domingo, 29 de abril de 2012

Enquanto eu espero
E perco os dias tão dispersa
Em meio meus desesperos
Outro dia logo começa

Atrás de nós estão as dores
De um passado relutante
A cicatriz do que foram amores
E os medos incessantes

No meu falar não serei clara
Me resta o fado da incerteza
Do confundir das palavras
Inebriando os raios de clareza

Ouvindo tudo aquilo que me diz
Luto contra isso que renasce
Que no meu peito surge criando raiz
Espero que vá embora e logo passe

Que eu o negue enquanto puder
E o mantenha ofuscado em meio a mim
Que eu cesse minha maneira de te querer
Pois outrora já me perdi assim

E que não subentenda meu anseio
Busco integrar-me a ti
Compreender teus devaneios
E então prender-te a mim
Sem que saibas do meu desejo

terça-feira, 17 de abril de 2012

Fúria.

Queria ser digno de todo seu ódio
Causar na sua cara a face do repúdio
Encontrar nos seus braços desprezo temporário
Achar em ti algo além de um afago rápido

Quis seus medos de maneira única
Quis me desfazer em suas vontades como mágica
Quis deitar-me nos teus braços em meio ao tédio
Enrolar-me nos teus defeitos nas manhãs de sábado

Desejei ser parte de suas renúncias
Sentir suas falhas e teus desejos íntimos
Fazer-me próximo a ti nos momentos ínfimos
Acabar com a vontade que me deixa mórbido

Encher minha mão nos teus impulsos físicos
Achar no teu cansaço o que me faz único
Acabar com meus devaneios nessas frases sólidas
Fazer de você minha prisão e meu alívio

Recitar-te os meus versos tão caóticos
Receber o teu sorriso numa vontade última
Abraçar a solidão de sentir essa cólera
E morrer novamente ao final desse equívoco

Busca.

  Todos os dias acordava insana, aquela menina. Sem sentido ou direção, robotizava seus movimentos até a hora de deixar a casa. Não via identidade em seu rosto, não sentia alegria em seu coração, permanecia aflita com a ideia de que jamais descobriria o amor novamente, açoitava-se com o temor da solidão, e para evitar esses fins, saía de casa todos os dias no intuito de depositar seu amor em todo aquele que passasse e lhe cumprimentasse, a cada bom dia anônimo ela enchia seu coração, e o esvaziava com cada adeus.
  Ela permanecia imóvel na sua falta de motivação, permanecia intacta. Dia desses decidiu que ajudaria todos aqueles que, aos olhos dela, necessitassem de ajuda, quis ajudar as crianças e velhinhos a atravessar a rua, quis sentir-se completa, dividir tempo para ouvir as histórias das pessoas, nem que fosse para não dar conselho algum e deixar que chorassem em seu ombro apenas pelo prazer de acariciar-lhes o cabelo. Mas tão grande era sua boa vontade, quanto ínfima era a vontade daqueles que deviam ser ajudados. Não havia tempo, nem espaço na vida das pessoas para que uma pequena lhes desse atenção e carinho, foi desprezada pelas bocas e então afastou-se, sentiu-se ainda mais desmotivada e estranha, quis mais ainda entrar no comando automático da vida e deixar de se afetar pelos que a rodeavam. 
  Quis ela, num ato de desespero, deixar de lado seu orgulho e jogar-se em busca de ajuda nos livros e nos consultórios. Não demorou muito a perceber que todos os humanos talvez passassem pelos mesmos temores que ela, e buscar solução para essa fúria agonizante não era nada, senão um ato egoísta, que não a ajudaria em sua missão de dividir amor entre as pessoas. Ela estava desesperada na esperança de encontrar alguém em que fosse possível depositar todo aquele amor incondicional que sentia, não pela vida, não pela dinâmica do universo, não por Deus, mas pelas pessoas, unicamente pelas pessoas e seus modos agitados. Ela enxergava inspiração nos impulsos subjetivos das pessoas, tanto quanto em sua maneira automática de levar o cotidiano, ela via nas pessoas o melhor meio de salvar-se de si mesma, ela queria as pessoas também por um ato de vaidade, e talvez justamente por ter essa consciência jamais conseguia se aproximar com clareza, jamais conseguia deixar expressos abertamente seus sentimentos, e jamais conseguia depositar em alguém todo amor que havia para ser depositado.
   Em seus dias sozinha, a mente quase lhe dava um colapso geral. Ela espantava-se com a maneira que seus próprios pensamentos faziam dela vítima daquilo tudo, ela não queria ser a vítima, não queria enxergar-se como a vítima, não queria toda essa auto-piedade, isso causava à ela repulsa. Mas  por fim, não conseguia enxergar-se de outro modo, via-se uma exímia sofredora do amor, como em tantos outros rostos, ela deixava transparecer sua necessidade para esperar que viesse ajuda-la, mas talvez agora fosse tarde. Ela queria ajuda, mas sua mente já se corrompera, a sensação de vitimização a fazia imaginar que o mundo a queria pelas costas, e louca, ela buscava alguém que fosse realmente digno do seu amor, enquanto o tempo passava, ela se corroía em solidão, deixava esvair em seu peito a dor e a lástima de não achar ninguém compatível com sua vontade de amar, sentia-se acuada pelas pessoas, pelos grupos de pessoas, e pelas formas que esses grupos tomavam. Ela queria-os por perto, mas não conseguia mantê-los por muito tempo, pois sabia que seu amor ali jamais seria aceito e jamais aceitariam-na como a forma torta e estranha pela qual se delineou ela, suas formas físicas e psicológica, e principalmente, não estavam prontos para o seu amor, havia muita ocupação na cabeça das pessoas, muitas preocupações, e de qualquer modo, haviam muitos outros dispostos a amar, tão dispostos quanto ela ou mais, então não haveriam motivos para que prezassem por esse amor louco que a corroía de dentro pra fora.
  Ela quis achar o amor nos vícios, nos prazeres efêmeros, quis viver cada dia como se fosse morrer no dia seguinte, quis acabar com seu próprio corpo para sanar  a dor de sentir a fúria dessa vontade louca de ter alguém que fosse capaz de aceitá-la em suas fraquezas, aceitá-la em seus incontáveis defeitos, aceitá-la em sua tortura. Mas como poderia ela querer que fosse aceita, se nem ela mesma conseguia aceitar-se. Corrompia sua boa vontade essa força estranha que a tomava de súbito, fazendo-a sentir-se desprezada e sozinha. Quis afastar-se e bloquear sua válvula de sentimentos, e assim o fez. 
  

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Aversão.

Ah, eu me cansei
De tentar atingir
Essa tal de maturidade
Só deixando fluir
A minha vaidade

E os dias vão
Estão cada vez mais escassos
E cada minuto a mais concluo
Que já me perdi em meus passos

Eu não sei honestamente
Se o que eu sinto é a idade
Ou se são meus atos inconsequentes
Que me aproximam da verdade

E a velhice amedronta
Minha maneira de seguir
Todos os dias me dou conta
Que o fim está por vir

E não penso, só minto
Me engano pelo tempo
Redijo o não vivido
Esqueço dos dias e contemplo

Desmentindo, renovando
Criando e me acabando
Esvaindo minhas forças
Em busca do insano

De crescer e falar do sucesso
Não faço mais questão
Me perdi no universo
Da falta de razão

Vocês com seus ternos
Percam a vida desvairados
Iludidos no falso alento
Das mentiras do mercado

Na loucura do valor
Perderam-se todos
Embalados pelo vazio
Por crer que não são loucos

Me afaste a normalidade
Dessa maturidade regrada
Não deixe morrer em mim
A força que exerce o nada

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Em silêncio.


  A cabeça doía, pulsava, e de mais uma ressaca ele tentava se recompor, tentava assimilar os fatos ocorridos, tentava fugir da angústia de estar, como em tantas outras vezes, incompleto. Ele queria manter os pés no chão e olhar apenas para a perspectiva do presente, após tantas introspecções era mais do que claro que o grande mal da humanidade repousava na eterna busca por um ideal inalcançável que, eventualmente, acabaria em desilusão. Ainda assim ele tinha plena consciência de que esse aspecto do ser aflige toda forma de vida humana, e com ele não haveria de ser diferente. Novamente ele fora envenenado pelo poder do que as coisas poderiam se tornar, seduziu-se pela imagem de futuro delineada de maneira concreta em sua mente tão necessitada de alguma forma de ideal, por mais que isso fosse a fraqueza humana pela qual ele mais desenvolveu repúdio.
  Almejou desvendar tudo o que permeava a cabeça daquela mulher. Encontrou nela justamente aquilo que não procurava, e deixou-se levar ainda mais pelo fato ser fruto do acaso. Em aspectos ínfimos de essência, que são aqueles que podem ser reproduzidos pelo limite dos vocábulos, encontrou nela a empatia necessária para que a amargura de seu eu já não o afligisse tanto, encontrou nela um pedaço de solidão, uma espécie de melancolia que ia além daquilo que comumente as pessoas conseguem expressar. 
  Nessa pobreza de complexidade, por onde se estabelece normalmente esse tipo de sentimento, linearmente cresceu meio desconfigurado, meio descompassado, meio vulgar, essa vontade insana desprovida de racionalidade. Ele conseguia prever o futuro, sabia e sentia, com a mesma intensidade que sentia o crescimento daquele monstro de aparência ainda tão gentil, que o que viria em seguida acabaria, como sempre jogando-o na certeza ainda mais convicta de seu fracasso como ser humano.
  Ela não podia ser enxergada por ele como a provável solução de tudo aquilo que o deixava com esse sentimento de falta, ela não podia ser enxergada como quem o daria plenitude, ele não poderia usá-la como base para reconstruir seu coração já cansado, porque quando ela fosse embora, e com certeza ela iria, ele estaria de volta ao ponto zero, de volta ao seu fracasso pessoal, de volta à sua solidão que, dia após dia, tentava suprir com seus tragos, goles, e o pouco dinheiro no bolso.
  A tolice humana assume formas absurdas, e como o bom, velho e falho humano que costumava ser, ele se deixou levar por seus pressupostos. Preso por suas inseguranças, ele não saia do lugar, e ao querer expor suas vontades, frustrava-se ainda mais. Ele queria saber dos julgamentos dela, antes mesmo de pronunciar uma palavra. Ele a quis em demasia, mas por sua cautela em excesso permaneceu imóvel, manteve seguro para si suas palavras, ele conseguia prever que não seria bom o suficiente, que haveria no mundo muitos outros homens que por desventura, acharam naquela mulher o mesmo que ele, homens não tão vazios, homens cheios de léxico, homens fortes e muito mais atraentes do que ele, era desses homens que talvez ela precisasse, e não dele.
  E quem sabe ele fosse o que a complementaria, e quem sabe ela também encontrasse nele o que nem procurava, quem sabe pelos desatinos da vida eles tiveram de cruzar o mesmo caminho. Mas não haveria ninguém capaz de garantir, e pisar no escuro é deveras arriscado. O som da voz dele haveria de cessar se talvez ele deixasse-se levar da maneira desejada, e talvez ele escolhesse o melhor caminho em se calar. E talvez seja melhor, assim dessa maneira torta, dizer.

domingo, 8 de abril de 2012

Antes do fim.

Quero poder me orgulhar
Em acordar todos os dias e pensar
Que nossa alegria se findará
Nosso amor, tão profundo, morrerá

Quero colher no teu sorriso vasto
O gosto amargo que tanto o corrói
Quero apreciar todos os dias o teu desgosto
E afastar com meus beijos
Essa amargura que te destrói

Quero dia após dia perder a linha
Desmontar o retrato seu
Quero pelo prazer do sufoco
Saber o quanto teu coração sofreu

Quero partilhar tuas angústias
Partilhar o medo e a solidão
Quero teu sorriso largo e solto
E então debruçar-me
No teu gosto pela escuridão

E todos os dias me levantar
Sabendo que teu amor não me falhou
Sabendo que de tão completo e belo
Esvaiu-se pela janela e secou

E das amarguras
Faça-se mais uma
Nas minhas longas lutas
Encarne outro monstro em sua figura

Não deixarei de lembrar do seu gosto
E estarei presa ao teu cheiro por longos dias
Não deixarei morrer o teu rosto
Em meio minhas memórias feridas

Quero teu cabelo desgranhado na minha cama
Olhar nos teus olhos sem precisar falar
Quero teus desalinhos, tuas falhas
Te beijar outra vez antes do amor acabar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ônibus.

Eles entram, todos afobados, distanciando ao máximo o olhar alheio, estavam exilados em seus universos e tinham medo do choque, do encontro colossal de umas almas com as outras. Estavam sujos, nulos, ou quase nulos de humanidade. Como robôs que dia após dia cumprem sua função e voltam para o repouso, estagnados numa realidade quase moribunda, sem perspectiva de mudança e agradecidos pela benção de ao menos poder contribuir trabalhando, contribuir sabe-se lá com quem ou o que, o custo benefício da rotina exaustiva já os fazia duvidar se havia mesmo algum ganho pessoal.
Muitos ali rezam aos sussurros pedindo prosperidade na vida futura, muitos outros, com medo, questionam a memória de Deus, que parece ter-se esquecido do homem frágil e trabalhador. Talvez fosse o próprio Deus que os estivesse testando com um intuito por nós desconhecido. Deus ainda não foi questionado, e ainda como robôs, desprovidos de qualquer resquício de dignidade, ungem-se ao passar na frente da Igreja. Não se questiona o porquê aquele amontoado de corpos que emanam cansaço têm de se submeter à esse mórbido cotidiano. Calam-se, tampam a própria audição com seus fones, e evitam qualquer contato visual.
Correm loucos, para achar assento, trombam-se como quem disputa uma presa para não passar fome, passam desesperados na roleta e então cumprem seus papeis de bons cidadãos.
Os que cansam-se, dali logo somem. Os afortunados deixam de comer para garantir outro meio. Os que já não veem sentido nessa porra cotidiana talvez voltem para cobrar o valor monetário, com uma arma nas mãos, o preço da dignidade que lhes foi roubada ao longo dos anos; e este trará rebuliço e indignação, porém irão se posicionar do lado errado da moeda.
Ao final do dia, irão colocar-se em suas camas, ligando a televisão para assistir o suposto aumento na violência, e acharão um motivo a mais para resignarem-se em seus sofás nas tardes de folga. Aquietarão suas almas na oração noturna, dormirão até a próxima manhã de trabalho, pelo qual eles guardam desprezo, mas acreditam ser a melhor forma de no mês que vem parcelar uma televisão nova.

Pseudismo.

Vamos sentar e falar sobre imoralidade
Sobre a irrealização louca da sua vontade
De ser o centro do universo
Vamos então falar do inverso

Você ainda não se deu conta
Que sua luta não desprendeu-se do sofá
Você quer é uns elogios
E então ir reclamar noutros ouvidos

Quanta insensibilidade
Não compreendem minha peculiaridade
Olha como eu sou subjetivo
Sou fruto vivo do pós modernismo

Estou criando novos vocábulos
Para soar mais conceitual
Na realidade é só meu jeito educado
De achar quem chupe o meu

Pauliceia Desvairada, que falta me faz
Por onde anda o modernismo
Que já não encontro mais
Me leve para 1922, ou 1968, tanto faz

Vamos discutir o verso livre
Vamos montar umas bandas
Vamos expor um mictório
Falar de gente imunda
Compraremos uns móveis usados
Recitaremos poesia vagabunda

Todos sabem que você só quer o que eu quero
Mas antes, paremos num boteco
Para embriagar-nos, e discutirmos Zaratustra
Comemorar nosso fracasso sem lembrar de nada na segunda

terça-feira, 3 de abril de 2012

Pare de acabar comigo
Pare de coibir meu desejo
Deixa-me em juventude
Deixe-me entre amigos
Que a solidão só te aumenta
Que o seu aumento é só solidão
Para de me prender, me morder
Para de sugar até a última gota
Do meu anseio de ser quem quiser
De falar sem tropeçar
De eu amar sem que você destrua
Deixa que eu rode na dança
Deixa que eu beije o rapaz amargurado
Sai com essa sua pretensão
E deixa que entrem os capazes de sanar
Deixa que eu preencha meu vazio
Deixe ao menos minha vontade de tentar
Afasta de mim sua força
Afasta de mim suas grades
Afasta seu nome, seu cheiro imundo
Afasta essa malícia que me bloqueia
E seu ímpeto de querer me controlar
Afasta-se de mim, afasta-se