segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Tristeza das horas.

O que quis o tempo
Brincando com a gente
Nesse ritmo sonolento
Sem zelo aparente
Dando meias voltas
Fingindo ser o que seria
Obrigando dar as costas
Para a imensidão que anuncia
Faz crer numa resposta
Fúnebre e inerte
Numa mobilidade quase morta
Para os olhos de quem é gente
Desentendimentos da essência
Aparências controversas
Cada mínimo detalhe
Para o tempo é uma festa
Quem me dera mostrasse o rosto
Esse tal de tempo bobo
Quisera eu ter o gosto
De entender seu desenrolo
Esse herói de mentira
Que faz nada e ganha aplauso
O que me resta alucina
Aqueles que não compreendem a ilusão

De todas as ilusões
Qual é a mais verdadeira
Esse tempo meio morto
Ou o chão no pé
De brincadeira
Que o tempo fique fora
Da minha compreensão de menina
Que eu só o queira de volta
Quando a beleza estiver de partida
Porque a verdade do tempo
Vem me trazendo na mente umas rugas
E no coração um desalento

domingo, 13 de novembro de 2011

Domingo.

E se o positivo
Pode negativar a coisa toda
Por que então o comum inciso
Não levaria a outra coisa
E se o poder corrompe
É porque de positivo
Todo mundo teve uma dose
E se a vida some
É porque não há mais nenhum gozo
E o nada permanece aflito
Por ser o vácuo da existência
Que no ruinar de seu grito
Cria então toda essência
Porque o que libera
É o mesmo que tira
O estado de consciência
E o consciente alucina
Pela volta da inocência
E se parar a doença
O contrário, a revolução
Que abram-se os muitos
Defecando na televisão
Se o calar agora é moda
Fiquem todos quietos então
Idealização não morre
Sofre apenas coerção
E que a criatividade seja inibida
Pelo preço da produção
Que o comum não seja interpretado
E os rumos sejam dados então

De essência.

Só quem vai - pode e deve- entender esse amontoado solto de palavras é quem o lerá. Essas palavras que aqui vos falam já não pertencem mais à sua autora. Não são mais minhas, a linguagem que eu pretendia criou vida e agora pertence a ela mesma como uma verdade universal, para ela e ninguém mais. A minha verdade termina no desenhar de cada letra. Fica parada em mim, nas pontas dos dedos e nem sequer alcançam a caneta, manuseiam-na com intimidade profana, mas também a caneta meus dedos jamais entenderão.
Agora em relação às palavras, ao desenho no papel, cada uma das letras tem um curso dinâmico próprio e peculiar. Cada letra dança para si por entre as linhas e você jamais as entenderá por completo, pois também está cheio da essência própria que te faz verdadeiro em cada ideal mal preparado, em cada julgamento individual. Tua verdade é, para mim, indiscutível, mesmo que mutável, porque é sua e eu jamais irei captar com a integridade necessária para fazer da tua verdade a minha também.
Não capto a verdade das minhas próprias palavras, quiçá do objeto com o qual as escrevo e, portanto, jamais serei a verdade de outro ser humano. A pluralidade é infinita perante a pequenez humana, tanto quanto a falta de estabilidade presente em cada ação humana, e esta jamais será imparcial, quiçá justa perante ao infinito de interpretações que podem assumir a seu respeito.
Se é nula a minha capacidade de captar uma verdade absoluta para qualquer uma das coisas que consigo assimilar apenas com os sentidos, como poderia eu encarar uma verdade absoluta sobre essa estranha força que nenhum homem jamais pode descrever a essência? Tudo tende à essa mesma organização, a filosofia humana não é, e jamais será suficiente para entender os conceitos de tal organização que não pode ser descrita apenas em linguagem humana- essa força é apenas o refúgio de determinadas condutas morais para disseminar o sentimento de ordem dentro de uma sociedade.
Mas o que é realmente isso que sinto como o grande e inexplicável vazio, é também a grande resposta da eterna procura humana. Jamais meu vazio será sanado, assim como procura humana jamais será finalizada, pois tirará o sentido de humanidade da coisa e então não mais será a incógnita que transcende os sentidos e a capacidade racional humana - será racionalizado em demasia. Tal força incógnita só tem nome de força por não haver vocábulo mais próximo - nem força, nem qualquer outra palavra assumiria o significado correto disso - ela é a essência daquilo que nos torna crédulos de qualquer coisa criada pelo homem, pelo fato desta ser assimilada com maior facilidade pelas nossas mentes ainda tão pouco abertas.
A falta de explicações agonia os anseios humanos, que então deleitam-se racional e sensitivamente na clausura de determinadas ideologias para assumir a ideia de uma verdade absoluta e coletiva, torna-nos aquilo que somos e acreditamos.
Se essa força que exacerba qualquer hipótese dentro da nossa capacidade de compreensão nos fosse revelada, ainda sim iríamos analisa-la e compreende-la como uma verdade individual.
O que mais nos aproxima de fato com a existencia de tal força, e justamente a parte menos explicável do comportamento humano, é aquilo que não segue método científico ou conduta moral - se organiza em nós como a parte que faz todo o resto atuar de maneira simples, porque a humanidade nunca esteve preparada para a grandeza incerta de si mesma, e nem para a certeza de uma verdade absoluta que compreenda a peculiaridade de cada uma das essências humanas.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Monotonia.

E então eu fiquei cansada de todas as coisas que me rodeavam, de todo o ar que o tempo roubava de mim, fiquei cansada das noites sem sono e dos dias vazios, fiquei cansada da minha falta de fé e do vão instalado no meu peito. Cansei-me por inteiro, me afundei na profunda imensidão do cansaço e estagnei-me sozinha nessa áurea ofegante.
Minhas metas, meus ideais, todos já não tinham mais sentido algum. Não me importava com os dias e as horas. Os problemas do mundo eram ínfimos e eu não os enxergava mais, mesmo que tentasse, estava cansada de tentar achar a solução para aquilo que não pode ser resolvido, estava cansada do mundo e das pessoas, de seus milhares de problemas, de sua insatisfação eterna e ao mesmo tempo de seu conformismo, e suas alegrias medíocres. A felicidade alheia me incomodava, a alegria com aquilo que era tão pequeno era, para mim, digna de repúdio.
Todos os extremos me desagradavam, e tudo o que era raso me causava asco, aquilo que era moderado eu repudiava. Nada me agradava, tudo tinha o gosto amargo de não ser e não estar em lugar algum. Tudo era o cinza sem perspectiva que eu gostaria de nunca mais ter de encarar, mas encarava a cada manhã quanto a consciência de um novo dia se levantando vinha à tona.
Eu estava presa, sem a menor vontade de escapar do meu submundo interior. Meus mistérios periféricos surgiam a todo instante, meus pensamentos desvairavam-se perante a própria realidade. Meu corpo físico era a única projeção concreta que me fazia crer que eu ainda existia, e não fora completamente tomada pelo limbo que estendia-se diante dos meus olhos dia após dia.
E se o sofrimento se delineasse em alguma forma por mim já conhecida, essa forma teria olhos, teria cheiro, teria corpo, teria o toque mais doce que eu já senti. Meu delírio apático e insano tinha nome, e era cheio desse magnetismo estranho que me acorrentava à ele. Era meu, feito para mim. Meu delírio fazia graça, sorria escancarado, e me intimidava só de pronunciar-se. Meu delírio havia me deixado no desgosto da solidão sem ao menos ter me beijado, sem ter me tocado, me pulsado.
Meu delírio enfatizava-se em sua irrealização, e portanto tornava-se ainda mais enfadonho.

sábado, 22 de outubro de 2011

Para os meus amores.

Amor, é conveniente que seja falado sobre você. É interessante que os devaneios acerca de sua existência se discorram com tanta graça pelas inescrupulosas bocas humanas que falam de ti, todas como se o conhecessem em essência, coitados de nós.
Quero olhar para ti, amor, deleitar-me nas alegrias que propaga com seu cheiro, falar das flores e dos sorrisos, quero perder em você toda minha timidez, não quero me intimidar em sua grandeza, quero te olhar nos olhos, quero teu beijo, teu sorriso, a imagem de você dormindo no meu colo.
Se fosse simples assim sua existência, amor, jamais teria o amaldiçoado pelos séculos. Jamais levantaria em seu nome palavras de escarnio, jamais riria dos seus trajes, nem sequer duvidaria da sua veracidade, apenas o tomaria em meus braços e me afagaria em teu cheiro sublime dia e noite, como uma criança pura.
Mas tem que ser você, amor, o criador também das desilusões, tem que puxar de volta o gosto amargo de encontrar na verdade uma mentira, e de sentir-se indefinidamente vazio. Tem que se ausentar, esse amor maldito, tem que deixar crescer no peito a raiz de tudo que é ruim, tem que chorar e sofrer, tem que assistir desmoronar o castelo e manter-se calado, para que os mandatos do soberano amor sejam cumpridos, quer a mente queira ou não, quer o corpo queira ou não. Se o amor quer não é necessária que seja dita nenhuma palavra sequer: ele faz o estrago, assume a culpa, e continua a zombar.
Amor, não sei quem você é, não sei quão profunda pode se formar a incógnita em torno de ti, mas acredito que venhas a ser o filho bastardo da pureza com a insanidade, que numa noite qualquer embebedaram-se até que você fosse concebido. Tem cara daquilo que é bom, sorri com alegria para todos que o encontram, mal sabem o monstro que se levantará cada vez que seu veredito for exaltado.
Inocência é a nossa, de crer que algo atingiria tamanho grau de plenitude, de sorrir tão calmamente e alimentar a visita acomodada, que não diz quando vai ir embora, e nem avisou a hora de chegar. Alimentando-o vagarosamente ele cresce, por nossas próprias mãos, para cuspir de volta, com amargura, o oposto de tudo que recebera o que com tanta esmera criamos e vimos crescer.
Perversos, nos tornamos o reflexo daquilo que o amor tornou-se em nossa vida. Eu me esqueci, me esqueci da imagem do amor, me esqueci de como o amor toca, de como o amor beija, me esqueci do frio do amor, do sentido do amor, meu conceito de amor se desfez por completo, agora é nulo. O amor que criei com tanto cuidado, virou as costas e foi para o mundo, deixou que eu suportasse sozinha a falta que me fez, e exigiu que eu reaprendesse a viver novamente. Desidealizei o amor, é o filho que tive, neguei e amaldiçoei por diversas vezes, e agora aceito pacata, com a cara que ele se apresentar à minha porta. Mesmo que não volte mais. Mesmo que volte aos montes. Mesmo que volte diluído nas fraquezas mais humanas, o aceitarei de volta, o abracarei, e o deixarei ir quando quiser. Mesmo que me machuque no íntimo, mesmo que ele saiba do que fez e volte com essa cara vagabunda que assumiu diante a mim.
Depois de tantas desventuras com esse amor, descobri que ele não é nada, e é tudo. Amor só é amor quando a humanidade é deveras inapta para completa-lo. Amor é falta de integridade. O amor é um filho da puta.

sábado, 8 de outubro de 2011

Onomatopéia

Estala o tec
Escala o toc
Desmancha o tuc
Você tá com tic
Relógio tá com tac
Pega do começo e VRUMMM

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Devaneio de Solidão.

Depois da noite passada, acordei com esse vazio existencial. Me faltava existir através dele, ele não estava presente ali ao meu lado, como em tantas outras manhãs nas quais seu cabelo bagunçado era a primeira coisa com a qual eu me deparava. Ele foi embora, disse que sentia em mim FALTA, que em mim não havia apoio, e que minha conduta moral mal estabelecida causava nele repulsa.
Ávida, nascia em mim uma dor amedrontadora, magnificamente cruel. Senti-me atraída pela falta de pulso da morte, pois ali o que me pulsava era apenas o veneno da dor. Continuei na cama, imóvel, paralisada por esse inescrupuloso sentimento. Doía a minha respiração, doía cada pequeno movimento dos meus órgãos vitais.
Meu pensamento esvaiu-se por tempo indeterminado, e então voltou, sorrateiramente pelo canto do consciente, como quem saiu pra fazer festa enquanto me deixava à mercê da dor. O pensamento reapareceu desconexo, mal elaborado, devido à uma palavra associada à luz que veio a tona do inconsciente pra o consciente. Começou então, o pensamento, construir teias de tudo: de mim, dele, do quarto, do cheiro de cigarro no cinzeiro, de vertigem, de vento, de vácuo, de amor, de lástima.
Quis reconstruir, agora com a dor amenizada, a cena da noite anterior. Mesmo que eu conseguisse ver os gritos, ouvir as caras de desprezo, sentir o cheiro da textura da parede na qual me encolhi, e apalpar o cheiro interminável do cabelo dele, tudo me era passado em vultos. A única coisa que eu podia enxergar com clareza era a frase: "Você não é sincera." Sentei na cama, entorpecida pelo som daquelas palavras que ecoavam na minha mente, e então deixe-me tomar pelo vício da escrita, que me dá fuga nesses momentos.
Sinceridade. Creio que de todas as existências que por não existirem tomam forma num vocábulo uno e crú, sinceridade é a que se faz menos real. Apesar justamente de estar na posição contrária àquilo que, de certa forma "existe", tal vocábulo é enaltecido pela natureza dos homens, que atribuem à tal equívoco valor em demasia.  Por mais paradoxal que se façam minhas palavras, talvez, se utilizarem a estrutura mais lúdica que têm, consigam acompanhar com clareza tal desventura mental.
Poderia agora mesmo reformular tudo o que havia escrito neste último parágrafo e mutá-lo de maneira quase irreconhecível à partir do mesmo princípio, ou se eu quisesse, à partir de um sentido oposto.
Sou, de forma sucinta, uma massa maleável e extremamente moldável, não unicamente por adaptação social, mas também pelo conforto do ser.
Retrato-me em pequenos versos, risadas, desventuras, e, acima de tudo, não sou sincera porque não tenho onde embasar meu modo para julga-lo sincero ou não. Não estabeleço comparação de meu modo com nada, não de forma absoluta, e não o tempo todo. Não sigo uma ideia pela qual sou extremamente fiel, não sigo uma única pessoa durante um longo período de tempo, não consigo, adapto-me. Remoldo-me.
Conclui que minha capacidade de mudança é tão majestosa, que não concluo coisa alguma. Se não me fosse atribuído o dom da escrita haveria me esquecido até mesmo de quem sou eu nas fotos, ou nos espelhos. Se não me fossem atribuídas as fotos, de fato não me encontraria nos versos. Não paro em apenas uma parte de mim, sou todas as minhas partes distintas, em momentos distintos, e apesar disso, não sei distingui-las.
Apesar das lembranças dos rostos, dos versos, há em mim esse mau hábito de confundir o vivido. O vivido não é vívido. Não mais vívido que o sonho de duas noites atrás ou do conto que inventei semana passada.
Não tenho consistência nem mesmo nos fatos, nem mesmo nas letras. Os fatos ficam interessantíssimos se narrados, porém, apesar de pitoresco, o que me ocorre é que não há substância naquilo que narro, tudo o que conto já não é mais o que fora, e agora, ao conta-lo está sendo algo novamente, mas de maneira diferente. Quando lido, o conto não terá mais a mesma conotação, a própria palavra terá mudado, a distribuição de cada letra terá mudado, o texto deixará de ser o que me aparenta ser agora. Nem sequer o texto me é sincero, é tênue, não faz jus ao meu intuito, não escancara de fato o que me está preso: libera apenas uma pequena parte dessa minha substancia mutável e a deixa mudar através de cada mão pela qual sera sentido o fervor de minha mudança.
O sentimento que me aflige em relação aos seres que acreditam que há em mim sinceridade, não pode descrito com outro vocábulo senão - não, não há vocábulo. Todos os vocábulos são ínfimos, há em mim essa coisa estranha: não há nada.
Que um dia decifrem minha anormalidade psicológica da maneira que lhes for mais conveniente, que atribuam à mim adjetivos perversos, que digam que não há em mim um limite. Vos digo, o limite existe, mas não tem base para se guiar. É desconfiado, e portanto, se adapta e reformula-se de acordo com - sem acordo algum.
Meus limites desenham linhas na imensidão e permitem-me ser tudo: apaixonada, bondosa, má, cética, racional em demasia, permitem-me ser vil, correta, fora da lei, justa. Me permitem encantar e ser encantada, sentir desdém e enjoo, sentir amor. Abrem-me as portas para os impulsos mais insanos da humanidade, expandem-se, fazem com que eu goste do sujo e do mal feito e o odeie logo em seguida. Faço-me então uma construção histórica, social, psicológica e individual - desconstruo todas as construções que eu deveria ser, e finalmente: NÃO SOU.
Não me sinto nas multidões, e quem eu vejo no espelho sempre teve um nome diferente do meu. Já me denominaram de tudo, e eu atendi à todos os nomes.
Já quis me descobrir, dizer quem sou, achar minhas formas, definir meu molde. Quis acima de tudo ver sentido para o que em mim se construía, nos meus amores, nas minhas ilusões. Quis culpar tudo, e à mim mesma, e talvez um dia, eu queira tudo isso de novo. Eu fixo é supervalorizado, prezo é pela celebração do eu mutável.
Nisso tudo encontro-me diante de um grande paradoxo em relação às palavras, o mesmo paradoxo que construí em relação à Deus, porém ao contrário. Você não consegue imaginar Deus, mas imagina as palavras que o compõe. Você imagina cada palavra composta, mas não consegue dimensionar nelas o que de fato sente - e é aí que nasce a incerteza e a inexatidão fascinante do homem. Ambos conceitos são dualísticos, porque são nossos, nós que mudamos tanto quanto qualquer pequena dimensão desse universo.
Haverão interpretações das mais bem argumentadas em cima de meu discurso, contrárias ou favoráveis, que por mais belas que se façam discorrer em seus argumentos, se coibirão ao encontrar o fato do argumento ser palavra, e de palavra ser tentativa de impor limite, e de limite algum ser verdade, esta não existe. Existem esboços de limites, mas verdade seria audacioso demais. A verdade não está nem sequer fragmentada. E que não confiem também que estas palavras dispõe de sinceridade, tudo é cíclico em volta da não existência real de nada - ou da existência transbordante de tudo.
Se um dia me perguntarem se não me atormenta essa falta de sentido, a resposta será incerta como têm sido cada dia um dos meus dias, ou tão previsível quanto qualquer um dos meus atos para preservação da aparência social. A resposta será tão certa quanto o movimento do relógio e a imagem produzida pela palavra barco, e o som produzido pela palavra chuva, e o cheiro produzido pela palavra orégano, e o limite imaginário imposto por cada um desses vocábulos. Será tão certa minha resposta que nem eu mesma lhe atribuiria mal julgamento; a julgaria por um momento e, quando tomada novamente por um devaneio, destes que me tomam quando pego o papel e a caneta, atribuiria a tal resposta sentido algum.
Quero muito mais que números, quero mais que nomes, quero além de ideias, quero pessoas. Pessoas pelas quais meu desconforto tome jeito, se alinhe e torne-se suportável - pessoas que deixem forte minha mais vil fraqueza. Pessoas pelas quais tudo tenha mudança, pessoas que errem, e que também causem em mim repulsa pelos seus acertos, e gosto pelas derrotas.
Mesmo no social, não sou una. Multiplico-me e diminuo minha capacidade intelectual pelo simples gosto da fuga do meu eu. A disfunção que o social causa em mim é bela, encontro na mudança limiar do outro indivíduo os limites das minhas próprias mudanças, como numa troca perfeita, por ser humana e tomada de imperfeições.
Sinto agora dele a falta. Falta de ter em quem depositar o que sinto, encontrar o conforto na falta de pensamento, no cheiro dele, e só isso, nada mais. Sinto falta dele, pois ele não deixa meu eu sozinho, gosto do eu que montei junto dele, gosto das mentiras que pra ele inventei, gosto das mentiras que com ele construí, gosto da parte dele que se aconchega em mim de noite, e gosto da parte dele que se faz comigo, por mais que outras partes dele se montem por aí. A falta de amor é complexa, é a falta dos erros, desacertos, de cada maldade cometida de um para o outro, e do magnetismo trocado mesmo assim, a falta do amor é falta de ter em quem construir a base para que suas fraquezas tomem forma. A falta dele pra mim, tem cheiro de solidão, que tem cheiro de morte, que é pior do que o cheiro de sofrer com ele ao lado. Sofrer com ele ao lado tem cheiro de cabelo, de papel novo, de amor - e de tudo que para os vocábulos é intransponível.

sábado, 10 de setembro de 2011

Canção da Falta.

Aqui nessa terra
Vasta e de palmeiras
Onde cantam os deputados
Faltam bocas que gorjeiem
Pelo poder que nos é tirado
Faltam olhos que indignem
Essa falta de escrúpulos
Faltam mãos que assassinem
Esse espírito corrupto
Falta paz, mas falta mais
Falta verso, falta veto
Falta uma concepção nova
E um sujeito capaz
Falta sentido
Falta abrigo
Esbanja exclusão
Que corre e envenena
Oprimindo cada cidadão
Falta liberdade, criatividade
Falta mesmo é expressão
Sobra no peito do povo a vontade
De aqui estagnar-se
E responder: tá bom, tá bom...
Falta guerra de vontade
Falta revolução de pensamento
Falta anseio pela realidade
Encarar novos conceitos
Falta luta, faltam mãos
Falta dignidade, aqui trocada
Por um pratinho de arroz e feijão

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Equívoco.

De onde vem o sentido
Do sentimento configurado
Achas mesmo que há um trilho
Para encontrar o bem amado
Achas que amor é escrito
Definido conforme as regras
Que alegria tem motivo
Que há receita só pra ela
Desalinhe a linhagem
Ache o rico no vagabundo
Ache as belezas do mundo
Que é teu
Só teu
Pleno, teu
Refaz tua cabeça
Reencontra a beleza
Reencontra os valores
Reencontra os desamores
Recrie o conceito
Desatine o direito
Remonte de outro jeito
Viva do que te agradar
Acha-se sem procurar
Torture o torturar
Não pene o viver
Só o faça se quiser fazer

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vai-te.

Cala tua boca
Que não quero mais ouvir teus verbos soltos
Que já me cansei de tua voz rouca
Que já me desprendi de tua roupa
Então cala essa boca
E me deixa dormir
Teus suplícios loucos
De tão inevitáveis tornaram-se ocos
De tão insuportáveis rolaram soltos
Da porta pra fora do meu coração
Nem teu sorriso me agrada
Não me agrada tuas mãos quando me afaga
Não me agrada teu cabelo desgranhado
Não me agrada teu jeito desleixado
Vai em bora de uma vez
E faz eu parar de mentir em demasiado

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Brincadeira.

Hoje eu decidi brincar. Decidi brincar do medo de que a idade me assombre com seus dias sórdidos que me aproximam mais e mais do derradeiro fim, certeiro e incontornável, esse final que amedronta até o mais corajoso, que monta valores para que haja em mim uma vontade repleta de que o final não chegue. Tomara que não chegue, que não chegue nunca, afasto agora.
Afasto de mim as marcas que são tão reais, tão reais e tão más que se mostram mais verdadeiras que a minha própria mente, que os meus sentidos. As marcas não obedecem o que eu peço, elas só crescem, crescem.
Saibam que esses dias fui no médico, e meus ossos pararam. Cessaram sua formação e agora só tendem a aproximar o ínfimo de mim. Chegaram naquele pico altíssimo da montanha russa e agora vão descer, formidavelmente, através dos anos que por mim vão passar e açoitar com pressa, sem me dar nem sequer a chance de gritar por um alento, de tentar achar socorro no verbo, no poema.
O verso é amigo, ele fica quando tudo se vai. Queria eu que quem envelhecesse fosse o verso, que o verso ficasse feio, ficasse gordo, ficasse pequeno pra sempre. Queria eu que o verso me desse sua juventude nata e eterna para que os anos não mais me obrigassem a ter que olhar de perto toda essa maldade que eles têm em si. Os anos são maus, o tempo é mau, o espaço é mau.
No final das contas, tenho mesmo é raiva. Me adoeço por raiva, por essa raiva insana que desenvolvi. Tenho raiva da minha consciência, não a queria, estaria muito grata se me fosse dado no lugar dela dentes, ferrões, garras, asas, qualquer coisa que deixasse menos maçante a sobrevivência. Que servisse unicamente para a sobrevivência, para a subsistência, porque existir me exige demais.
Reclamo mesmo, tenho que reclamar, porque vida que não é reclamada tem essa conotação meio distorcida de quem só segue e não tem medo. Eu tenho medo, e muito. Mas meu medo é diferente, ele não me prende, não me acorrenta, cria raízes sim, mas elas são fixadas em outro lugar na mente. No mapeamento do meu cérebro talvez exista essa parte de medo, que sem perceber foi apossada pela parte que cria. Meu medo é medo grande, moço, mas é medo criado, então sabe se comportar. Não é birrento, não se comporta feito bebê, foi agarrado por essa parte minha que gosta de dar vida às coisas que eu sinto, e deu vida à ele também, que hoje se comporta de maneira sutil. Apesar de sutil o bicho é grande.
Queria eu entender de biologia, de mapeamento cerebral. Queria eu dar veracidade empírica pros meus devaneios, queria eu que eles fossem experimentados por todos, sentidos por todos, e apreciados ou depreciados então pelo que são, não pelo que parecem.
Resta agora é o julgamento, o julgamento do meu eu e dos meus medos tão evidentes que fazem desse amontoado embaralhado de palavras, a estrutura de mim. Quem vê de fora não entende não, eu entendo que não entendam, nem peço que façam isso. Não quero isso não. Pode ficar sem entender, se entender é perigoso amedrontar também e não conseguir criar o medo com arte. Pode ficar com religião, pode ficar com as verdades, pode ficar com a música, pode ficar com a dança de tentar escapar do que não se escapa ninguém. Pode viver pelo medo que se esconde nessa capa fria que você mesmo inventou, não julgo não, porque a minha capa é essa brincadeira aqui.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Falso forte.

Invariável teu comportamento peculiar
Sem modéstia falsa, sem oscilação
Sempre tão límpido teu rastro
Tão magnífico e casto
Não te fazem jus ao coração

Você perdeu-se nas entrelinhas
Desaguou no mar aberto
De sentimento incerto
Ao qual tentou não reagir

Tua cabeça sempre erguida
Forjou essa força inibida
Que tomou tua mente sã
Pegou-te de súbito
Mostrou-se leito pro vão

Teu sorriso constante
De quem finge não sentir
Tomou lugar em teu pranto distante
Naquilo que só na solidão sentiu

sábado, 20 de agosto de 2011

Afetos.

No descartável
No descartável que encontro
Encontro o cartesiano
Cartesiano desconfiado
Desconfiado de existência
Com medo da existência
Que segue o medo da desistência
Do sentido vivo
Que não se apega
Vive cheio de vazio
Pelo medo da dor
Que faz desapegar
Sem nem ter apegado
Que não sente
E tem infimidade
Que não quer ser afetado
Que não experimenta
Não vive a experiência
Não existencia o existente
Por medo de não existir mais
Quer o rápido
O efêmero
O fugaz
Para adiar a angústia
Dum futuro incapaz
Não, não sente
Nem sequer por um segundo
Mas é claro
Claro que mente
Mente vil para si
Negando a experiência
Dando lugar único à razão
Razão cheia de liberdade
Liberdade idealizada
Pelos povos passados
Que sonhavam alto
Com a fraternidade
Que idealizavam
Com a igualdade
E acima de tudo brincavam
Com a liberdade
Liberdade sem limites
Que faz da sanidade
Um refúgio contraído
Ou perde-se no nada
Na expansão sem abrigo
Foge louco da perca
Foge louco da dor
Foge louco da raiva
Foge louco da insanidade
Foge louco do temor
Foge de si
Tenta não encontrar-se
Foge do outro
Para de si distanciar-se
Para dos erros vedar-se
Para das falhas anular-se
Para que o jovem lhe seja eterno
Pulando as fases
Ocultando as pequenas mortes
Fingindo que a realidade
Consiste nesse vazio
Mesmo que a si mesmo
Ele já não mais suporte


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Desencorpada.

Meu corpo
Nessa amarga sintonia
Cresce pela vazão
É disforme, e se expande
Expande-se com o medo
O medo da opressão
Tem medo de ser reprimido
Tem medo de calar

Esse meu corpo incerto
Que dança
No escuro
No vazio
Na força que tem o nada

Ele molda-se pelas metades
E recria-se
Num impulso
Num surto
E desmorona novamente

Meu corpo sente é falta
Sente é falta de alegria
Sente-se é um perdido
Mal aventurado
Desconectado do resto
Desconectado de si
Não se reconhece
Não amadurece
Vira pro espelho
Fica de joelhos
E tenta ser feliz

Mas o coitado
Tem problema
Problema
PROBLEMA
Problema de frustração
Problema de dor
Dói as articulações
Dói o coração
Bate descompassado
Fora do corpo
Fora do lugar
Bate no lugar da mente
Fala mentiras
Trai muita gente
Inventa novos compassos
Para o que era de costume
Reinventa-se um pedaço
De podridão e azedume

Minhas falas
As do meu corpo
São inverossímeis
Não expressam
Nem pela metade
Aquilo que eu apelo

Abuso é das mãos
As mãos são minhas aliadas
Calam a falta
Calam a saudade
Deixam-me alinhada
Alinham o pensamento
Constroem felizes
Aquilo que faria de mim
Uma coitada
Amargurada
Sem o dom que expressa
Sem o dom da palavra

sábado, 13 de agosto de 2011

Criação

Crio quimeras
Doces e azuis
Cheias de nada
Vazias de luz
Crio utopias
Inimagináveis
Infernais
Sufocantes
Arrogantes
Para mim
E ninguém mais
Ajeito meu compasso
No ritmo que eu quiser
Faço-te meu
Pelo prazer de ser mulher
Faço-me minha
Pela noite que desatina
Faço-te minha
Pois meu corpo a quer
Faço daquilo que posso
Daquilo que não
Daquilo que deixo
Um recomeço
Para outra negação
Moldo-me por fora
Por modelos reinventados
Pelo gosto que tenho achado
Em minhas disfunções
Renovo
Recrio
Reavivo em ti
As antigas loucuras
Que agora com ternura
Vê em outras dimensões

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Amor errado.

Descobri que o amor
Não tem mais o jeito
Pra calar a minha dor
E o pranto do meu peito
Porque para mim
Ele já não é mais feito
Ele se delineou incorreto
Pelas bocas estranhas
Que apesar de julgar a mim
Não são assim tão santas
Meu amor é um coitado
Jogado às moscas
Um desprezado
Vive da inocência
E da falta de linha
É torto como eu
Cheio de falhas
De vãos confusos
De falta de ideal
Ama qualquer um
E todos de uma vez
Meu amor não se fixa
Anda doido
Ama louco
Fala e depois analisa
Desama o amado
Pra amar outro qualquer
Ama amontoados
E não escolhe o sexo sequer
Meu amor anda pirado
Vai de loucura
Vai desvairado
Nem quer cura
Nem quer ser sarado
Quer continuar no seu modo
Meio descompassado

sábado, 30 de julho de 2011

Sábado.

Não vá assim tão calado
Olha-me nos olhos
E então diga-me o que tens
Se queres amor será amado
Pois a ti tenho afeto em demasiado, meu bem

Não fala-me de ciúme
Não me olhes com esses olhos
Lembre-se que já é de teu modo
Falar-me daquilo que desprezo

Não faça-se de vítima
Pois tu sabes que te quero bem
Eu tenho em mim essa loucura
De ser sua ou ser de ninguém

Digo-te agora para que sente-se comigo
Dá-me teu braço
Faz-me rir com teu sorriso
Deixa eu brincar com seus dedos
Sabes o quanto de ti eu preciso

Cale essas vozes malditas
Que te afastam de mim
Fecha a porta do nosso quarto
Deite-se comigo e deixa tudo assim

Pois amanhã ainda está distante
E somos jovens demais
Coloque nossa foto em sua estante
E viva comigo até o amor se findar

sábado, 23 de julho de 2011

Natureza.

Fixou o olhar no horizonte, e seus pensamentos reagiram instantaneamente ao estimulo natural, que mesmo que primitivo tinha a força do mais avançado dos recursos científicos. Imaginando um outro mundo, de formas mais amenas, de pensamento menos hostil, banhado numa dor menos profana, numa crueldade menos cruel. Imaginando o pensamentos das árvores, o caminho incerto que elas seguiam sendo apenas o que eram sem preocupação alguma, nem sequer com o entardecer.
Queria libertar-se das amarras e ser parte única e integrada do horizonte que se estendia, queria amor, queria negar ao pensamento, negar a humanidade, negar o que era em todos seus sentidos, em todas suas formas, em toda sua mente. Queria remoldar a humanidade em formas menos dolorosas.
Desistiu de sua utopia, recriou a realidade. Olhou nos olhos humanos em toda a parte e sorriu pela crueldade que se deitava sob seu rosto, sorriu diante do fascínio que lhe era mostrado, pelas peripécias humanas cheias de humanidade, pelos erros certos e pelos acertos errados.
Estruturou de novo sua mente, pela falta de compaixão, pela morte dos inocentes, pela dor e pela lágrima. Sorriu pelo fracasso, sorriu pelos erros, sorriu pelo mal e pelo apelo não ouvido dos oprimidos.
Através do sonho de mudança inalcançável, pelas quimeras políticas e religiosas, pela valorização daquilo que se reprime, pela desanimalização do que é homem, criou uma nova tragédia, gloriosa em seus erros, cheia de falta, cheia de nada, lotada pelo declínio do pensamento, lotada pelo declínio dos valores, reformulados sob uma nova perspectiva, sem o bem, sem o mal, sem o ruim, sem o bom, com o humano, apenas humano em demasia, humano cego e defeituoso, imperfeito e fracassado.
Deitou-se sob o que lhe foi criado dentro da mente e sorriu. Chorou pelo gosto, afagou o chão, afagou o nada, e fixou-se novamente no horizonte, cheio de dúvidas, cheio de falta, de indagações. Olhou para o infinito azul, avisando o mundo de que nada ali havia, além de um infinito secreto de reações naturais, de coincidências felizes e de surpresas fadadas a um novo recomeço. Sorriu para o céu, feliz pela ausência de vida que ali se fazia existir.
Dormiu sob o céu morto, sob o desgosto, sob o que o homem sabe fazer de melhor. Dormiu sob as guerras, sob a moral, sob a honra, sob os defeitos que Deus criou. Dormiu sob o mal, sob a desavença, sob o bem, sob os sorrisos. Dormiu ínfimo. Acordou impuro e tomou de novo o gosto pelo que é vil e humano, pelo que é natural e bom e pelo que ele havia se tornado pela desventura de ser.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Incerto Saber .

Incerteza voraz
Morde o tempo, morre lento
Sem discrição
Torna-se incapaz
De sorrir em plenitude
De banhar-se nos açudes
De infinito ser
Insônia mórbida
Trapaceira insana
Incerto destino
Que te leva pra cama
Fazendo-te um filho
Filho de quem?
Quem está no trilho?
Quem é de ninguém?
Abençoada a dúvida
Do sorriso acanhado
Do verão gelado
Da água sem rio
Onde busca um porto?
Onde busca um porto?
Teu corpo, quase morto
Torna-se menos vil
De que vale aquilo
Que aprecias sem saber
Essas notas em descompasso
Tornam-se a fuga
De quem não quer se esconder
Mostra o teu rosto
Tua face, teu gosto
Mostra o calibre manhoso
Que embutira em teu ser

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Bloqueio mental e poemas.

Devido à algum motivo que ainda desconheço, estou sofrendo de um enorme bloqueio mental. Não me sinto criativa, ou produtiva, as coisas não saem como deveriam sair e tudo trava antes de ser passado para o papel. De fato, estou tendo alguma espécie de crise existencial na minha escrita, e em partes, na minha vida pessoal também, uma coisa deve afetar a outra e tudo se torna uma bola de neve.
Nada está bem, tanto para mim, quanto para o mundo criativo onde eu costumo voar para criar aquilo que para mim não se concretiza na realidade. Minha escrita é uma forma de esteio, ponto de fuga, válvula de escape. É nela que eu vejo refletido aquilo tudo que eu gostaria de saber expressar, mas não posso.
Sempre gostei de escrever, e talvez esses últimos dias só estejam me servindo para dar uma pausa e uma realinhada nos pensamentos. Sei que enquanto eu for capaz eu vou voltar para minha terra fantástica onde eu sou o que quero, reclamo do que quero, faço o que quero, e muitas vezes, ninguém fica sabendo. É tudo uma questão de publicar ou não aquilo que escrevi.
Para compensar a falta de conteúdo atraente por aqui, eu resolvi fazer algo que já pensava fazer há algum tempo atrás: resolvi postar uns poemas. É, minha escrita tradicional é em prosa, e eu realmente tenho muito mais facilidade para me expressar dessa maneira, versos são um enigma para mim. Agradeço ao Modernismo que tirou as rédeas e deixou a escrita livre, como tinha que ser. Mesmo assim acho meus poemas pouco atraentes, meio frustrantes, na realidade. Acontece, que apesar de todo meu desgosto pela minha obra em versos, eu costumo escreve-los em momentos vazios.
Eu mantenho um apanhado de poemas que eu mesma escrevi desde quando eu nem lembro. Devia ter no máximo 11 anos quando escrevi o primeiro. De tempos em tempos, pego tudo, passo a limpo, e nunca deixo ninguém ver. Selecionei os melhores nessa minha própria coleção e vou publica-los conforme me for possível.   A partir de agora não vai ficar com vocês só aquilo que me passou de recente na cabeça, mas sim uma porção de pedaços de mim de tempos anteriores.
Existe infantilidade em algumas partes, romantismo demasiado em outras, porém, todavia, é visível que eu escrevi tudo, devido ao uso de algumas palavras que eu sempre tive apresso, a maneira de conjugar os tempos nos verbos, e outras coisas mais.
É isso. :)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Me intriga a maneira que os pensamentos tendem a se construir de maneira esplêndida em nossa mente nas horas menos apropriadas. Durante o banho, o café, o almoço, o jantar, antes de dormir. Eles vêm e formam redes absurdamente maravilhosas em nossas cebeças, depois espatifam-se como um cristal e nunca mais voltam a ter a forma que tinham nesses momentos inapropriados.

domingo, 26 de junho de 2011

Beirava a insanidade a mente daquele homem. Ele lutava e reprimia seus anseios de obscuridade com a mesma força em que eles tomavam-lhe a paz. Há duas noites seu sono inquietava-se de maneira hostil. Não conseguira pregar os olhos, fora tomado pela vileza da insônia e de seus próprios inquietantes pensamentos. Tudo lhe era tão cinza que nem conseguia mais distinguir o que havia passado, o que passava e aquilo que ainda estava por vir. O homem estava relutante com seus conceitos, com suas ideias, com sua moral. Ele ocultava a todo custo aquilo que vinha à noite tomar-lhe o sono, porém suas forças eram pequenas comparadas ao tamanho do monstro que se fizera diante de si mesmo.
Ele sentia-se só, inquieto e só. Precisava de um par, como precisava de um par. Não exigia nada da vida, senão um par, para que compartilhasse com o mesmo tanto os temores quanto os prazeres. Não lhe importava a cor dos olhos do par. Tudo que ele queria era um par para compartilhar, usufruir, crescer, evoluir. Mas encontrava-se só, embriagado pela sobriedade de seus pensamentos, tomado pela fúria e a aspereza daquilo que ele mesmo procurava. Ele precisava integrar-se com si, mas precisava também de alguém para dividir.
Tomado por um suntuoso sentimento de fúria contra si próprio, ele deixou-se chorar. Dançou com suas lágrimas que desenrolavam-se graciosamente por sua face, ele não podia aguentar, mas aguentava com o  que sobrara de suas forças. A sua vida estava correndo num rumo além de suas expectativas, sua vontade era de perder-se em meio a si, ou em meio à outro alguém. Tinha vontade de tomar para si as dores do mundo, mas não era capaz de aliviar nem mesmo sua própria dor. Ansiava com todas suas forças por aquilo que tornara-se inatingível. Nunca estivera tão vulnerável, nunca estivera tão instável, tão volátil. Nunca sentira-se tão vazio em meio à tantos acontecimentos. Sentia-se inebriado por sua própria falta de essência, sentia-se entregue àquilo que julgava mais pejorativo. Sentia-se só.
Imerso nesse desconforto, partiu para um universo paralelo, único e seu. Onde confortavelmente repousava sob um manto repleto de si, daquilo que lhe fazia completo ao seu modo, de seus pensamentos secretos, de seus anseios ocultos. Permaneceu ali por certo tempo. Afastou-se da insônia e adormeceu sem esperar que o dia viesse de novo à nascer.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Explicações e Educação Pública.

Para todos aqueles que leram meu blog até hoje, meu muito obrigada sincero. Obrigada pelas quase duas mil visualizações, eu nunca imaginei que tanta coisa minha pudesse ser lida. Obrigada a todos meus amigos que me incentivaram a não deixar de escrever, que elogiaram minha escrita e me ajudaram a compor minhas idéias. Um muito obrigada gigantesco para todos vocês, antes de qualquer coisa.
Estive sumida novamente por mais de um mês, e por isso meu post de hoje é novamente extraordinário. Eu devo algumas explicações àqueles que costumavam ler essa budega louca aqui com frequência.
A princípio, durante a primeira semana, deixei de postar por preguiça mesmo, haha. Logo em seguida eu entrei numa crise existencial tamanha que me fez desistir de postar aquilo que eu escrevia, eu queria guardar tudo para mim. Essa fase veio recheada de filmes e eu fiquei tão inspirada com as histórias contínuas que resolvi que deveria criar uma também, e é justamente aí que entra em cena meu "livro". Eu ainda estou o desenvolvendo, porém agora me sinto mais livre para continuar com os posts habituais sem que o crescimento dele esteja ameaçado. Meu "livro" ainda não tem título, poucos dias atrás a protagonista ainda era uma incógnita repleta até para mim, de alguns dias para cá que ela tem resolvido mostrar verdadeiramente sua face. Meus personagens criam vida própria, nem eu os desvendo na maior parte do tempo. A escrita é tímida, simples, e a história pouco complexa, de conotação quase romântica.
Enfim, há duas semanas eu não tenho tido mais muito tempo, nem sequer para meu livro, que dirá para o blog (não sei estabelecer um nível de comparação entre o livro e o blog, mas como fiquei por dias imersa na minha própria história resolvi priorizar o livro, mas só nesta efêmera frase). O motivo dessa minha falta de tempo tão grave é tão problemático quanto noventa por cento da minha vida tem sido desde o começo do ano.
Vou retomar a parte de um texto meu anterior onde justifiquei minha ausência justamente pelo fato de eu ter mudado de cidade. Bem, eu mudei novamente, acabei voltando para onde eu tinha saído devido à problemas com a educação brasileira.
Falar de educação brasileira sem citar o termo "problema" na frase seria uma falha. Não culpo nem as instituições, nem os profissionais, culpo o governo e a passividade que nós ainda temos em relação ao que acontece nesse país. O motivo de eu ter de mudar é o seguinte: eu estou concluindo o ensino médio esse ano, prestarei vestibular em instituição pública, pretendo passar devido ao esforço que tenho feito nos últimos anos para tentar complementar o meu conhecimento, e faltando seis meses para o final do ano, a minha escola em SC entra em greve. Minha reação não foi nenhum pouco contrária à atitude dos professores, na realidade, fiquei orgulhosa desse ato de protesto ter ocorrido, apesar de todos os prejuízos aos alunos (que com ou sem greve estão se formando sem o conhecimento necessário). Estamos acostumados a vendar nossos olhos para esse problema corriqueiro, mas o profissional que mais esteve presente nas nossas vidas, o professor, é visto no Brasil como um trabalhador de pouco valor, que deve e é tratado como a escória profissional. Sem nem notar cedemos à esse tratamento injusto.
O governo de Santa Catarina, e com certeza muitos outros governos espalhados por esse Brasilzão afora, recusa-se a pagar o piso salarial do professor público (que já não é grande coisa, cá para nós). Os governantes tem a pachorra de pagar a multa por estar trabalhando na ilegalidade, de acordo com a constituição federal, ao invés de reajustar o salário desses profissionais. Tudo ainda seria mais aceitável se a saúde catarinense fosse um exemplo à nível global, se o saneamento básico trabalhasse de acordo para manter a integridade dos cidadãos, se a segurança catarinense fosse responsável... porém, nada disso ocorre, então a verba que chega vai para onde? Os impostos absurdos arrecadados estão indo pra levantar fogueira de São João? Ou estariam eles nos papéis higiênicos caríssimos em que os governantes se limpam? Será que eles estão nas cuecas, nas meias, nas mansões, nos carros importados, na negligência, na mediocridade, na hipocrisia e na incompetência desses caras que nós colocamos lá em cima para defender nossos direitos e manter nosso bem estar?
Falando numa conotação mais pesada, o suado dinheiro do trabalhador brasileiro volta para o caixa (dois, de preferência) e, inocentemente, se é esperado o mínimo dos que estão ali para administrar esses recursos que vêm daqueles que eles mesmos alienam, que eles mesmos discriminam, que eles mesmos colocam abaixo dos padrões, e ao invés de tomar o caminho correto a verba toda vai para limpar a bunda daqueles que estão recebendo para nos representar políticamente.
É revoltante o tamanho descaso que o Brasil toma em relação à educação. Os cursos de licenciatura são vistos com maus olhos, aquele que quer tornar-se professor é visto como "quem não tem o que fazer", toda forma de conhecimento é vista como chata e inútil, a alienação cultural mostra-se presente em crianças cada vez mais jovens, a efetivação do descaso pelos estudos é fator cotidiano na vida em sociedade no Brasil.
O ciclo é vicioso, aqueles que tem desgosto pelo conhecimento e são jovens hoje, amanhã serão os futuros profissionais, os futuros médicos, engenheiros, e até mesmo educadores. A base escolar não ensina o necessário para os estudantes que saem muitas vezes do ensino médio como analfabetos funcionais.
O professor se vê estressado, perde a fé nos seus próprios métodos de ensino, perde a fé nos seus alunos, que rebaixam a existencia de tal profissional em casos de desrespeito cada vez mais graves. Alunos entediados, professores frustrados, salários minúsculos, essa é a realidade da educação brasileira, desse país que se diz de todos mas não abre as portas do conhecimento. Tentam achar a solução abrindo mais vagas em faculdades, facilitando a conclusão do ensino médio, e acabam por rebaixar ainda mais o nível daquilo que já está ruim. Com todas essas facilidades, a última coisa a ser feita é tomar gosto pelo conhecimento. Enfiam goela abaixo métodos de ensino que não se efetivam, não cobram o conhecimento, cobram a nota. Não cobram o saber, não cobram a qualidade, cobram as cabecinhas passando de ano e a quantidade, para lá fora mostrar que o Brasil "está crescendo e se desenvolvendo" enquanto na prática um aluno de escola pública jamais conseguiria concorrer frente a frente com um aluno de escola particular num vestibular concorrido devido à diferenciação do ensino prestado em tais instituições.
A disparidade é ferrenha.
Enquanto o Brasil segue orgulhoso fora dos seus próprios trilhos, eu decidi voltar para o Paraná para não perder o ano e poder me formar profissionalmente com todos que sairão do ensino médio comigo. Não que a educação paranaense seja grande coisa... A luta em SC continua feia entre o sindicato dos professores e o governo, que só cede tirando benefícios daqueles que já estão há anos no mercado de trabalho aguentando a estressante vida de professor a troco de um salário absurdamente baixo.
O que fica no ar é a minha dúvida sobre o futuro, me pergunto se daqui há alguns anos todos não estejam saindo por ai auto didatas devido ao sacrifício que se exige na vida de um educador. Me pergunto se, ao invés de auto didatas não irão sair por ai pessoas que não saibam fazer muito mais do que rebolar e vender o próprio corpo em capa de revista para sobreviver, pessoas vazias e efêmeras. A intensão dos professores, em grande parte é boa, mas há algo para ser feito, além de protestar, quando o amparo governamental é tão baixo? E alguns governantes ainda conseguem ter a cara de pau de dizer que o professor reclama de barriga cheia...
Estou preocupada com as cabeças sem senso crítico, estou preocupada com essas rédeas no pensamento individual, com o que é transmitido para a grande massa na televisão, com o que é promovido como bom e prazeroso. Estou preocupada com os que ainda estão por vir e com a essência humana de uma forma geral. Tenho medo de que todos a percam por ai, enquanto ligam a TV...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Mutáveis e arrogantes.

Eu poderia ousar dizer que sei das coisas, mas não o faço, pois não o sei. Eu poderia usar daquilo que já tenho conhecimento para concluir sobre todas as peculiaridades que a vida trás consigo, mas não o faço, porque não tenho conhecimento algum.
Me amargura o peito essa imagem voluptuosa que alguns seres humanos fazem ao concluir suas vidas em momentos ainda pouco conclusivos, essa mania de criar desfechos precipitados para a natureza humana, que tem por característica pura o dom de ser mutável. Assumir-se  tudo em meio ao nada é muito menos glorificante que assumir-se nada em meio ao tudo. Infelizmente, tendemos à essa grosseira mania de sermos petulantes, acabamos falando demais e fazendo muito pouco.
Não posso e nem quero me apoiar nas muletas do que já fui para fazer as considerações necessárias sobre o que sou e sobre o que um dia serei. Prefiro a dúvida, a incerteza, e até certo ponto, a insegurança. Não é característica de um decadente ser inseguro ou incerto, assim como não é característica exclusiva de ninguém, é sim uma característica humana, e estamos predispostos à isso, à essa intensa aglomeração de ideias, de pensamentos, essa tendência de enxergarmo-nos nos outros, e reconsiderarmos aquilo que já assumimos um dia. Não é característica do homem fraco mostrar-se em dúvida sobre seus próprios pensamentos e ideais, é sim característica do não hipócrita que assume-se mutável como o ser humano é, e jamais deixara de ser um dia sequer em toda sua história. O pensamento humano só estabiliza-se pela força e pela repressão dos impulsos que fazem de nós seres tão intrigantes e plurais.
Essa idéia contrapõe-se totalmente ao conceito de padronização. Se todos mostrassem-se mais vulneráveis às cadeias de acontecimentos, a individualidade poderia ser muito mais valorizada e respeitada. O humano tende a falha, e isso pode não ser poético, mas é fatual. O humano está fadado aos seus erros assim como está fadado às contradições de sua própria consciência. Não ter uma inteligência concreta é justamente o que nos difere dos demais animais, é justamente aquilo que constrói e incrementa nossa essência. Assumir-se humano é o mais humano dos atos, pois nele está contido também a aceitação do fato de que a existência consciente tende o tempo todo à falhas e à mudança de opinião.
A maior falha humana é essa terrível mania de engrandecer-se pelo que já é, e esquecer de abrir espaço para todas as outras possibilidades de formas, de sentidos, de remanejo de ideias. O ser humano consome-se pela sua própria grandeza e petulância, e acaba destruindo o que o cerca por estar fixo naquilo que conclui precipitadamente. 

sexta-feira, 22 de abril de 2011

De envelhecer.

E então passaram-se os anos. Seu cabelo cresceu deveras vezes, e foi cortado tantas quantas fora preciso. Sua voz mudou a tonalidade, cada vez ficando mais e mais grave, perdendo a cada dia um pouco mais da altivez juvenil. Agora lhe aparecem então esses fios na cabeça, esses fios que já não aceitam a pigmentação natural, que já dispensam o apego pela cor, que tornam-se dia após dia mais acinzentados e menos volumosos.
Tudo está constante, como sempre estivera, mas agora já é difícil reconhecer seus próprios traços no espelho, a pele se nega a ter o mesmo aspecto exuberante que tivera até ontem mesmo, e tudo lhe parece fugaz demais, tudo lhe parece rápido demais, embora tudo passe por seus olhos em câmera lenta.
Qual fora a última vez que sentara diante ao mar e contemplara toda a doçura dos traços da natureza? Quando sentira pela última vez o cheiro da maresia que invade as narinas e faz de si a utopia? Não se sabe, sabe-se apenas que não lhe existe mais o tempo. O tempo está desfigurado, o tempo não tem mais a quantia exata que lhe foi definida e se conturba cada vez mais e mais. Sente falta de quando o tempo demorava a passar, enquanto brincava de invadir poças em meio à chuva torrencial. Não se lembra mais do cheiro da chuva.
E os olhos? Os olhos que brilhavam ao anoitecer, que tinham por si só o sorriso, hoje não lhe parecem mais  imponentes. Os olhos estão esbanjando em todo seu diâmetro o cansaço dos anos, e em especial, o cansaço daquele dia ruim. Os olhos também não conseguem mais chorar, talvez as lágrimas todas tenham sido levadas na última desventura leviana em que se envolveu. Os olhos não lhe tem mais a capacidade de falar, refletem apenas aquilo que fora e hoje já não é.
Mas de tudo que perdera, de toda a beleza que lhe fora levada durante aqueles anos, de toda alegria de viver que fora-lhe tomada, o que mais pesa na balança do tempo é o fascínio, ou melhor, a falta dele. O fascínio foi levado embora, a inocência também não teve mais ali o seu lugar. Lembrava-se de tudo que tivera vivido, mas lhe era quase impossível descrever com as palavras o que fora aquele fascínio inocente que tivera somente até o fim da infância. A juventude lhe foi grata, mas não tanto quanto a infância. A infância sim lhe tivera trazido a graça, a curiosidade e o fascínio de cada dia, que se perdera fatalmente ao longo desses anos sórdidos.
Sentia falta da alegria ao encontrar o trevo de quatro folhas no jardim,  sentia falta das crianças que sujavam-se todas sem medo algum, que criavam todas as formas e todos os ângulos com o que podiam, que sorriam destemidas e choravam desoladas por causa do machucado no joelho. Sentia falta, sobretudo, da graça com que conseguia apreciar cada dia, e cada nova descoberta, sentia falta da facilidade com que o mundo lhe encantava, com que as pessoas lhe encantavam, tudo lhe era belo, tudo lhe era impecável em cada detalhe, sem ao menos se esforçar.
Malditos anos que trouxeram para sua mente a desgraça da exigência, a desgraça da aparência, a desgraça de estar são. Buscou nos vícios duas ou três vezes voltar a ver aquilo que via quando ainda não lhe tiveram corrompido a inocência, mas estava, infelizmente, diante de uma perca insubstituível e inestimável. Os vícios lhe trouxeram, com o tempo, mais e mais o peso de ser um adulto, lhe carregaram aos poucos para um abismo existencial, de onde jamais conseguira sair.
Pondera agora sobre o peso das consequências, pondera sobre o tempo perdido, pondera sobre as escolhas, e decide por fim, que é hora de se deitar.

sábado, 16 de abril de 2011

Doutor gato.

O moço sentou-se ao lado de seu gato, olhou-o profundamente nos olhos, suspirou, então deixou vir à tona o sentimento de tristeza que vinha prendendo dentro de suas emoções mais profundas.
-Sabe, gato, às vezes eu queria ser como você. Despreocupado, apenas sobrevivendo com o pouco que tem, que por menos que seja parece muito aos seus olhos. Você talvez nem saiba que um dia irá morrer, só desvia da morte, por instinto puro, e segue seu rumo de gato. Foi assim que você veio parar aqui em casa, fugindo da morte instintivamente. 
O gato o olhou intrigado, e então deitou na almofada. O moço, estava à vontade ali, e pode ver no gato a certeza de que era para o bichano que ele deveria definhar todas as suas preocupações humanas, como se aquilo fosse algum tipo de terapia asiática ainda não conhecida pelo mundo ocidental, mas que porém, faz muito bem à saúde mental. O moço sorriu, deitou a cabeça no encosto do sofá para fazer dali o seu divã, e começou sua divagação. 
-Doutor gato, o senhor não deve me conhecer, apareceu por aqui tem só umas duas semanas, mas imagino que já tenha visto por aí muitos seres humanos como eu. Sabe, nós somos de espécies diferentes, porém nossa classe biológica é a mesma, o que me deixa de alguma forma mais próximo de você. Num outro momento da história, você talvez seria o meu jantar, ou eu o seu. Eu não entendo muito bem disso tudo, e não me sobra muito tempo para ler, mas eu gostaria que você soubesse que nós, humanos, somos os seres mais horríveis da face da terra. 
Não adianta me culpar com esses olhos, doutor gato, você conhece essa fala. O ser humano é mal, é vil, e tem a maior vantagem entre todos os outros animais que é a razão, porém a usa de forma pouco gentil, principalmente uns para com os outros seres humanos. 
O ser humano não se basta por matar sua fome, sua sede, não cessa ao reproduzir a espécie, não foge da morte unicamente por instinto. O que de longe seria uma vantagem, no momento acarreta tudo de pior que já se ouviu falar. E eu estou cansado de estar no meio dessa corja. Não acho que seja o melhor ambiente, esse mundo dos humanos. Eu daria tudo para ser como você, doutor gato, de alma livre e livre de julgamentos.
Toda essa liberdade felina que você tem, seria muito bem vinda para mim. Olhe para mim. Eu tenho 35 anos. Tenho duas faculdades, duas pós graduações, e uma barba mal feita. Tenho um apartamento, tenho um carro, tenho boas roupas, e um emprego, e o que mais? Não tenho nada, doutor gato. Tudo me vem fácil, tudo me vai fácil, meus prazeres me tornam escravo, eu vivo por eles, e não eles por mim. 
Agora eu tenho você, todos os dias eu abro esse apartamento e te vejo com olhos famintos. Te dou comida, te faço meu, você é parte de mim, e meu coração já pertence à você, porém você não pertence à mim. Logo encontrará quem te dê mais carinho, quem seja mais seu, que te trate com mais zelo, que preze mais por você, e quando você for embora, eu estarei aqui ainda, nessa mesma condição degradante.
Não encontro muito sentido, sabe, doutor gato? Nem para fazer, e nem para desfazer, liguei tudo o que eu preciso ligar para ser um bom profissional, mas agora não sou mais alguém. Eu sou o número do meu cpf, e não sou mais quem eu era há 18 anos atrás, quando estava vivendo minha juventude com toda ferocidade hormonal, com toda a alegria de ser jovem. Hoje estou aqui, sendo o adulto frustrado que jamais imaginei que seria. Mas só você pode saber disso, senhor gato, só você pode saber. Não posso vender essa imagem derrotada para os que me cercam, porque eles também estão derrotados, mas nunca venderam esta imagem para mim.
Às vezes penso que eu não deveria ter feito essas faculdades. Elas me dão dinheiro, mas o que mais? Claro que o dinheiro é bom, mas o que fica depois que ele acaba, senhor gato? Não tenho amparo, não tenho família, e todos à minha volta estão muito corrompidos pelo egoísmo. Acho arrogância da minha parte pensar apenas em mim dessa forma, mas se eu não pensar em mim, vou acabar pensando no jogo de futebol, ou nas contas a pagar.
Não me sinto mais vivo. Acho que morri há uns cinco anos atrás, e nem é culpa de ninguém, nem mesmo minha. Roubaram o que eu era, roubaram minha essência, hoje eu sou apenas uma caixa de preocupações fúteis sobre as revistas de carros esportivos. Eu nem sei mais quem sou eu. Acho que virei produto.
Sabe gato, sua vida é meu maior anseio. Uma vida curta, porém plena. Você continua sua espécie, você come, você dorme, você corre dos perigos, e então morre, sem nem saber que morreu. Morre sem ter parado para pensar sobre o que é e o que deixa de ser. Você morre sem ter tido medo, sem ter tido válvulas de escape, sem ter tido vícios, você morre porque é a lei natural, e não se preocupa em entende-la, pois não há explicação.
Você é aquilo que eu mais gostaria de ser, gato. Sem álcool, sem cigarro, sem mulheres, sem computadores, sem revistas, sem padrões, sem preconceitos, você nasce felino e morre felino. Eu nasci ser humano, e vou morrer sem o humano, deixei o humano pra trás, agora apenas sou um ser. Não utilizo-me mais das vantagens humanas para nada, não sou altruísta, não vejo prazer num beijo, não uso meu dom racional, e por vezes esqueço que tenho polegar. Sabe doutor gato eu estava pensando que se talvez....
O moço ouve um alto ronronar e olha para o doutor gato. Incompetente, dormiu em serviço. O moço pega sua cerveja, liga a televisão, tira a gravata, e morre mais uma vez. 

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Primeira pessoa do singular.

Eu estava buscando inspiração, então digitei "eu", em busca dos rumos para escrever uma coisa agradável. Eu não é uma palavra boa para começar um texto, eu é tão complexo, e tão cheio de formas, eu não é um bom início, à não ser para aprender a conjugar verbos.
Todos passam a vida buscando os seus eus e morrem sem te-los encontrado, porque o eu, acima de tudo é uma variável. Eu busco o meu eu.
Buscar o seu eu é muito mais profundo do que buscar simplesmente quem se é. Isso te dão num pedaço de papel, assim que você nasce. Enquanto isso, os eus vagam dentro das nossas mentes como bombas relógio de fúria e de amor. São profundos, densos, intensos, são o deus de cada eu próprio.
Por vezes, penso que nossos eus são nossos piores inimigos, eles nos afrontam todo o tempo, para que nossa mente se abra e nossos olhos o vejam. Eles são sutis e muito espertos, eles sabem a hora para ficar e a hora de partir. Outras vezes, vejo nossos eus como crianças acuadas, com medo do nós. O nós é grande, o eles é enorme, o vocês é inexoravelmente maior. Nosso eu então fica ali, ele fica fazendo continhas de tricô, e soltando seus fiapos de insegurança.
Os eus são magníficos, porém fugazes, e deixam a vida mais poética. Eles tem uma complexa magnitude que os faz saber quando são queridos, e quando tem que deixar tudo vazio. São principalmente preguiçosos, esses eus, os eus gostam mesmo é que o vocês deêm conta do seu corpo, que o eles parasite na sua mente, para que você possa deitar no sofá no próximo domingo e assistir seu programa preferido de televisão sem dor na consciência.
Se durante toda nossa vida, fôssemos regidos apenas pelos nossos eus a vida não seria tão peculiar e detalhada, acredito que as batalhas que o eu trava com os outros sujeitos são importantíssimas para que a vida tenha sua euforia.
Mostrem seus eus, não os defendam, pois esses são trairas e logo mudarão de lado, mas deixe-os vir a tona para que sintam a energia que o eu tem ao encontrar-se com o você, com o nós, com o eles e o elas.
Eu não é vazio.
Meu eu gosta de paredes geladas, meu eu gosta de céu cor de rosa, e de tomar frozen capuccino. O meu eu é estranho, aparece de vez enquando, prefere me deixar dormindo, mais do que qualquer outra coisa. Ele talvez seja tímido demais para que o vejam com frequencia, ele gosta que meu corpo fique ao comando do nós e minha mente do vocês. Meu eu sofre com excesso de amor, mas não gosta de mostrar as lágrimas, prefere que o eles deixem-as escorrer pelo rosto.
Meu eu é nanoscópico e incomensurável. A mais gelada das estações quentes, e a mais quente das estações geladas. Meu eu é o X da equação, é a incógnita que eu morrerei sem achar o valor.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Dentes.

Ela mantinha o olho no papel. Firme e voraz, ela discorria suas palavras pouco refinadas no pedaço morto de celulose, querendo provar do que era feita.
Sua sabedoria incipiente ainda estava distante do que ambicionava, mas ela escrevia com liberdade sobre tudo aquilo que já tivera lido, tudo que sabia, tudo que pudera compreender até ali.
Ele parou ao seu lado e lhe açoitou com seu perfume sutil, que ela reconheceria mesmo a milhas de distancia.
Parou de desfrutar as delícias sublimes de seu devaneio e voltou à preencher linhas nuas com suas palavras tolas.
Tola, tola, tola. Agoniada, ela tentava exprimir o sopro daquilo que a faria viver novamente. Ela estava pulsante daqueles velhos sentimentos piegas que acendem o brilho no olhar. Ela precisava expulsa-los, espalhar-los, saborear o doce gosto das palavras que tinha em mente, sussurrando-as no ouvido dele, ele que reluzia aquilo que era apenas do domínio dela.
Os pensamentos desenhavam curvas indefinidas, enquanto a mão corria sobre o papel.
Quais palavras? Quais palavras? Ecoavam em suas mentes os vocábulos tanto da razão concreta, quanto da sabedoria indefinida do amor.
-Clarice, venha aqui.
Ela se colocou em pé num súbito salto, e em meio ao rebuliço sentiu o estranho, porém típico, embrulho estomacal.
-Ande, depressa!
Passo à passo ela caminhou repetindo as palavras que tinha em mente. Ela o faria agora mesmo.
-Sim, professor.- Respondeu aflita, do alto de sua gigantesca insegurança e de seu físico ínfimo e seco.
-Escuta, menina. Não te acho apropriado que andes por aí sempre sozinha.
Ela restringiu a resposta à um tímido abaixar de cabeça.
-E também acho que...
"Ache que sou sua"- pensava a agonia de sua mente.
-Acho que tua maneira deveria ser menos metódica. Acho que teus olhos estão sempre muito insípidos. Acho que tua cabeça está muito curvada. Acho que tu deverias ser menos devota aos desprazeres. Acho que deverias sorrir mais.- Complementou ele.
-Não são os desprazeres não.- Clarice balbuciou, ainda de cenho abaixado.
-Então o que haveria de ser, menina?
Ela sintetizou tudo num eu te amo apressado, que correu insano em sua garganta, mas que teve o desgosto de perder a força nos dentes cerrados.
-Nada não, deixa eu ir que tenho dentista.

Postagem rápida e de explicação.

Não, esse blog NÃO é para ser levado totalmente a sério. Eu não tenho ainda um estilo literário definitdo, portanto passo dos contos tradicionais, às auto análises, passando pelas crônicas cotidianas e os diálogos fictícios. Portanto, não acreditem que aqui está sustentada a imagem de uma escritora. Aqui é o retrato da alma de uma pessoa qualquer, que habita esse enorme aglomerado de gente chamado Planeta Terra, e como qualquer outro indivíduo da espécie Sapien Sapiens tem frustrações, e principalmente, necessidades de coloca-las para fora, necessidade de expor sua alma em forma de arte. A arte, nesse caso, é a literatura.
Não sei se ao longo dos anos terei uma base sólida o suficiente para manter meus escritos coerentes entre si, mas na realidade, eu espero manter minha escrita desordenada, pois assim posso ser e deixar de ser o que quiser, e com total liberdade conforme escrevo. Só peço que não me reprimam, não me apontem como má escritora, pois nem escritora sou. 
Quando eu tinha sete anos, eu tive que fazer uma redação para a escola, e acabei me soltando além do que os limites me permitiam, e foi ali que descobri que escrever era o que eu queria fazer, apenas com o intuito de ser quem eu era, e quem eu sou. A escrita tem feito parte da minha formação como ser humano desde que eu me conheço por gente, e nunca me lembro de ter escrito de forma coerente.
Lembro de ter tido vários diários, lembro de ter inventado códigos quando era criança, lembro ter um caderninho de poesias aos oito/nove anos. Lembro de ter começado vários romances inacabados, que geralmente não conseguiam passar das primeiras páginas. 
Hoje escrevo talvez um pouco mais enfaticamente. Em alguns momentos, tento transmitir idéias, passar mensagens, mas nunca com o desejo de me prender a esse único estilo de linguagem.
Enfim, o post rápido acabou ficando deveras longo, mas acho que falei o que precisava.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

É.

Desse jeito que ninguém gosta, daquele jeito que ninguém aguenta ouvir por menos de duas taças de vinho eu estava sendo, e sendo feliz do meu mau modo de ser. Meio acanhada de desamor, de amor terminado que ainda dói, eu estava sendo quem eu não era só pra esquecer quem eu tinha sido. Eu já estava bem e acostumada com a falta dessa coisa que todas as pessoas sentem por ter em quem acomodar o seu amor, eu estava feliz, mesmo que incomodasse, eu estava ali só esperando pelo próximo dia na mesma esperança de que nada acontecesse. Tudo bem, tudo bem.
No meu canto acuado e na minha tristeza mascarada eu estava escrevendo qualquer coisa sobre o movimento das ondas do mar, quando você entrou. Eu talvez não contasse com aquilo, mas eu sabia que era o seu cheiro. De alguma forma era todo o conforto que eu precisava, eu encontrei os meus trilhos endireitados na maneira como você me sorriu da primeira vez, e dia após dia eu tomava dentro de mim a certeza de que os seus olhos me guiariam para o meu recanto seguro, onde eu pudesse cantar sobre as coisas que eu ainda não estava apta a colocar em melodia.
Você tinha o que de mistério no seu jeito brincalhão, e tinha o sorriso mesmo quando se silenciava. Você era a mistura dos sentidos, e era a chave para o meu riso. E eu pensando em eternidade, me fiz segura ao seu lado, mesmo que você não me sentisse ali, eu estava intimamente ligada à sua alma, porque eu te quis bem desde o primeiro instante.
Eu gostava de estar sorrindo contigo, mesmo sem você, eu estava bem somente por pensar que você existia e eu veria o seu sorriso na próxima manhã. Doce ilusão de um coração que está carente de amor. A crueldade do destino as vezes é pior do que esperamos, e mais enfática do que deveria ser.
Quando meus olhos se despiram do encanto dos primeiros dias eu enxerguei monstros que me amedrontaram e me fizeram recuar. Estavam ali parados na minha frente, esperando uma movimentação para me devorarem loucos de fome, o monstro do ciúmes, o monstro da insegurança, o monstro da rejeição. Todos eles com sua cota de ferocidade, cada um com sua subjetividade intensa, todos me visando como objetivo da caçada.
O medo que cada um exercia sobre mim era tão intenso que despertava os meus próprios monstros interiores, que ainda eram fracos perante à eles, monstros cruéis e incertos. Eu então me vi sozinha novamente, tentando tocar no que não era meu e fazer meu o que não podia. Consequentemente, eu constatei nos meus pensamentos que eterna seria a saudade do que não tive, e que meu refúgio eram meus próprios sonhos não concretizados. Eu sei do que eu sinto, mas dá não, então deixa assim.

domingo, 10 de abril de 2011

Indo.

Estou passando pela vida, estou vendo como as pessoas sorriem, estou sentindo como as crianças choram. Estou passando sem destino, sem parada, apenas indo de encontro ao nada e ao tudo, àquilo que eu quero como se não soubesse o que.
Estou chorando, como se não fosse capaz de fazer todas as paradas que devo, estou sofrendo com cada tropeço, estou demorando demais para aprender a andar. Eu observo, e caio.
Como criança que aprende, eu engatinho, e paro. Eu estou passando, e mais vendo do que vivendo, e mais sentindo do que fazendo, e mais planejando do que colocando em prática, e assim eu passo, despercebida para tantos, passando, sentindo, chorando. Eu vou.
Estou colocando meu sorriso mais bonito para o passeio no dia chuvoso, estou com meu vestido mais sorridente para o velório, estou sorrindo e andando, estou enxergando sem olhar.
Com os corpos falsos, e os olhares fingidos, dissimulo-me perante as faces e choro sem perceber. Eu durmo no meu eu, e passo pela vida como quem não quer passar, quem fica e não faz, que está indo sem querer, quem está parada só perdendo, quem busca e não espera. Eu passo.
Estou lutando contra os ventos no meu vestido de rosas, porque não me toco e nem me sinto, mas me seguro sem ver, porque estou em busca do caminho, mas não enxergo com essas folhas, e nem com a chuva torrencial, não enxergo nem mesmo com o sol, eu não posso me ver, nem me sentir, eu só me seguro, e me acomodo, e vou.
Estou desapropriando-me da minha voz e do meu corpo, estou ficando com as minhas vestes e com a lua no céu, estou em meio ao nada, perdida, passando, andando, parada, tentando. Estou correndo sem movimento estou frustrada de alegria e chorosa de amor, estou indo, sem saber, sem querer, sem poder. Estou indo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Entendeu?

Entender é a tarefa mais complexa que já nos foi imposta desde os primórdios da vida humana. Entender é a junção das pequenas compreensões alheias, entender é não ver com sua própria visão, mas com a visão de todos.
É disparado então uma série de fatores que influenciam na compreensão, o primeiro deles, é a maneira com que nossos eus se compreendem como coisa, como ser, e é justamente aí que se encaixa toda a minha problemática pessoal. Eu não me compreendo, e nem sei se quero.
Me compreender seria me limitar à forma atual, e recuso-me a ser objeto, que nunca muda, que nunca pensa. Recuso-me a deixar a vida de lado para ter menos conflitos interiores, então conflito com meu eu, conflito com meu externo, e acabo por fim me frustrando com a falta de compreensão em que toda a minha existência está alicerçada, porque crer é necessário, compreender é anseio e não ser quem se é realmente, é a pratica da vida aplicada.
Quando eu morrer, me pergunto o que dirão sobre mim. Me compreenderão quando eu for carne morta, eu me compreenderei como carne morta, compreenderei minha morada abaixo da terra, compreenderei o cumprimento da minha sentença biológica, e quem sabe, espiritual. Entenderão as minhas formas exclamando que fui mais ou menos agressiva, mais ou menos simpática, mais ou menos humana; mas morreu, de qualquer forma, é o que acontece com todo mundo. mas tão nova? e os filhos e o marido? e o cachorro dela? e a herança? coitada, nenhum pra chorar no velório dessa pobre defunta. ela se foi, mas o que importa é que foi uma boa mulher.
As compreensões externas não me satisfarão porque toda a minha essência de alma permanecerá estática perante aos olhos dos outros, com aquilo que fui em vida, e morrerei sem a compreensão verídica sobre o que eu sou. É intensa a vontade de compreensão, porém é quase inútil sua aplicação, pois não se compreende o humano, não se compreende o abstrato e o fugaz.
Me colocam em gavetas fechadas de compreensão global. Mas não sou. Não sou porque não penteio meus cabelos, e não sou porque gosto de ficar em casa no final de semana. Não sou quem dizem, e nem estou onde me colocam, porque eu fujo, e não gosto de procurar a minha gaveta. Não o sou porque não gosto de cortar as unhas, e não o sou porque como beringela. Não o sou porque escrevo, e deixo parte da minha essência real nas palavras.
Minha gaveta não existe, ela é incompreensível como meu ser, como todo o ser, como toda a compreensão é, como todo o infinito azul e rosa diante dos nossos olhos negros. É infinito quem sou eu, e quem tu és, e quem nós somos, porque não somos, estamos sendo, e um dia seremos, e é só ai que nos compreenderão.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Silêncio.

Eu nem sei por onde começar. Até a noite passada, nós estávamos bem, você entende? Tudo corria perfeitamente bem, e foi aí que ela resolveu ficar calada. Eu até tentei dizer alguma coisa que fizesse efeito, mas o silêncio era a minha única resposta. Depois de alguns minutos, fiquei tão intrigado que não conseguia mais nem prestar atenção nas pequenas coisas que estava usando para me distrair daquele momento silencioso e constrangedor.
No princípio, eu estava imaginando que fosse alguma coisa relacionada comigo, mas ela me abraçou em meio à falta de palavras, então fiquei novamente com essa incógnita gigantesca na cabeça. O que tivera acontecido de tão grave para nos proporcionar aquela pausa? Eu não sei bem. Talvez fosse um pedido de apelo, talvez ela estivesse querendo dizer que gostaria que eu fosse menos ortodoxo, ou quem sabe menos trivial. Eu não sei, não consegui captar no olhar dela as palavras que lhe faltavam à boca. Ela estava me evitando até no olhar. Ela só me abraçava confortavelmente enquanto nossos dois corpos estavam imóveis e silenciosos na cama.
Perguntei, em meio ao calor do abraço, o que lhe ocorrera de tão grave para estarmos passando por aquele atípico momento de inação. Ela nada respondeu, apenas sorriu e virou para o lado oposto ao meu.
Imaginei então que tivesse mesmo alguma coisa a ver comigo. Fui tomar banho. Passei cerca de 45 minutos debaixo do chuveiro para tentar tirar de mim qualquer coisa que desagradasse as narinas dela. Voltei pra cama, e nada de novo.
Aproveitei a noite agradável de ontem e a convidei para sair. Ela não tirou o roupão, e foi até a porta. Ficou parada ali, apenas olhando, com aquele olhar pouco animado que para mim é quase doloroso.  Eu ofereci um cigarro. Ela nem balançou a cabeça para recusar. Sentei então aos pés dela e perguntei: "Porque você tem me evitado assim? O que eu fiz de errado? Eu vou continuar sendo chato até que você me responda".
Ela olhou-me com seus olhos inconvenientes, que me fazem ter borboletas no estômago até hoje, e deu um sorriso meio amarelo, mas nada disse. Eu entrei em pânico com a possibilidade de ela ter deixado de amar. Ela fora a coisa mais importante para mim nos últimos tempos, ela me procurou até eu conseguir entender que era ela o que me faltava para sanar aquele vazio que eu vinha sentindo há tempos. Perde-la dessa forma seria tudo o que eu não cogitaria naquele momento. O que eu faria? Que rumos tomaria? Onde estaria minha base ao voltar para nossa quase casa todos os dias depois da faculdade? Eu não iria conseguir sem ela.
Agoniado durante infinitos minutos, a perguntei se meu amor lhe incomodava, ou se ela não me amava mais. Ela franziu o cenho e sentou no sofá.
Sem rumo e nem direção, eu falei pra ela que iria sair. Ela nem mesmo perguntou para onde. Eu peguei o carro e fui, e não olhei pra trás. Dei umas três voltas perto do barzinho onde nós nos conhecemos há cerca de cinco anos atrás. Eu não fazia idéia da pessoa incrível que eu havia encontrado quando ela me olhou de cara feia naquele dia.
Voltei pra casa. Ela me sorriu com os olhos marejados quando entrei, e ainda antes de eu conseguir trancar a porta, ela já havia me abraçado, e eu estava mais confuso ainda. Eu não consegui entender, se é que você me entende.
A perguntei sobre o motivo do súbito silêncio de minutos atrás. Ela me disse que não era nada, era medo de que um dia eu não aparecesse mais. Eu continuei sem entender. Mas a abracei como quem abraça a garota de seus sonhos pela primeira vez. Ela é tão confusa e tão complexa que eu mesmo não faço a menor idéia de como eu consigo entender tudo, mas eu entendo. Ela não precisa falar muito, se não quiser, mesmo que eu goste de ouvir sua voz enquanto ela discorre eternamente sobre assuntos dos quais eu pouco entendo. Ela é tão completa.
Não entendo de jeito nenhum o silêncio de ontem a noite. Ainda estou meio perdido e sem saber o que pensar. Eu sei que a amo, e que nosso amor, apesar de bom, está distante de ser um amor idealizado, mas enquanto der pra levar, eu levo. Espero que não seja um daqueles silêncios de véspera de final, que não seja um daqueles silêncios de desamor, porque se for...

sábado, 2 de abril de 2011

Postagem de aviso.

Boa parte dos textos postados aqui no blog, estão diretamente relacionados à minha vivência pessoal, portanto qualquer semelhança não é mera coincidência.
Porém, existem contos onde dou vazão à minha imaginação perturbada, então fica à vontade de cada um tentar saber se o texto foi ou não baseado em alguma coisa vivida por mim.
Era só isso mesmo.
Beijo para minha meia dúzia querida de leitores.

Telefonema.

-Sabia que eu ainda tenho medo de escuro.
-Não.
-Eu tenho.
-Aé?
-É. Sabe aquele medo de olhar pela janela e ver aqueles monstros de filme de terror? Então.
-Sei não.
-Nunca teve medo de escuro?
-Já. Mas eu era criança.
-Juro que não conheço uma só pessoa que nunca tenha tido medo de escuro.
-Mas já te disse que eu já tive, só não tenho mais.
-Então o que você tem?
-Sono.
-Sono não vale, estou perguntando o que você tem com esse desânimo na voz. Não lembrava de você assim.
-Tenho passado por uns problemas, mas nada grave.
-Como nada grave? Quando o tom de voz muda, tem coisa grave sim.
-O que você sabe sobre as coisas?
-Não muito, mas sei de você.
-Sabe o que de mim?
-Sei que você não gosta de sofrer, e que desconta frustração em bebida, e cigarros, e café, e num gato.
-Você não sabe nada de mim.
-Sei que você dorme de meias. E que gostava de ouvir minha voz acordando. E que o dia que seu cachorro morreu você ficou muito triste. E que você acha que eu endoido.
-Endoida mesmo.
-Endoido nada.
-Endoida sim.
-Tá, eu endoido. Mas é a minha reação natural ao stress, e também às minhas crises de ciúme secreto.
-Aé?
-É sim. Por essas e outras que eu andei meio desvairada esses tempos.
-Então porque tá me ligando agora, sua burra?
-Porque eu senti saudade. E você sabe que eu odeio esse burra.
-Você sabe que é carinhoso.
-Sei não. Na verdade não sou muito do seu mundinho, lembra?
-Você nunca me viu.
-Vi sim, uma vez.
-Aquela não vale.
-Porque não?
-Porque você estava tão bêbada que estava cantando aquela música.
-Aquilo não era estar bêbada. Aquilo era não ter o que fazer.
-Aquilo era bêbada sim.
-Era nada, saco.
-Lindeza.
-Tá, quer ver, eu lembro que você estava usando uma camiseta branca. E que saco esses elogios hein?
-Vai endoidar de novo é?
-Não. Aposto que você não lembra a roupa que eu estava usando.
-Não mesmo.
-Lembro de tantas coisas. De uma camiseta do Star Wars, e de uma do Yeah Yeah Yeahs, tudo numa noite só. Você nem lembra de nada.
-Vou ter que desligar.
-Mas já?
-É, vou ter que fazer alguma coisa e tenho que desligar. Outro dia a gente se fala.
-Você sempre tem que desligar.
-Vai ficar zangadinha, piá?
-Não, e não me chama de piá. Boa noite.
-Boa noite.
Tututututututu.



Saco.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Alusão à desilusões.

As desventuras vividas já haviam tirado-lhe o encanto pelo mundo há muito tempo. Suas palavras já não saiam mais com a naturalidade habitual de quem é feliz, as palavras já haviam tornado-se ríspidas em sua pronuncia e  sonoridade. Ela não era mais a mesma, ela já tivera apanhado muito daquilo que não pode ver.
Alguns a chamavam de cética, mas ela olhava por outra perspectiva. Ela talvez não estivesse na hora e no lugar certo para que tudo corresse como nos antigos contos de fada, que ela costumava admirar. Todas as amarguradas demandas de contradições foram se infiltrando aos poucos por entre as experiências que ela tivera vivido.
As expectativas nunca haviam correspondido à realidade, porém, na mesma intensidade em que se desiludia, ela conseguia achar novamente as esperanças num novo recomeço. Mas tudo, em absoluto, mudou em decorrência à um fato corriqueiro de sua vida.
Numa noite qualquer, de uma quarta feira qualquer, ela se deparou com sua imagem em frente ao espelho, e então passou a indagar-se sobre questões praticamente insolúveis. De onde teria vindo? Qual o sentido real de tudo aquilo? Foi quando ela se deparou com a triste cena de seu gato morto, em cima do sofá.
Em uma fração de segundos, tudo que já tivera vivido com aquele pequeno ser se passou pela sua cabeça que, naquele momento, estava em um turbilhão. O gato, o incrível e pequeno ser que ia embora, mas sempre voltava para seus braços necessitando de colo e de afago nas orelhas. O surpreendente gato que já estava habituado à rotina conturbada de sua dona desde que ela se lembrava por gente. O gato que sabia a hora de acompanha-la para dormir, o gato que a esperava na porta do banheiro após o banho, o gato que nunca tivera sujado a casa com as patas sujas, e nem estragado os móveis.
O gato que dera talvez o rumo e a direção para sua vida nos seus últimos longos anos, agora iria se tornar apenas parte de um ecossistema, debaixo da terra. O gato que tivera personalidade, que estivera ao seu lado nos momentos mais amedrontadores, agora estava ali, esticado cadavericamente.
A menina concluiu, por fim, é o fim. Tudo acaba. Numa hora pouco fortuita para ambos os personagens envolvidos, tudo se finda da maneira menos convicente. Ela em frente ao espelho, o gato no sofá. Quanta ironia, quanta falta de experiência, quantas ilusões quebradas num único instante.
No entanto, a menina não se deixou abalar de maneira extremada, e continuou seguindo com seus passos tortuosos até o sofá. Enterrou o gato na manhã seguinte. Voltou ao princípio, voltou ao ponto que nem se lembrava de ter começado anteriormente, voltou para o seu próprio nascimento, e assim como uma criança, procurou novamente um alguém ou um algo que pudesse dar à ela a ilusão necessária para que continuasse seguindo. E por assim continuou durante muitos e muitos anos, sem que vivesse em nenhum momento por único e exclusivo mérito de sua capacidade emocional, a pobre menina desiludida.

terça-feira, 29 de março de 2011

Alegria Plena.

Existiam então essas duas meninas.
O contato entre as duas era nulo, mas elas lidavam com isso da melhor forma, pois nem se conheciam.
Elas não tinham de verdade nenhum desejo em comum. Talvez fossem opostos. Talvez não estivessem dispostas.
Eis que havia no mundo a quase vulcânica existência da mais velha. A mais velha talvez fosse um misto de todas as cores vivas, e de todos os tons pasteis, de todas as estampas, de todos os saltos altos e sapatos vintage. A mais velha era meio de lua, meio como quem não sabe o que quer, mas ainda sim está sabendo. A mais velha carregava consigo os mais variados traumas, e também uma hiperatividade excêntrica, que por vezes dava lugar à uma profundidade que poucos tiveram a chance de notar. A mais velha causava impacto e alvoroço em todos que a conheciam. A mais velha por vezes intimidava com sua maneira pouco convencional de encarar as situações, e por muitas vezes cativou sem ao menos notar. A mais velha carregava consigo as inseguranças de uma adolescente e o revolucionário brilho e sensualidade de uma mulher feita. A mais velha transparecia todos os sentimentos mais humanos, e também todas as necessidades mais carnais. A mais velha tinha um mistério indecifrável, que se ofuscava em meio suas crises existenciais. A mais velha tirava notas baixas, e gostava do pop, do brilho, da moda, de ser quem era com liberdade. A mais velha amava as artes e colocava para fora com todas suas forças o seu amor. A mais velha gostava de roupas, de sapatos, de dançar a noite inteira, e de ter um homem para chamar de seu, e que de preferência, cheirasse a vinho.
Existia então a quase erudita mais nova. A mais nova era também a mais introspectiva. A mais nova chegava a ter um que de mistério, e de intimidação pra quem não a conhecesse a fundo. A mais nova gostava de cinema e de biologia, gostava de seu mundo particular, e de seu incrível e quase imutável grupo de amigos. A mais nova tinha uma doce brancura, covinhas nas bochechas e um longo cabelo ondulado, que também nunca mudava. A mais nova tinha medo de mudança e bom gosto musical. A mais nova tirava notas altas, e todos sempre a perguntavam o significado das palavras esquecidas em momentos de falta de léxico. A mais nova talvez fosse a encarnação da paz e da serenidade. A mais nova não gostava muito de demonstrar pro mundo seus sofrimentos, principalmente de âmbito amoroso. Não era de falar muito. Se falava, falava bonito. Era amante secreta de todas as artes na timidez de sua existência. A mais nova era incrível.
Ambas eram praticamente dois mundos, de campo gravitacional semelhante. Ambas tinham sua própria profundidade, sua originalidade. Ambas eram complemento uma da outra.
As duas eram de tamanha essência, que talvez não caberia a mim descreve-las. Talvez o mundo um dia as descreva com a importância que tiveram.
Ambas, apesar de suas tão humanas fraquezas, conseguiam saciar a fome de alegria de quem as rodeava. Ambas eram fonte de felicidade. Ambas eram fonte de amor. Ambas vinham do Latim.

domingo, 27 de março de 2011

Cara babaca.

-Ele não existe, ele não existe...
-Tá passando mal menina?
-Não, só estou tentando me convencer de uma coisa ai.
-Que coisa, menina?
-Escuta, eu nem sei quem é você, portanto não lhe devo satisfações. E outra coisa, detesto que me chamem de menina.
-Ok. Então porque VOCÊ está assim?
-Meu Deus, de onde você surgiu, cara?
-Não sei, eu estava andando e ai te vi passando e vim ver se estava tudo bem.
-Quer dizer então que faz isso com todo mundo que passa na rua?
-Não é isso, é que bem...
-Bem nada. Você pode ser qualquer coisa nessa vida, e eu nunca te vi antes por aqui, então some, vai.
-Não.
-Então sumo eu.
-Você não vai conseguir manter o passo mais acelerado que o meu.
-Então me deixa, caramba. Quem é você?
-Eu sou eu, eu existo, diferente do personagem de sua negação de segundos atrás.
-Ah, achava que você era João de Santo Cristo. E além de me seguir ficou prestando atenção no que eu estava dizendo, é isso?
-Nunca gostei muito de Legião Urbana. Mas olha, você estava andando desacompanhada no meio da noite e ainda por cima falando sozinha, acho que qualquer um teria reparado.
-Repare, contanto que não venha falar comigo. Não percebeu que não quero papo?
-Se não quisesse mesmo não estaria puxando assunto com a última frase terminada na forma interrogativa.
-Caramba, que saco é você. É provável que não existam nem duas pessoas inteiras que te suportam nesse mundo, hein?
-Minha mãe, meu pai, meu cachorro. E bom, eu estava na verdade até agora numa festa há umas duas quadras daqui, e resolvi subir para comprar bebida mais barata.
-Cachorro não é gente. E que bom para você.
-Depende do ponto de vista. Não quer voltar para lá comigo?
-Não.
-Então me conta aqui o que te aconteceu e porque você estava passando num lugar deserto desses à essas horas sozinha. Você é só uma menina.
-E você só um babaca.
-Se eu fosse um babaca já teria desistido das suas patadas e te deixado sozinha novamente por aqui.
-Você acha mesmo que eu estava precisando de você?
-Não, mas você estava precisando de alguém, porque pelo visto, quem você precisava não existe mais.
-Olha aqui, o que você sabe de mim?
-Sei que você deve estar na TPM, ou então acabou de brigar com alguém, porque não vejo nenhuma necessidade de manter esse tom tão ácido.
-Tom ácido? Por favor, vai.
-Por favor o que? Estou inteiro a sua disposição.
-Então se quer me agradar, me deixa sozinha.
-Quer mesmo?
-Quero.
-Mesmo com aqueles caras estranhos ali na esquina?
-Eu estou conversando com um cara estranho e perdendo meu tempo há uns bons minutos aqui. Existe coisa mais estranha que ficar parando as pessoas na rua no meio da madrugada?
-Existe.
-A é?
-Sim, falar sozinha de madrugada num lugar deserto, por exemplo. Em pleno sábado a noite. Ninguém te chamou para sair não?
-Não gosto de sair.
-Então o que está fazendo pro lado de fora da sua casa?
-Você está fazendo isso de propósito ou só é babaca mesmo?
-Depende também do ponto de vista. Gosta de que?
-Gostaria que me deixasse seguir, se não for pedir demais.
-Acho que é sim. A partir de agora me sinto responsável por você. Qualquer coisa que te aconteça de ruim é culpa minha.
-Pelo amor de Deus, você não deve ser nem uns dez anos mais velho que eu, e eu nem te conheço. Pela milésima vez eu repito, eu não te conheço, o que você está fazendo aqui?
-Na verdade, você pode até não me conhecer, mas eu te conheço.
-Como é meu nome então?
-Sei que você costuma pegar as sessões das sete no cinema nas quartas, nas sextas e nos sábados.
-Então deve ter me confundido. Eu nem gosto de cinema.
-Não mesmo? Então não era você chorando no lugar onze da penúltima fileira quarta-feira a noite.
-Você tem me espionado? Ele te mandou pra fazer isso?
-Ele quem?
-Argh. QUEM É VOCÊ?
-Essa pergunta pode ser respondida de formas muito versáteis, prefiro deixar em branco. Você tem, ou tinha, namorado? Então porque sempre estava no cinema sozinha?
-Sim, eu tinha. Nós terminamos, e agora ele não existe mais para mim. Terminamos porque ele estava se tornando invisível cada vez mais, então não tinha porque continuar.
-TEMOS UMA EVOLUÇÃO.
-O que é que eu estou dizendo para um estranho, meu Deus?
-Vai ver não sou tão estranho assim. Eu vi você mais cedo, no pub.
-Viu?
-Sim, com aquele cara estranho, que parecia seu namorado.
-Você é a pessoa mais estranha que eu já conheci, então pare de chamar as pessoas de estranhas. Aliás, você é tão estranho que nem te conheci ainda.
-Prazer então, meu nome é Arthur, e eu teho te visto em todos os lugares, ultimamente. Então agora que te vi absolutamente sozinha resolvi tentar a sorte.
-Tentar a sorte de que?
-De você, Alice.
-Mas desde quando eu me apresentei? E eu sou um tipo de loteria para as pessoas resolverem tentar a sorte comigo no meio da rua?
-Não sei o que você é, mas para mim, tem sido ultimamente uma dessas coincidencias inexplicáveis.
-Então porque só resolveu se apresentar agora, no meio desse nada? Pra me matar de medo?
-Timidez.
-Ainda te acho babaca.


Alice e Arthur tem mantido uma relação saudável nos últimos cinco anos, tirando alguns problemas não muito graves em relação a auto estima do Arthur e a desconfiança da Alice.
Eles já pensaram em se casar, mas perderia a magia.
Alice repete todos os dias o quanto acha Arthur babaca e Arthur nunca se irritou.
Hoje eles frequentam os cinemas nas sessões das nove aos sábados, porque é quando os casais tem descontos.
Arthur nunca conseguiu comprar a bebida que supostamente teria ido buscar ao encontrar Alice.
No mesmo dia eles foram para o apartamento dele, mas porque começou a chover.
Alice só o beijou pela primeira vez dois meses depois.
Arthur pretende ter filhos, mas Alice tem medo que eles herdem a babaquice do pai.

sábado, 26 de março de 2011

Discutindo religião.

Maria acreditava que Jesus era seu pai, pois ela tinha o nome de sua santa mãe.
Raj sustentava que não comia vaca pois o valor da mimosa era maior que o de sua mãe.
Glauciane persistia na idéia que Jesus era seu pai, mas não acreditava na santidade de Maria sua mãe.
Amir, por outro lado, acreditava que Alá o salvaria de tudo já que nunca tivera visto o rosto, coberto pela burca, de sua mãe.
Chico exaltava ferozmente o fato de comunicar-se com sua falecida mãe.
Kauã estava sempre disposto à defender que a lua era sua mãe.
Dona preta era conhecida por todos por ser de santo, mãe.
De tanto confrontarem-se para tomar a decisão sobre qual das crenças era realmente a correta, e levando seus deuses em primeiro lugar até o fim da briga, todos acabaram mantando uns aos outros, junto com seus respectivos cônjuges.
João, filho de Maria, acabou crescendo sem mãe, e nas ruas aprendeu a se virar. Quando preso foi perguntado se nunca tivera antes sido apresentado à palavra divina. Ele calou-se e cometeu suicídio duas semanas depois.
A filha de Raj acabou sendo mandada pelos avós para um colégio de sua casta na América, onde poderia aprender a se portar segundo a tradição, já que não tinha mais pais. Sabendo de seu casamento arranjado aos 13 anos, ela conseguiu fugir do internato antes que fossem cumpridos os planos de seus avós. Conseguiu um trabalho, juntou dinheiro, e antes dos 30 anos se tornou uma bem sucedida empresária do ramo de fast food bovino.
Sara, filha de Glauciane, logo cedo se revoltou contra o resto da família e foi embora para se casar com um católico, com quem teve dois filhos e depois divorciou-se. Acabou casando-se novamente, agora com um rastafari.
Samira, filha de Amir, conseguiu ir embora do oriente médio, e se tornou dançarina de funk no Brasil. Acabou achando na prostituição uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro. Foi descoberta por um agente de filmes eróticos e hoje faz sucesso fazendo filme pornô, onde é muito apreciada por sua beleza esótica.
O filho de Chico não acreditava muito nessas coisas, resolveu abandonar os tios, e perturbado, começou a se drogar. Em pouco tempo passou a ter alucinações frequentes. A família sofria, e o mandou para um manicômio precário, sem saber que esquisofrenia tinha tratamento.
O filho de Kauã começou a passar dias e dias longe da tribo e começou a ter contato frequente com o homem branco. Passou à trabalhar de guarda noturno para juntar dinheiro pra fazer o curso que queria. Ele detestava o brilho seco da lua. Fez um curso de informática, estudou, completou dois cursos superiores, um mestrado no exterior, e um doutorado, e hoje diz que os códigos binários são a sua família.
Fátima, filha de Dona Preta, estava cansada daquilo alí, e nem sabia preparar um acarejé. Resolveu sair de casa e tentar ir ilegalmente para os Estados Unidos, onde foi descoberta por um olheiro, e logo conseguiu sua legalidade para trabalhar como modelo. Fez fama internacional com sua beleza excepcional. Em entrevista, semana passada, ela alegou ser ateísta.

sexta-feira, 25 de março de 2011

De cansaço e urubus.

Estou cansado, sabe? Coloquei minhas pernas na mesa de centro e vou criar agora uma história que desvie o meu cansaço.
"Memórias de um urubu:
Eu sempre fui um urubu comum, até hoje. Hoje eu sei que é meu último dia por aqui, então resolvi me despedir.
Fui dizer adeus para as leoas, que sempre foram tão boas em me prover seu resto de comida. Acontece que elas nunca tiveram antes ouvido falar de mim, e me disseram que sou um tolo, pois sempre perdi para elas os melhores pedaços.
Me desestruturei de raiva, e fui caçar minha própria comida. Só me esqueci que nunca havia caçado, e então fui atacado um bicho que eu nem sei o que é.
Agora estou no chão, e acho que vou sangrar até morrer, mas achei bom deixar por escrito para os outros urubus que continuem a desfrutar de sua tolice, pois não há nada mais belo que ser tolo, mas não deixar de ser o que é.
Meu último adeus.
Urubu."
Achei fora de propósito, mas tenho certo alívio nos tendões. Acho que vou jogar esse escrito fora, porque teho mais de trinta anos e ainda me contento em escrever fábulas sem sentido.
Melhor não; vou deixar então o sentido pra depois, mais tarde eu ajusto, porque agora a lixeira está longe e eu vou tirar um cochilo.