais
Sem esperar deles o zelo constante
Deles não peço respostas banais
Nada além de uma noite contente

Meu contentamento é fácil
Simples e sem pudor meu riso é
Não preciso de uma benção
Não preciso de um príncipe
Me agradam mais esses lobos sem dono
Que me levam sedentos pra floresta, sozinha

Me deite com os impiedosos hereges
Faça de cada canto dessa casa uma fogueira
Me queime viva, me deixe em chamas
Que hoje ninguém será condenado
Que hoje ninguém tem fé, ninguém tem farda
Hoje é dia de não ter nome, de não ser soldado

Pequei nos gozos, nos horrores
Pequei no céu e no inferno
Pequei em terra, pequei em mente
Meu corpo agora é só da serpente

Num profano amor sem culpa
Vou deitando pelos cantos da sala, nua
Sem esperar um sórdido depois
Amando o agora de nós dóis

Sem quisera, sem pudera, sem futuro
Hoje é dia do presente e do pecado
É dia de gozar das peripécias do impuro
É dia de entrelaçar as pernas e os braços
É dia de botar divindade no antigo rosto
Tão prazeroso e sutil do pobre diabo

As Donas.

Não havia ninguém na saída
Os olhos estavam fechados
As bocas calaram-se todas
Ninguém ali me alcançava

Os pés pisaram em pedras
Perdidos, faziam piruetas
Firulando pelas praças pretas
Pediam, parados, o fim da dor

E quem buscava na mão um afago
Foi embora sem dela ter gozado
Quem pediu de um estranho a abertura
Viu-se só caminhando pelo meio da rua

O grande problema é que nunca pude
Mostrar as graças de não ousar servir em mim
Só posso dispor do tempo de mostrar uma
Das duas mulheres que me completam assim

A dona Ana é amiga de colo
De tão amiga não tem prazer
De tanta pureza só ouve as tristezas
Dos amigos que pelo mundo veio fazer

A dona Maria é cigana sem dono
Sem rumo, sem lar, sem casa, no abandono
Goza de ser só sua, e de mostrar-se nua
De mostrar-se fugaz para as almas que ama

E as duas donas distintas aproximam
As duas também repelem e abandonam
Aqueles que a Ana consegue pelo carinho
Ficam por perto sem ver o rosto da Maria

A Maria que, por oposição, conquista
Não se subordina à doçura da Ana
E incompleta entre essas duas meninas
Os que tenho por um dos lado
Pelo outro me abandonam

Quis entrar na caixa da normalidade
Mas os meus pés ficaram de fora
Prefiro essa minha capacidade
De achar-me uma a cada hora

Que há de tão ruim que me venham também
Os outros nos pedaços mal cortados?
Que mal há que me caibam uns pelo peito
E outros me sirvam melhor pelos lábios?

Não há maldade em não ceder
Para uma totalidade de mentirinha
De cada um retiro um pouco
De ninguém e todo mundo sou
E assim jamais hei de estar sozinha




segunda-feira, 9 de julho de 2012

as lost as you are.


i'm as lost as you are
i'm as lost as you are
i can't take control anymore
i can't help feeling that way
i can't lose my mind this way again

so tell me what you're gonna do
tell me that your body is mine
so tell me what you're gonna do
tell me that you're gonna be my...

i always appear in your life
in the most strange moments
and we have that thing with no name
that can't last for too long

because i'm as lost as you are
as lost as you are
i can't take no control
i can't find peace anywhere

and all that mess around
is going to break me down
all that mess make me want to die

i'm as lost as you are
as lost as you are
we'll tear our world apart
we'll tear our world apart

you bring me down
you make me sick
you bring me down

i can't take the control
i can't take the control
i will not have control
i will never have control

domingo, 8 de julho de 2012

Desencaixes.

Não cabe à mim o pedaço mais íntimo de você
Não cabe à mim sua fidelidade, sua sinceridade
Talvez me caibam seus pedaços jogados às traças
Mas não me cabe sua imensidão, seu gosto inteiro

É impossível que eu monopolize essa alma tão imensa
Seus delírios tão incessantes, seu corpo tão grande
Não me cabe o ciúme, não me cabe o prendimento
Nem me cabem todas as minhas metades estranhas

Não me cabem minhas dores, as angústias sem norte
Me ficam presas pela ponta de cada dedo, pelos olhos
E de te olhar, enxergo aquilo que é penoso e atrativo
Que não cabe só à mim, que meus pulsos não prendem

Meus tolos desejos aceitam sem enxergar o depois
Quero a parte que me inspira, me excita, me deita
E, então, quero que me deixe, não me faço sua
Não será meu muito além de um ou dois agoras

EU NÃO SOU! EU NÃO SOU!
Metade daquilo que eu era já não é
Metade daquilo que você é ninguém conhece
Metade daquilo que você sabe é mentira
E na mentira você se faz todas as verdades
VOCÊ NÃO É! VOCÊ NÃO É!

E a insanidade de cada momento de suor
Cada entrada que pulsa, cada segundo que ama
Me fazem querer sua incompreensão
E sem compreender, me entrego, sem olhar

No escuro, no silêncio, na nudez
Sou sua Magdalena, sua Pâmela
Na falta, no beijo, no desespero
Você é meu Mojo, meu Panzón

E deixaremos de ser tudo que fomos
Para então sermos outro alguém
E com outro alguém vestir mais uma máscara
Do desejo, eu aprendo a sugar as estranhezas
E tudo que me é belo, inspiro pelo ato
Sem ar, sem fuga, sem dizer meu nome

Estilhaçada entre as cobertas, deixo cada pedaço seu
Aqueles vocês que ninguém vê, espalho pra fora de mim
Espalho suas sublimes vertentes sem pronunciar
Todas as palavras consomem-se na sua loucura

Vou embora, inquieta, repleta, desejosa e insana
Atrás da porta guardo meus gritos e minha solidão
E que ninguém entre na sua casa e te pegue assim
Que a máscara que me mostra se perca quando eu fujo

Sem telefone, sem conversa, sem insistência
Me fluo em você continuamente e te deixo sem pista
E nas nossas formas de não pertencermo-nos
O nosso amor errado e sem linha se esconde
A cada manhã que me visto e saio
Até surgir no meu querer o alguém da próxima noite





sexta-feira, 29 de junho de 2012

A casa da Maria.


  Hoje Maria Coisa Alguma colocou os sapatos no canto da porta, e olhou para a sala estranha. Tinham uns móveis meio tortos, tinha um silêncio meio morto, umas plantas meio murchas, e uma melancolia daquelas que antigas cantigas de ninar despertam.
  Como quem não quer nada, já querendo desprender-se de tudo para mais tarde, então, poder abraçar o mundo, Maria, coitada, sozinha como nos outros dias, tentava traduzir suas façanhas intelectuais nos vocábulos mais prolixos, das sombras mais medonhas queria que a luz da explicação surgisse. E queria explicitar-se nos símbolos todos, nas linguagens mais remotas, nos intrínsecos mais latentes das curvas da sua mente. Mas Maria era fraca, e talvez por reconhecer sua fraqueza fazia-se forte para não ter que se assistir caindo tão cedo, se segurava nos armários que só ela pode enxergar. Maria diagnosticou-se sofrendo de uma loucura severa.
  Montando e ligando as formas, as letras, ela quis passar cada gota de si num papel qualquer, mas era impedida. Sua fraqueza engrandecia aquilo que precisava discorrer, e as palavras mantinham-se apáticas perante a fraca Maria. Maria era martelo, cabide e vermelho, era carteira sem dinheiro, sacola da quitanda, cinto arrebentado, caneta perdida, tampa de manteiga e jogo de damas. Era todas essas coisas e cada uma das palavras, porque as palavras, malditas ou abençoadas, eram tudo que Maria tinha à disposição, ao mesmo tempo em que não eram e não podiam ser nada, porque ,tão coitadas quanto a Maria, estariam sempre fadadas à uma forma que se apresenta para o externo como conjunta e uniforme, o que, na realidade, não lhes faziam jus à intenção.
  A dificuldade da tradução da cuca para as mãos era o que fazia a sala da Maria se transformar num monstro de mil cores e olhares, num desprendimento sem fim, todas as coisas poderiam ter todos os nomes, e então, sem saber que identidade tomar para si, as coisas todas derretiam-se sem forma pela casa da Maria. Maria andava pela casa tentando achar de novo a forma que as coisas haviam perdido, e tirar de uma vez por todas a falta de delineio daquilo que em sua mente brincava.
  Quando se deu conta, Maria também já estava espalhada pelo chão da casa, porque seu "m" já era "z" e também era "π", e todas as essências, todas as formas, embaralhavam-se nos símbolos. Nada mais devia ser coeso, e a casa da Maria se tornou a casa de tudo e coisa nenhuma, do jeito que tinha que ser, sem ter tido, para não ter nenhuma explicação.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Só escrevo sobre desamor.

No pequeno conjunto de atributos que disponho
Para suscitar, e esparramar pela linha meus delírios
Quero que não fique apenas o meu desprezo
Não quero que a linha embriague-se em demasia
Apenas com a amargura das minhas lágrimas
Quero trazer de volta ao papel o riso louco
Das minhas alegrias, que de tão pequenas
Não poderiam ser menos desvairadas

Vêm e vão estas pequenas, desvairando meu coração
Mostrando-me tudo que há de doce e digno do amor
Fazendo do meu sorriso um novo meio de ser
Causam-me no peito a plenitude da tranquilidade
Apaziguam esses demônios turbulentos e inquietos
Que insistem em mostrar-se maiores que minhas forças
E, em meio essa calmaria, deixam-me caladas, vão pra casa

O que haveria de ser do gosto amargo
Se as doçuras, em toda sua efemeridade,
Não nos fossem apresentadas dessa forma sutil
E no fim de cada dança afobada e delirante
Descarrego sobre os ombros desta que vos fala
O peso de saber que é feita da matéria
Que monta a face dos grandes sofredores
De tortuosa e incoerente inspiração
Inspiração que só vêm dos delírios das noites insones
Dos longos e infortunos cultos de solidão

Que caiba ao desenhos desses símbolos
À oralidade fonética de cada uma dessas letras
Ao recitar destes versos que expõe minhas formas:
Em meu peito a felicidade também tem morada
Efêmera ou grandiosa, seu cheiro permanece em mim
O saber que ela esteve em pequenos pedaços sobre meu eu
Deixa-me inerte à uma alternada maneira de sofrer
E a pobreza destes versos, quase abafados
Dá-se por em mim nascer um pedaço de alegria
Essa visitante mal acostumada ao ambiente hostil
Que prefere em mim não fazer estadia prolongada
E por sentir-se neste meio, tão incomodada
Rouba da minha essência as palavras corretas
Os caminhos cabíveis para a escrita ser meu reflexo

E com a tristeza, meu demônio melhor aliado
Concretizo minha assimetria insana, decrépita
E a beleza assim se faz formada, letra por letra
A cada palavra embebida nos desgostos
Faz-se uma nova esquina em meus caminhos
Nos perturbados momentos de dúvida
Meu penar encontra-se sanado pelos vocábulos
Que a alegria, por firula de sua existência
Tão rara e fugaz em minha amargurada essência
Se esvai no silêncio da calma, do pacato
Por sua simplicidade eminente
Efetiva em mim todos os risos do mundo
E então foge, e me entrega novamente
Às minhas prezadas dúvidas descontentes

terça-feira, 22 de maio de 2012

Luíza.

Você conhece o vento triste
Desses dias de sol imperador
Que obriga à todos esse sorriso
Que o seu rosto não quer dar

Você faz surgir em você
Mil estradas de pensamento
E sem o poder da ignorância
Convive no louco tormento

Ah, você coloca seu tênis
Todos os dias sem pensar
Nos vestidos meio velhos
Faz-se em pé num novo dia

Não quer muito da vida não
Nem do convívio com o externo
Quer paciência e compreensão
Canetas bic e papel higiênico

Nunca ambicionou plenitude
Maior que completar origamis
Fazendo corações de papel
Com os panfletos de vende-se ouro

Mas quando volta pra casa
Olha todos os olhos tristes
Sem esperar que nenhum retorne
Volta sozinha e descabida

Chega em casa apelando pra si mesma
E evita ir dormir, ficar sem falar, evita sorrir
E dentro de você quer evitar o conflito
De enxergar todos esses caras falando

Muitas de você não cabem numa música
Muitas de você não cabem no espelho
E o medo aumenta o sofrimento
E o desespero entra de novo em cena

Tomara que durma de uma vez
Que você durma, quietinha
Fugindo dos seus monstros
Que só enxerga sozinha

Quem nunca os viu não poderia dizer
Acusariam-na de um drama, de um enlouquecer
Mas eles estão ocupados demais com suas gravatas
E nunca teriam tempo para ver o que você vê

Você vai continuar evitando o espelho
E vai continuar ficando velha sem ter nem vinte
E vai disfarçar sua tristeza com batom vermelho
E vai ir beber sozinha no final de semana seguinte

Calma que o dia ainda nem começou
E a tendência a partir de agora é só piorar
Esse ano você não vai aprender a tocar bateria
E sem qualidades musicais vai de novo se frustrar

Continue então evitando espelho
Derrube as coisas no chão para desviar
Não olhe os monstros nos olhos
Eles tem mais medo de você que você deles

Mas você sabe que é você é mil
E que sozinha está em um milhão de si
E que sozinha permanecerá em um milhão de outros
E que a chuva talvez pare de obrigar você a sorrir

E no final nem é tão importante assim
Tudo vai terminar num beijo desconhecido
No final o importante se perde
Quem vai ser você no final da noite?

Versinhos de insanidade.

Oh, e na quase profana
Inquietude do meu coração
Não posso escolher os vocábulos
Para à paixão dar vazão

E se a inquietude não me corroesse
De maneira tão efetiva e triste
Poderia calar para sempre dos meus lábios
Todos esse sentimentos que não te disse

Mas ah o poder das palavras
Sabe o que delas pode-se interpretar
O que viria após dizer estas desvairadas
Que tanto pedem para escapar

Deixa pra mais tarde essas insanas
Deixa pra depois eu tentar me explicar
Não ligue para minha forma de sentimento
Que hoje deu para se intensificar

Essa parte de mim me atormenta
E hoje quis ela sorrir com mais graça
Queria poder mandar tudo isso para dentro
Mas as palavras não podem ser controladas

Mantenho o silêncio incoerente
Mantenho o crime de não dizer nada
De manter calado no peito toda vontade
De cantar para você minhas canções

Entenda o desalinho e o medo
Que me consomem de pouco em pouco
Que me prendem nesse teatro
Onde me visto a cada verso
De um outro e desconhecido louco

Ah, minha insanidade
Essa decrépita vagabunda
Me afasta de minha verdade
Acha-se minha vertente mais profunda

Quero engolir todas as palavras
Antes que eu engula o mundo inteiro
Com minha vontade desesperada
De partilhar todos meus devaneios

Essa minha parte é pequena
Não olhem para ela como um todo
Ela quer dizer à ele as palavras
E ir embora em meio ao choro

Descabido corre o mundo
Descabido é esse jogo
Não fechem meus conceitos
Fiquem todos insanos

Pequeno homem.

Nasceu dentro de mim um homenzinho
Pequeno e tímido, sem cor, sem cara
Vagueia entre minhas máscaras sozinho
Esperando surgir em mim outra alma

Meio tímido, e sem semblante claro
Ele permeia meu vazio tropeçando
Conhecendo-me por todos os lados
Vai, sutil, no meu ser se acomodando

Sabe bem ele, que é um entre mil
Dos homenzinhos que fiz surgir por aqui
E por carregar esse saber, não fugiu
Das minhas inquietudes aqui e ali

Permaneceu o homenzinho, e chorou
Vez ou outra seus berros ecoam em mim
E ardem, descem queimando por  quem eu sou
Deixam-me imersa no nosso pequeno conflito

O homenzinho não sabe o que quer
Não soube me dizer direito quem é
Não disse para onde vai e de onde veio
Mas permanecerá em mim o quanto quiser

Estranho sentimento esse apego incoerente
Que o homenzinho fez surtar no meu espírito
Houveram outros dele anteriormente
Que vieram e foram sem me por em conflito

Carrego uma passarela limpa e estrelada 
Para que o homenzinho faça seu caminho
Mas ele acha-a, para seus modos, meio desajustada
Prefere tropeçar nos meus outros desalinhos

Não sabe de nada esse pequeno homem
Anda longe do caminho que para ele tracei
E essa rebeldia que sutilmente o consome
Faz-me querê-lo com ainda mais prazer

Este pequeno sem rumo sabe das minhas palavras
Não faz-se de tolo, apenas silencia o peito
Quando o obrigo, num sorriso, a defronta-las
Não dizemos nada, e rimos no silencio, do nosso jeito

Apelei nos meus devaneios, dar vazão ao homenzinho
Quis eu mesma dar-lhe o impulso que faltava
Mas decidi que não é meu papel escrever o destino
Nem interferir nesse pequeno homem feito de nada

Me incomoda querer saber de onde veio
Me incomoda querer saber se ele é parte de mim
Ou se veio até mim de forma externa, pelo alheio
E essa angústia, infantilmente, me faz bem

Talvez eu sempre soube quem ele é
O quão mutável se tornará
Mas prefiro deixa-lo crescer
E ver as formas que poderá tomar

E dos meus milhares de fragmentos
O homenzinho talvez seja apenas mais um
E após todo esse tormento
Ele vá embora sem rodeio algum

Deixe sempre o tal homenzinho neutro
Pálido e sereno brincar pelos meus conceitos
Fazer meus mundos um alento
Me desconstruir e remontar de outro jeito

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sem título.

 Jamais irei me ater a pequena potência dessas palavras escritas com quase desdém por essa parte de mim que precisa se expor para se conter, que precisa do rumo das linhas escritas para canalizar sua expansão desenfreada. Apesar da necessidade do fechamento da essência em palavras tão pouco verídicas, isso é um crime sobre mim mesma e minha enorme força de pensamento - esse amontoado de palavras são o máximo que minha força criativa consegue exprimir da infinidade presente em mim, minha força criativa e de expressão se atém a sua infimidade.
 Por vezes, sinto que há em mim a necessidade incessante de ter um alguém tão singular quanto eu para que eu discorra as  palavras pela boca, para que meu corpo e minhas expressões auxiliem na soltura dessa imensidão onde minhas próprias bases já se misturam em meio ao resto da construção do meu eu.
 Na falta de ter com quem comentar a leitura de um livro fantástico, na falta de poder verbalizar com alguém ao som de uma música maravilhosa, pairo no limbo da minha solidão e converso inconclusivamente comigo. Observo junto a mim a fumaça que sobe do cigarro e dela concluo minha sujeira. Não caibo aos bons costumes, não sirvo ao ser mulher onde fui construída, tenho gosto pelo vagabundo e pela desordem, ao mesmo tempo que preciso de uma paz que não encontro em lugar algum. Me apaixono pelo lado mais cruel e desesperado que as pessoas conseguem exteriorizar, o lado mais animal do homem me agrada. Me apaixono por incongruências, momentos enfurecidos, palavras impostas com ódio, me apaixono pelo correr das lágrimas. Me apaixono por saber que, ao final da noite, os desconhecidos deitarão-se juntos e explorarão juntos aquilo que, envergonhado, jamais iriam expor socialmente.
 Minha necessidade de ter em quem depositar meus impulsos é uma crueldade com o alheio. Não há quem possa me trazer calmaria, e com a calmaria imposta, eu certamente cansaria do amor, mesmo sem deixar de amar. Conceito de amor comum nunca me atraiu. Gosto do amor que corrói, corrompe, do amor irrealizado que faz sofrer, do amor interrompido que tortura a alma. Gosto do amor não concretizado que percorre, nebulosamente, a alma, sem achar saída, se vê impossibilitado de ganhar vazão pelas portas que a covardia teima em fechar.
 Gosto do amor que dói, pela dúvida, e pela infinita possibilidade de criação que ele trás. Gosto da prática do amor, porque ela é suja, impura e mentirosa. Prezo pela amargura de ver minhas derrotas, prezo ao ver quem eu amo, amando outro alguém, beijando outro qualquer e oferecendo a este aquilo tudo que anseio com ardor. A irrealização me conduz e me condena ao fado de me sentir sempre em meio a solidão e ao sofrer, de ter que encarar o que eu quero não chegar até as minhas mãos. Gosto dos momentos de fúria que acarreta o sofrimento e a irrealização dos meus amores, e por esta eu prezo.
 Trago em mim a certeza de que nada irá me suprir. O dia que eu me enxergar completa e segura, precisará de um dia de devastação da alma vindo logo em seguida.
 A resignação não cabe em mim e nunca vou ter o suficiente para que me contenham fora desse constante processo de expansão. É aqui que me sinto plena, sem qualquer plenitude. Completa de nada. Me sinto coerente e respeitosa com o meu espírito.
 Nadei quando deveria ter andado, e cheguei a uma ilha onde tudo o que eu preciso é respeitar o fato de que estar sozinha é minha melhor forma de companhia. Que meu genuíno sofrer descabido engrena tudo aquilo que me permite ser, e que aquilo que mostro, para mim, para o papel, para as diferentes singularidades, é só uma das mil formas onde posso dar vazão à infinidade daquilo que me compõe. Não sendo nada certo, e embasando na incerteza meus pensamentos inconclusivos, sou toda a pluralidade que me cabe em pequenos pedaços de finitude duvidosa.
 Ora, se procuro alguém para amar e depositar nela quem eu sou, me torno incoerente e paradoxal. Não há como, amando alguém, partilhar com ela uma parte ínfima daquilo que me compõe sem submetê-la a um sofrimento imenso. Eu não me caibo em sofrimento, é mediocridade minha que eu force esse sofrimento a outras pessoas. Para os meus amores, essas almas as quais tento agradar, deixo apenas uma fração de mim, um tanto quanto inverossímil, mas inteligível em suas peculiaridades. A exigência para que acompanhem meu eu é absolutamente incoerente, nem eu mesma o acompanho. Resta a mim o penar de ter que assistir diversas, e consecutivas vezes, o meu amor sair de cena, como o bom desprezado que é. Meu desprezo por mim mesma causa minha resignação social. Para não infortunar o alheio - ao qual também carrego grande carga de desprezo - prefiro resignar aos meus próprios delírios quem eu sou, minhas mil faces, e quem eu busco dentro de mim.
 Ainda sim sofro em estado de quase morte. Sofro por mim, e esse penar é o pior sacrilégio da vida. Sofro por minhas contradições e pelo meu ridículo apego à elas. Sofro por não me enquadrar na normalidade, pela não concretização dos meus amores, e pelo meu ceticismo. Me dói e me alimenta minha própria falta de fé, como um remédio amargo que enfrento a todo instante. Me dói minha incapacidade de um amor concreto e saudável, me dói a necessidade de amar. Me dói não diferenciar o bem do mal, e essa dor me mantém viva e alimentada, para que eu não cesse em busca da redenção, do meu encontro com minhas várias vertentes, do meu encontro com o alguém que não se amedronte perante minha discrepância em ser, se alimente dela, e me dê em troca sua própria maneira tortuosa de seguir.
 A dor e o medo já são velhos amigos, fazem parte de mim e da minha busca e admito que com tudo o que eles me trazem, e tudo o que eles me afastam, meus moribundos dias vazios se afastam de mim. O medo e ador me trazem sentimento e criação, me afastam da calmaria que tanto repugno, e assim, ao me afastar de tudo, me aproximam mais de mim.

Erro de interpretação.

Fora de ritmo
Estavam todos dançando
Permeando a chuva
A noite se deteriorando

As vozes eram altas
Desconstruíam o meu redor
Nesse concreto de almas
Meus sapatos dançavam sós

Ninguém se achegou
Eu permanecia ínfima
A chuva aumentava
Sozinha eu permanecia

E na solidão da falta
Vi entre eles o beijo
No precipício em que entrava
Não achava outro jeito

Permaneci calada
Segurei o que quis escapar
Engoli amargo o grito, o choro
Enxerguei, novamente, meu desmoronar

E quieta me pus pra fora
Enquanto a cabeça ecoava
"Women listen to your mothers"
Minha mente triste cantarolava

E eu fui alertada
Pela voz de dentro de mim
Pelas vozes externizadas
Dizendo "não se exponha assim"

E tomada pela revolta
Da minha própria falta de eixo
A chuva caia no meu corpo
Fui vítima desse sujeito

O sujeito sem cara
Que se veste de palhaço
Mostra-se puro e doce
Antes de fazer o seu estrago

Parei sob uma marquise
Dei um trago na angústia
Lembrei das madrugadas
Em que me apaixonei por aquela figura

E quis ser a menina
Quis ser segurada
Dei vazão a essa sina
Que me deixa, agora, amargurada

Não quero mais as bases
Onde se fortaleceu esse monstro louco
Viver sem sobriedade
Deixando meu peito sempre oco

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ser alguém.

Sentei por um tempo
Pedi as contas para a vida
Não acho mais alento
Encerrei as minhas dívidas

Estive procurando um bom par
Para depositar os meus anseios
Mas sou um repelente de pessoas
Elas se mantém onde não as vejo

Quis conversar por horas
Sobre os devaneios da vida
Dividir minhas pequenas histórias
E uma garrafa qualquer de bebida

Mas não houve reciprocidade
Procurei até me cansar
Vasculhei por todas as partes
Coube a mim o sinistro calar

E viajei procurando quem fosse
Um ninguém coisa alguma
Para falar apenas dos seus cantos
Sobre as minucias mais profundas

Nunca quis saber do vencer louco
Da competição amarga do viver
Quis encontrar quem quisesse pouco
Deitar no meu ombro e adormecer

De todas minhas doces quimeras
Essa se manteve a mais pura
E esperei uma alma, aquela
Que encontrasse em mim abertura

Por vezes a espera
Deparou-se com bobagens
Acreditou em sua inocência
Que era uma pura verdade

E desistindo aos poucos
Tudo me pareceu novo
Afastei o anseio pelo grandioso
E no nada montei meu riso

Contrastada nos meus enigmas
Vou seguindo, sem parada
Sem certezas, descabida
No meu modo torto, desajustada

Desistindo de ser alguém
Resolvi que nada sou nessa vida
Viverei sob os olhos de desdém
Sem saber lidar com as minhas feridas

De subir nessa tal de vida
Nunca soube o caminho
Prefiro então minha calmaria
Meu filosofar quieto e sozinho

E assim prefiro esses dias
De desistência e falta de direção
Que me sejam raras as alegrias
Mas minha mente de às palavras vazão

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Desespero.

E eu andava pelas ruas
Meio solitária e deprimida
Já conhecida pelos bares
Achava alento na bebida

E o cheiro dos últimos tragos
Remanescia ao meu redor
Eu não aguentava a angústia
De estar, pela mente, quase morta

Encontrei ele de longe
Em minha falta de beleza
O que exibo para os olhos
Não agrada quem me enxerga

O quis da mesma forma
Com minhas limitações de mulher
Quis mostrar-lhe minhas outras formas
Que não foram feitas para um qualquer

Não tive pudor em adentrar sua mente
Utilizei todos os artifícios verbais
Para trazê-lo perto, em meu peito
E deitar-me com ele numas noites a mais

E as palavras trocadas
Em semelhança quase utópica
Me prenderam a ele, intocada
Esperando, para o meu amor, um sinal

Habitei, calada, a vontade no meu corpo
Enquanto com ele as palavras
Faziam nosso riso, nosso jogo
Mas ardia em mim o querer
De ser por ele desejada

E de tão semelhantes, jamais atingimo-nos
De tão recorrente a empatia, a alegria se foi
De tantas palavras para dizer, nos calamos
De absurdo do meu querer, o amor quase morreu

Ardia, e ainda arde o aguardo
De que ele veja em mim a beleza
Que da sua vivência ele descarregue o fardo
De também ter sido fadado a tantas tristezas

Me abate a certeza de que sou uma solitária
O saber que de tanto amor
Ao final serei vencida na batalha travada
Dentro de mim, da minha mente vasta

Enquanto houver em mim o desejo
De poder ter esse amor para nele depositar
Imaginarei inúmeras vezes o beijo
Que na carência do corpo irei lhe dar

E se não concluirmos meus devaneios
Guardarei no meu peito a felicidade
De você ser sido meu anseio
De ter me entregado, por uma vez, de verdade

E voltarei aos meus caminhos
Tortuosos e tão vazios
Nesse meu destino sozinho
Na a realidade de não me encontrar
De precisar de alguns copos de vinho
Para dentro da minha mente poder morar

Brechas.

Enquanto estava longe
Passei por um longo período
De experimentar o estranho
Para encontrar um abrigo

Experimentei de tudo
Passei por diversos caminhos
Levei alguns tombos
E decidi continuar sozinho

Busquei alguma coisa parecida
Algo que me lembrasse você
Mas não houve uma saída
Pois não pude me desprender

E a cada novo olhar
Eu pensava, deprimido
"Não queria esse lugar
Queria ela aqui comigo"

E como de fato é costume
No amor existe a brecha
Os desencontros entre mundos
O meu amor não te interessa

E se fosse para amar
Sua presença só para mim
Eu ainda sofreria a amargura
De saber que nada se dá assim

Meu amor será maior
Enquanto não secar no limbo
Enquanto de te querer sem resposta
Ele não der as costas se esvaindo

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Fraquezas.

Não tem nada de errado
Em estar meio pra baixo
O mundo consiste no fato
De não ter eixo bem colocado

Não tem nenhum problema
Sentir o fardo do complexo
Achar o peito meio vazio
Criar devaneios desconexos

Nunca foi crime chorar
E sentir-se deprimido
Não é proibida a tristeza
É parte de viver e ter vivido

E a beleza assim se faz
Em meio ao sentimento que aflige
A agonia que destroça o peito
Pode, de súbito, tornar-se o riso

O fim do mundo não é
Essa falta de direção
É muito mais que humano
Sentir-se vazio no coração

Embriagar-se nas paixões efêmeras
É o que de mais humano existe
Querer estabilidade na vivência
Não é o que nos consiste

A dúvida é o sagrado
O que move e faz o mundo
O conflito desregrado
E o desentendimento profundo

Cansaço.

Vou ligar hoje a televisão
As divagações me cansaram
Estive devotada com paixão
Pelos pensamentos sem solução

Quero assistir lagoa azul
Pra me livrar da intensidade
De ter ouvido tanto blues
Vou é ver sessão da tarde

Quero sentar pra comer pizza
Ouvindo as músicas do rádio
Falar de qualquer besteira
E então cantar loving you

O tédio virou meu inimigo
Me deu as costas e um palavrão
Em meio a ele eu alucino
Sem chegar numa conclusão

Não quero mais minha bolha de ar
Onde eu fico intocada
Quero rir com alguém e tomar chá
Sem ponderar demais as palavras

Cansei de ter que estar presa
Todos os dias comigo mesma
Quero sair da minha cabeça
Sem compromisso com a clareza

Não posso mais sustentar
As peripécias de estar cheia
Minhas palavras vão assustar
Minha mente é uma cadeia

Preciso desbaratinar
Me apaixonar pelo cara errado
Mudar de opinião em seguida
E buscar um outro fado

Os passatempos não me prendem
Mas eu quero todos eles
Quero mudar, e de repente
Esquecer da minha mente




quarta-feira, 2 de maio de 2012

Clichê.

Não quero que se vista de culpa
Pois já é dono do que é meu
Tens aquilo que me pertence
Mas não domino
Tens aquilo que se afugenta em mim
Por temer a solidão

Cubra-se com meu corpo
Busque em mim o seu abrigo
Busque no meu pranto a tua cura

Não precisa desse flagelo
Não precisa dessas conclusões sinuosas
Não mantenha nada oculto em seus lábios
Porque somente sua já sou

Não me complique com seu sorriso exagerado
De quem pede meu desejo
Não me prenda assim nesse estado
Faça acontecer seu eu em mim

Porque eu já estou cansada dessa luta travada
Entre o que é bom e o que é ruim
Estou entre o sim e o não, sendo descartada
Pelo meu jeito torto de te querer assim

Segure a minha mão, que sairemos pela rua
E ali mesmo verá eu me despir
Da vergonha cravada na minha cara
Desse amor que não sara e já não posso fugir

Barbárie Interna.

Um estranho gosto pelo impossível
E um medo louco que me apavora
Brincam em firulas dentro de mim
E teimam em não ir embora

Enquanto me deixo ir em devaneio
Ansiando por novos gostos
Dou meia volta ao ponto de início
Já que amedronta tudo que é novo

Ao diálogo não se prostram
Apenas dominam minha emoção
Já me ofereci para leva-los de volta
Mas continuaram em sua negação

Senti pena do meu conflito
Mas decidi parar de me importar
Agora eu e meu jeito somos amigos
O aceito por não saber lidar

Em outros tempos, teria fugido
Dessa minha discrepância em ser
Mas tenho, ultimamente, até sorrido
Por decidir  aproveitar do meu desprazer

Tenho até conseguido escrever
Vez ou outra consigo me expressar
Mas então o medo vem e me açoita
Rindo da minha vontade de mudar

Para que não haja mais pranto
O medo insano hoje eu aceito
Ele é mesmo meio louco
Não consigo achar outro jeito

Fica aqui bem quietinho
Esperando minha vontade falar
Pra então rir da cara dela
Me fazendo sempre recuar

Amar eu quis muitas vezes
Mas o medo pregou meu pé no chão
E quando, teimosa, o desobedeço
Ele me faz sentir imersa em solidão

Se amar só me trouxe efeito
Pra deixar-me coibida num canto
Resolvi ouvir esse louco medo
Que de tão louco vive acertando

domingo, 29 de abril de 2012

Enquanto eu espero
E perco os dias tão dispersa
Em meio meus desesperos
Outro dia logo começa

Atrás de nós estão as dores
De um passado relutante
A cicatriz do que foram amores
E os medos incessantes

No meu falar não serei clara
Me resta o fado da incerteza
Do confundir das palavras
Inebriando os raios de clareza

Ouvindo tudo aquilo que me diz
Luto contra isso que renasce
Que no meu peito surge criando raiz
Espero que vá embora e logo passe

Que eu o negue enquanto puder
E o mantenha ofuscado em meio a mim
Que eu cesse minha maneira de te querer
Pois outrora já me perdi assim

E que não subentenda meu anseio
Busco integrar-me a ti
Compreender teus devaneios
E então prender-te a mim
Sem que saibas do meu desejo

terça-feira, 17 de abril de 2012

Fúria.

Queria ser digno de todo seu ódio
Causar na sua cara a face do repúdio
Encontrar nos seus braços desprezo temporário
Achar em ti algo além de um afago rápido

Quis seus medos de maneira única
Quis me desfazer em suas vontades como mágica
Quis deitar-me nos teus braços em meio ao tédio
Enrolar-me nos teus defeitos nas manhãs de sábado

Desejei ser parte de suas renúncias
Sentir suas falhas e teus desejos íntimos
Fazer-me próximo a ti nos momentos ínfimos
Acabar com a vontade que me deixa mórbido

Encher minha mão nos teus impulsos físicos
Achar no teu cansaço o que me faz único
Acabar com meus devaneios nessas frases sólidas
Fazer de você minha prisão e meu alívio

Recitar-te os meus versos tão caóticos
Receber o teu sorriso numa vontade última
Abraçar a solidão de sentir essa cólera
E morrer novamente ao final desse equívoco

Busca.

  Todos os dias acordava insana, aquela menina. Sem sentido ou direção, robotizava seus movimentos até a hora de deixar a casa. Não via identidade em seu rosto, não sentia alegria em seu coração, permanecia aflita com a ideia de que jamais descobriria o amor novamente, açoitava-se com o temor da solidão, e para evitar esses fins, saía de casa todos os dias no intuito de depositar seu amor em todo aquele que passasse e lhe cumprimentasse, a cada bom dia anônimo ela enchia seu coração, e o esvaziava com cada adeus.
  Ela permanecia imóvel na sua falta de motivação, permanecia intacta. Dia desses decidiu que ajudaria todos aqueles que, aos olhos dela, necessitassem de ajuda, quis ajudar as crianças e velhinhos a atravessar a rua, quis sentir-se completa, dividir tempo para ouvir as histórias das pessoas, nem que fosse para não dar conselho algum e deixar que chorassem em seu ombro apenas pelo prazer de acariciar-lhes o cabelo. Mas tão grande era sua boa vontade, quanto ínfima era a vontade daqueles que deviam ser ajudados. Não havia tempo, nem espaço na vida das pessoas para que uma pequena lhes desse atenção e carinho, foi desprezada pelas bocas e então afastou-se, sentiu-se ainda mais desmotivada e estranha, quis mais ainda entrar no comando automático da vida e deixar de se afetar pelos que a rodeavam. 
  Quis ela, num ato de desespero, deixar de lado seu orgulho e jogar-se em busca de ajuda nos livros e nos consultórios. Não demorou muito a perceber que todos os humanos talvez passassem pelos mesmos temores que ela, e buscar solução para essa fúria agonizante não era nada, senão um ato egoísta, que não a ajudaria em sua missão de dividir amor entre as pessoas. Ela estava desesperada na esperança de encontrar alguém em que fosse possível depositar todo aquele amor incondicional que sentia, não pela vida, não pela dinâmica do universo, não por Deus, mas pelas pessoas, unicamente pelas pessoas e seus modos agitados. Ela enxergava inspiração nos impulsos subjetivos das pessoas, tanto quanto em sua maneira automática de levar o cotidiano, ela via nas pessoas o melhor meio de salvar-se de si mesma, ela queria as pessoas também por um ato de vaidade, e talvez justamente por ter essa consciência jamais conseguia se aproximar com clareza, jamais conseguia deixar expressos abertamente seus sentimentos, e jamais conseguia depositar em alguém todo amor que havia para ser depositado.
   Em seus dias sozinha, a mente quase lhe dava um colapso geral. Ela espantava-se com a maneira que seus próprios pensamentos faziam dela vítima daquilo tudo, ela não queria ser a vítima, não queria enxergar-se como a vítima, não queria toda essa auto-piedade, isso causava à ela repulsa. Mas  por fim, não conseguia enxergar-se de outro modo, via-se uma exímia sofredora do amor, como em tantos outros rostos, ela deixava transparecer sua necessidade para esperar que viesse ajuda-la, mas talvez agora fosse tarde. Ela queria ajuda, mas sua mente já se corrompera, a sensação de vitimização a fazia imaginar que o mundo a queria pelas costas, e louca, ela buscava alguém que fosse realmente digno do seu amor, enquanto o tempo passava, ela se corroía em solidão, deixava esvair em seu peito a dor e a lástima de não achar ninguém compatível com sua vontade de amar, sentia-se acuada pelas pessoas, pelos grupos de pessoas, e pelas formas que esses grupos tomavam. Ela queria-os por perto, mas não conseguia mantê-los por muito tempo, pois sabia que seu amor ali jamais seria aceito e jamais aceitariam-na como a forma torta e estranha pela qual se delineou ela, suas formas físicas e psicológica, e principalmente, não estavam prontos para o seu amor, havia muita ocupação na cabeça das pessoas, muitas preocupações, e de qualquer modo, haviam muitos outros dispostos a amar, tão dispostos quanto ela ou mais, então não haveriam motivos para que prezassem por esse amor louco que a corroía de dentro pra fora.
  Ela quis achar o amor nos vícios, nos prazeres efêmeros, quis viver cada dia como se fosse morrer no dia seguinte, quis acabar com seu próprio corpo para sanar  a dor de sentir a fúria dessa vontade louca de ter alguém que fosse capaz de aceitá-la em suas fraquezas, aceitá-la em seus incontáveis defeitos, aceitá-la em sua tortura. Mas como poderia ela querer que fosse aceita, se nem ela mesma conseguia aceitar-se. Corrompia sua boa vontade essa força estranha que a tomava de súbito, fazendo-a sentir-se desprezada e sozinha. Quis afastar-se e bloquear sua válvula de sentimentos, e assim o fez. 
  

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Aversão.

Ah, eu me cansei
De tentar atingir
Essa tal de maturidade
Só deixando fluir
A minha vaidade

E os dias vão
Estão cada vez mais escassos
E cada minuto a mais concluo
Que já me perdi em meus passos

Eu não sei honestamente
Se o que eu sinto é a idade
Ou se são meus atos inconsequentes
Que me aproximam da verdade

E a velhice amedronta
Minha maneira de seguir
Todos os dias me dou conta
Que o fim está por vir

E não penso, só minto
Me engano pelo tempo
Redijo o não vivido
Esqueço dos dias e contemplo

Desmentindo, renovando
Criando e me acabando
Esvaindo minhas forças
Em busca do insano

De crescer e falar do sucesso
Não faço mais questão
Me perdi no universo
Da falta de razão

Vocês com seus ternos
Percam a vida desvairados
Iludidos no falso alento
Das mentiras do mercado

Na loucura do valor
Perderam-se todos
Embalados pelo vazio
Por crer que não são loucos

Me afaste a normalidade
Dessa maturidade regrada
Não deixe morrer em mim
A força que exerce o nada

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Em silêncio.


  A cabeça doía, pulsava, e de mais uma ressaca ele tentava se recompor, tentava assimilar os fatos ocorridos, tentava fugir da angústia de estar, como em tantas outras vezes, incompleto. Ele queria manter os pés no chão e olhar apenas para a perspectiva do presente, após tantas introspecções era mais do que claro que o grande mal da humanidade repousava na eterna busca por um ideal inalcançável que, eventualmente, acabaria em desilusão. Ainda assim ele tinha plena consciência de que esse aspecto do ser aflige toda forma de vida humana, e com ele não haveria de ser diferente. Novamente ele fora envenenado pelo poder do que as coisas poderiam se tornar, seduziu-se pela imagem de futuro delineada de maneira concreta em sua mente tão necessitada de alguma forma de ideal, por mais que isso fosse a fraqueza humana pela qual ele mais desenvolveu repúdio.
  Almejou desvendar tudo o que permeava a cabeça daquela mulher. Encontrou nela justamente aquilo que não procurava, e deixou-se levar ainda mais pelo fato ser fruto do acaso. Em aspectos ínfimos de essência, que são aqueles que podem ser reproduzidos pelo limite dos vocábulos, encontrou nela a empatia necessária para que a amargura de seu eu já não o afligisse tanto, encontrou nela um pedaço de solidão, uma espécie de melancolia que ia além daquilo que comumente as pessoas conseguem expressar. 
  Nessa pobreza de complexidade, por onde se estabelece normalmente esse tipo de sentimento, linearmente cresceu meio desconfigurado, meio descompassado, meio vulgar, essa vontade insana desprovida de racionalidade. Ele conseguia prever o futuro, sabia e sentia, com a mesma intensidade que sentia o crescimento daquele monstro de aparência ainda tão gentil, que o que viria em seguida acabaria, como sempre jogando-o na certeza ainda mais convicta de seu fracasso como ser humano.
  Ela não podia ser enxergada por ele como a provável solução de tudo aquilo que o deixava com esse sentimento de falta, ela não podia ser enxergada como quem o daria plenitude, ele não poderia usá-la como base para reconstruir seu coração já cansado, porque quando ela fosse embora, e com certeza ela iria, ele estaria de volta ao ponto zero, de volta ao seu fracasso pessoal, de volta à sua solidão que, dia após dia, tentava suprir com seus tragos, goles, e o pouco dinheiro no bolso.
  A tolice humana assume formas absurdas, e como o bom, velho e falho humano que costumava ser, ele se deixou levar por seus pressupostos. Preso por suas inseguranças, ele não saia do lugar, e ao querer expor suas vontades, frustrava-se ainda mais. Ele queria saber dos julgamentos dela, antes mesmo de pronunciar uma palavra. Ele a quis em demasia, mas por sua cautela em excesso permaneceu imóvel, manteve seguro para si suas palavras, ele conseguia prever que não seria bom o suficiente, que haveria no mundo muitos outros homens que por desventura, acharam naquela mulher o mesmo que ele, homens não tão vazios, homens cheios de léxico, homens fortes e muito mais atraentes do que ele, era desses homens que talvez ela precisasse, e não dele.
  E quem sabe ele fosse o que a complementaria, e quem sabe ela também encontrasse nele o que nem procurava, quem sabe pelos desatinos da vida eles tiveram de cruzar o mesmo caminho. Mas não haveria ninguém capaz de garantir, e pisar no escuro é deveras arriscado. O som da voz dele haveria de cessar se talvez ele deixasse-se levar da maneira desejada, e talvez ele escolhesse o melhor caminho em se calar. E talvez seja melhor, assim dessa maneira torta, dizer.

domingo, 8 de abril de 2012

Antes do fim.

Quero poder me orgulhar
Em acordar todos os dias e pensar
Que nossa alegria se findará
Nosso amor, tão profundo, morrerá

Quero colher no teu sorriso vasto
O gosto amargo que tanto o corrói
Quero apreciar todos os dias o teu desgosto
E afastar com meus beijos
Essa amargura que te destrói

Quero dia após dia perder a linha
Desmontar o retrato seu
Quero pelo prazer do sufoco
Saber o quanto teu coração sofreu

Quero partilhar tuas angústias
Partilhar o medo e a solidão
Quero teu sorriso largo e solto
E então debruçar-me
No teu gosto pela escuridão

E todos os dias me levantar
Sabendo que teu amor não me falhou
Sabendo que de tão completo e belo
Esvaiu-se pela janela e secou

E das amarguras
Faça-se mais uma
Nas minhas longas lutas
Encarne outro monstro em sua figura

Não deixarei de lembrar do seu gosto
E estarei presa ao teu cheiro por longos dias
Não deixarei morrer o teu rosto
Em meio minhas memórias feridas

Quero teu cabelo desgranhado na minha cama
Olhar nos teus olhos sem precisar falar
Quero teus desalinhos, tuas falhas
Te beijar outra vez antes do amor acabar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ônibus.

Eles entram, todos afobados, distanciando ao máximo o olhar alheio, estavam exilados em seus universos e tinham medo do choque, do encontro colossal de umas almas com as outras. Estavam sujos, nulos, ou quase nulos de humanidade. Como robôs que dia após dia cumprem sua função e voltam para o repouso, estagnados numa realidade quase moribunda, sem perspectiva de mudança e agradecidos pela benção de ao menos poder contribuir trabalhando, contribuir sabe-se lá com quem ou o que, o custo benefício da rotina exaustiva já os fazia duvidar se havia mesmo algum ganho pessoal.
Muitos ali rezam aos sussurros pedindo prosperidade na vida futura, muitos outros, com medo, questionam a memória de Deus, que parece ter-se esquecido do homem frágil e trabalhador. Talvez fosse o próprio Deus que os estivesse testando com um intuito por nós desconhecido. Deus ainda não foi questionado, e ainda como robôs, desprovidos de qualquer resquício de dignidade, ungem-se ao passar na frente da Igreja. Não se questiona o porquê aquele amontoado de corpos que emanam cansaço têm de se submeter à esse mórbido cotidiano. Calam-se, tampam a própria audição com seus fones, e evitam qualquer contato visual.
Correm loucos, para achar assento, trombam-se como quem disputa uma presa para não passar fome, passam desesperados na roleta e então cumprem seus papeis de bons cidadãos.
Os que cansam-se, dali logo somem. Os afortunados deixam de comer para garantir outro meio. Os que já não veem sentido nessa porra cotidiana talvez voltem para cobrar o valor monetário, com uma arma nas mãos, o preço da dignidade que lhes foi roubada ao longo dos anos; e este trará rebuliço e indignação, porém irão se posicionar do lado errado da moeda.
Ao final do dia, irão colocar-se em suas camas, ligando a televisão para assistir o suposto aumento na violência, e acharão um motivo a mais para resignarem-se em seus sofás nas tardes de folga. Aquietarão suas almas na oração noturna, dormirão até a próxima manhã de trabalho, pelo qual eles guardam desprezo, mas acreditam ser a melhor forma de no mês que vem parcelar uma televisão nova.

Pseudismo.

Vamos sentar e falar sobre imoralidade
Sobre a irrealização louca da sua vontade
De ser o centro do universo
Vamos então falar do inverso

Você ainda não se deu conta
Que sua luta não desprendeu-se do sofá
Você quer é uns elogios
E então ir reclamar noutros ouvidos

Quanta insensibilidade
Não compreendem minha peculiaridade
Olha como eu sou subjetivo
Sou fruto vivo do pós modernismo

Estou criando novos vocábulos
Para soar mais conceitual
Na realidade é só meu jeito educado
De achar quem chupe o meu

Pauliceia Desvairada, que falta me faz
Por onde anda o modernismo
Que já não encontro mais
Me leve para 1922, ou 1968, tanto faz

Vamos discutir o verso livre
Vamos montar umas bandas
Vamos expor um mictório
Falar de gente imunda
Compraremos uns móveis usados
Recitaremos poesia vagabunda

Todos sabem que você só quer o que eu quero
Mas antes, paremos num boteco
Para embriagar-nos, e discutirmos Zaratustra
Comemorar nosso fracasso sem lembrar de nada na segunda

terça-feira, 3 de abril de 2012

Pare de acabar comigo
Pare de coibir meu desejo
Deixa-me em juventude
Deixe-me entre amigos
Que a solidão só te aumenta
Que o seu aumento é só solidão
Para de me prender, me morder
Para de sugar até a última gota
Do meu anseio de ser quem quiser
De falar sem tropeçar
De eu amar sem que você destrua
Deixa que eu rode na dança
Deixa que eu beije o rapaz amargurado
Sai com essa sua pretensão
E deixa que entrem os capazes de sanar
Deixa que eu preencha meu vazio
Deixe ao menos minha vontade de tentar
Afasta de mim sua força
Afasta de mim suas grades
Afasta seu nome, seu cheiro imundo
Afasta essa malícia que me bloqueia
E seu ímpeto de querer me controlar
Afasta-se de mim, afasta-se

terça-feira, 27 de março de 2012

Dentro de mim, vazia de tudo.

Hoje me levanto no ímpeto de ter quem me queira, no desejo de sentir-me integrada com tudo aquilo que parece me fazer bem, porém, permanece à mim inatingível. Eu quero hoje enroscar-me nas discrepâncias da minha mente, quero desenhar sem linha aquilo que eu não consigo alcançar de maneira nenhuma, quero me sentir viva através do vazio que tanto me agonia, me arrasa, me deixa cair no abismo sem fim da minha mente.
Eu preciso que as vozes alheias a mim aceitem minha tortuosa maneira de ser, tão desajustada, quase sempre silenciosa. Preciso que acabem com o meu silêncio, antes que o silêncio acabe comigo. Preciso hoje, mais do que nunca, do sorriso dos que estão do lado de fora para confortar meu desalento interior, calar minhas mágoas profundas e manter minha mente sã.
Que eu não caia mais no meu abismo sozinho, que eu fale da dor e ache nas palavras um sentido novo para complementar a minha vivência errante. Quando eu for derrubada novamente por tudo isso que me açoita de maneira tão sutil, que o chão tome gosto pela minha carne e que eu sinta no sofrimento um novo alento, e que o chão me expulse quando eu recolher meus pedaços para que eu não desista do caminho, e nem me prenda eternamente ao chão.
Minha própria companhia me sufoca, estou o tempo todo sozinha e amedrontada enquanto meus pensamentos tomam conta da minha pequenez demasiadamente humana, eles emergem daquilo que há de mais profundo em minha consciência, me nauseiam, me sucumbem ao limbo de estar presa e imersa à imensidão na qual eles flutuam descoordenadamente, sem direção ou sentido, fazendo de mim instrumento para as mais insanas formas de introspecção, fazendo da minha mente uma máquina que pulsa anseios e vultos de essência que mal tem por onde sair.
Esse tempo não passa, essas vozes não me alcançam, eu quero esses sorrisos, quero rir com o externo, quero sair de mim e libertar-me da loucura de sentir-me tão presa às minhas ofuscadas relações com meu próprio eu. Quero a liberdade de mim, quero meu eu no todo, quero pedaços de ti, quero acordar de novo para finalmente sorrir com a alma, sorrir em paz.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Audição desalinhada.

Nesse poema de pouca rima
Ouço torto esse som morto
Que nasce em luz e pouco a pouco
Cresce e desatina
Sei que não mais aprecia
O deleite de sentir-se pleno
Que não ouve mais no vento
O canto nu e sereno
Do pouco que ainda tem seu valor
Do som onde cresce o amor
Sei que teus ouvidos estão lacrados
Que rimas soltas te são um fardo
Que de mim pouco te encanta
Mas por favor, não vá
Ouça o que nasce do canto puro
Dos pássaros que inundam o fim de tarde
Sinta que em mim estará seguro
Que em meus braços encontrará felicidade

quarta-feira, 21 de março de 2012

Se.

E se teu sorriso me fosse claro
Se tuas palavras me fossem abertas
Se eu me encontrasse entre seus lábios
Me sentindo quase completa

Se tua risada não parasse de ecoar
Permeando minha insólita mente
Se suas formas não me encantassem
Dessa maneira inconsequente

Se tua voz não marcasse
Cada canto da minha consciência
Se não me enchesse de desejo 
De acordar como sua menina

Se não fossem tão desmedidas
As minucias de minha essência
Se no meu amor descabido
Houvesse espaço para inocência

Se eu me sentisse como parte
Do grupo de almas que você habita
Se eu, de súbito, não me calasse
Por sentir-me em meio a eles coagida

Se com os olhos da alma você me olhasse
Se enxergasse minha maneira torta
Se não te constrangesse meu amor disforme
Pra tua alma eu abriria a porta


segunda-feira, 19 de março de 2012

A vontade.

  Eu assisti ao desejo encarnado, corrosivo, reprimido, tentando criar vida pelos atos, pelo mover dos lábios. Eu assisti passo à passo, de camarote, o levantar do império da vontade louca, insana, sem pé no chão. Eu vi flutuarem as letras, vi o sorrir distante que trocavam, vi o falso desprezo, vi o ímpeto do proibido. Quis fechar os olhos para fingir não perceber que aquilo que cruzava entre eles me fazia sentir o queimar de minhas veias, quis negar o sofrimento ocultando meus próprios sentidos, menti para minha mente negando tudo aquilo que eu enxergava, negando a vontade de que se concretizasse ali a fúria infinita desse maldito e perturbador sentimento, que rouba a fala de quem assiste, que rouba o ar de quem sente, que faz da vida uma imensidão de incoerências apontando sempre para a concretização sempre tão mal estabelecida desse tal de amor.
 Desgostosa com a singularidade da palavra amor, queria sentir outros fonemas, banhados daquilo de mais errôneo na insanidade humana, eu quis que aquele amor se concretizasse, mesmo que fora e muito além de mim, eu esperava por ele. Estávamos todos cansados da última festa, todos mergulhados no choque dos sentidos sóbrios, todos com os olhos inchados de ressaca moral. Naquele silêncio, todos nós sabíamos que eles se pertenciam, que não importava o gênero que se fazia presente ali naqueles dois corpos, a única coisa que me era sabida era que aquelas almas ansiavam uma pela outra com a necessidade de fome, com a necessidade de prazer. As almas transmitiam por si só todas as palavras que penetravam a pressão daquele ar em meio aquele silêncio sórdido. Nenhuma palavra foi dita com os lábios, não era necessário.
  Eu sentia, forte como uma chama, que aquilo que aqueles corpos procuravam estava disposto  ali, todo meu ser queria assistir o concretizar desse império de sentidos que se abstraiam em meio a força dos nossos olhares calados. Eu sofri por essas almas, sofri pelo latente ardor do impossível, sofri pelas celas invisíveis que prendiam essas almas tão distantes, mesmo que tão necessitadas uma da outra. Eu quis chorar por elas, quis amar por elas, quis beija-las, alimentar-me daquela imensidão inatingível que o magnetismo entre os dois corpos causavam dentro da sala.
  O estado daquelas quatro paredes já se havia se tornado insustentável para mim, e eu já não podia mais ficar calada assistindo aquele mórbido funeral dum amor que mal nascera, eu precisava sair. Eu abri a porta, cambaleando, sentei-me do lado de fora, enquanto as almas ainda nadavam caladas no limbo da vontade de concretizar aquilo que a razão nega, mas os olhos insistem em entregar.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Jogo do poeta.

Enquanto correm quentes
Pelas linhas mortas
Do papel frio
O ardor incessante
De cada minuciosa palavra
A alma sorri
Num alívio profundo
De poder desaguar suas mágoas
No infinito e complexo mundo
Onde permeiam todas as palavras
Onde se é válido cada segundo
Fazem firulas essas danadas
Remontam e ecoam no eterno
O sofrer do poeta moderno
Que na pieguice de soltar os verbos
Sente-se novamente vivo
Alimenta-se do ofuscado brilho
Dos versos que, penosos,
Trazem ao espírito um novo riso
De passo em passo
Se consolidando
Os sentimentos tomam forma
Pelas letras aqui brincando

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Mania corrosiva.

De excesso de linguagem, ele já não cabia dentro de si. A arte da demagogia que o infesta de humanidade, o fizera também vítima de si. Era culpado de toda desgraça que açoitava seu próprio mundo, porque de tanta palavra e de tanto sentido destorcido ele se afogou em meio às letras e perdeu-se num deserto pequeno em extensão e incomensurável em essência.
Eles estavam do lado de fora, dizendo o tempo todo daquilo que eram feitos, justificando o fim certeiro com símbolos fonéticos, juravam que falavam de espiritualidade, para ele já não havia mais sentido algum naquela imensidão de nada justificando a ausência de coerência da vida.
Não, ele não podia mais pensar em palavra. Elas o sufocavam, deixavam-no imerso em um oceano de verdades duvidosas.
Que haveria de ser a loucura, senão amontoados sem fim de palavras desconexas. Que haveria de ser a moral, senão palavras que modulam aquilo que há de mais instintivo e abstrato na natureza do homem... ele estava farto disso, e mais além.
A realidade condiz apenas com a brutalidade dos instintos, e então, ele tentou enxergar o mundo de maneira selvagem, mas não o pode, pois as palavras acorrentavam-no. As palavras medidas eram malditas, pouco atraentes. A overdose de sentido fez mais sentido que o universo em sua imensidão inexata, que tenta ser compreendida pela exatidão da falta de criatividade humana.
Ele estava ainda mais cansado do fardo das palavras belas. O que o atraia era o poder do desmedido. Ele estava farto, farto de tudo, da necessidade insana de porta ser porta e não sofá. Da loucura que o sol tinha em chamar-se sol, e não esparadrapo. Ele quis despir toda a linguagem de sentido, e despir-se das correntes do seu próprio nome.
Finalmente, então, ele soube que a quietude e toda a agonia da angústia profunda que açoita a humanidade não tem outra explicação, senão a incessante mania de querer dar nome para todo pequeno detalhe. A mania de linguagem condena a existência humana.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Já não é.

Era um casal que já sofria
Do desamor do bem amado
Que não supre o esperado
Que põe-se em pranto pelo que foi

Seus sapatos gastos
Brincam de esquecimento
Jogados no canto da sala
Assistem a todo tormento

Sorrisos alvoroçados se foram
Hoje dormem murchos no chão
Da promessa divina
Resta hoje a sina
Dessa falta de paixão

Tira essa calça, que a cor não me agrada
Larga desse sorriso pouco oprimido
Deixa aí esse lenço que não pertence a você
Solta o controle que eu to vendo a TV

Desencanto desolado
Triste fim do doce afago
Aquele sorriso não mais se vê
Fecha essa porta você

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A loucura de Jack.

  Meus apelos impulsivos por um sentido já haviam perdido a cota, minhas palavras eram vazias, e meus pensamentos buscavam em cada pequeno detalhe uma distração. Eu não era mais capaz de suportar minhas próprias vontades, não tinha mais em mim a capacidade de olhar meu reflexo e observar que todo aquele amontoado de coisas estava cheio do vazio, da podridão. Não havia mais sentido algum naquelas horas acordada, e o sono que me era dado desperdiçava-se em pesadelos intermináveis.
  E tudo aquilo que eu tinha comprado, guardado e preservado também não faziam de mim muito mais que um amontoado de coisas sujas, usadas e nada originais. Eu era uma parte mal colocada e pouco relevante de uma imensidão quase lúgubre. 
  Eu quis me apegar aos santos, aos nomes, aos papeis, quis todas as músicas e todas as roupas, quis os quadros e o sofá da sala, quis os móveis bem limpos, quis a pia organizada, quis os produtos separados, quis os filmes e toda criatividade. Cobicei o luxo de prêmios, cobicei os elogios, as palavras, cobicei estar livre de qualquer angústia. 
  A falta de resolução me amedrontou como quem foge da própria da própria morte, e era exatamente dela que eu quis fugir quando os anos ainda não me tinham sequer chegado. Quis adiar, e fazer tudo para que as horas se prolongassem, em vão. 
  Não. Nem que eu me formasse, nem que eu me casasse, nem que eu tivesse filhos, nem mesmo o contrário. Nem que eu me embriagasse, nem que eu chorasse, nem que eu tomasse meus remédios com precisão, tudo era vão, e vazio. Nem que eu me deitasse com o homem mais belo, nem que eu tivesse a noite mais prazerosa, nem que eu ganhasse todo o dinheiro, não me valeria de nada. Nem que eu mudasse de igreja, nem que eu sentisse uma alma, nem que eu ouvisse o sacerdote, nada pode me tirar do anestésico breu da minha mórbida realidade.
  E não foram as festas, as transas, não foram as cartas, as roupas, nem os produtos de beleza que me trouxeram até aqui. Aqui estou porque é por aqui que os restos ficam, as escórias, as sobras. Neste pedacinho de terra estão as cabeças que se super valorizam, e só veem o brilho naquilo que vem da fala.
  Da fala que resmunga voraz na minha mente a todo instante, veio a glória do chão, a glória do choro e dá raiva, a glória da consumação do grande nada no fim da vida, a glória da dor. Gloriosos momentos de quem cai, gloriosos momentos de quem se afoga, os gloriosos momentos de quem sente que não há nada que reverta esse quadro terminal, de já começar morrer quando se nasce. Estamos com os dias contados, cristãos ou pagãos, acabarão em restos daquilo que mais desprezam.
  Não sou os papéis, nem as letras na minha identidade, não sou as cores que eu vejo, não sou meu cabelo hidratado, não sou as músicas de alegria, não sou só felicidade, não sou só tristeza, não sou só esse amontoado louco de letras que de tão desesperados não mudam nada. Não sou o status, nem nada que compro, não sou feita de nada que não acabe. 
Eu sou a mesma matéria em decomposição como todo o resto. E nós somos todos uma parte da mesma podridão.