terça-feira, 27 de março de 2012

Dentro de mim, vazia de tudo.

Hoje me levanto no ímpeto de ter quem me queira, no desejo de sentir-me integrada com tudo aquilo que parece me fazer bem, porém, permanece à mim inatingível. Eu quero hoje enroscar-me nas discrepâncias da minha mente, quero desenhar sem linha aquilo que eu não consigo alcançar de maneira nenhuma, quero me sentir viva através do vazio que tanto me agonia, me arrasa, me deixa cair no abismo sem fim da minha mente.
Eu preciso que as vozes alheias a mim aceitem minha tortuosa maneira de ser, tão desajustada, quase sempre silenciosa. Preciso que acabem com o meu silêncio, antes que o silêncio acabe comigo. Preciso hoje, mais do que nunca, do sorriso dos que estão do lado de fora para confortar meu desalento interior, calar minhas mágoas profundas e manter minha mente sã.
Que eu não caia mais no meu abismo sozinho, que eu fale da dor e ache nas palavras um sentido novo para complementar a minha vivência errante. Quando eu for derrubada novamente por tudo isso que me açoita de maneira tão sutil, que o chão tome gosto pela minha carne e que eu sinta no sofrimento um novo alento, e que o chão me expulse quando eu recolher meus pedaços para que eu não desista do caminho, e nem me prenda eternamente ao chão.
Minha própria companhia me sufoca, estou o tempo todo sozinha e amedrontada enquanto meus pensamentos tomam conta da minha pequenez demasiadamente humana, eles emergem daquilo que há de mais profundo em minha consciência, me nauseiam, me sucumbem ao limbo de estar presa e imersa à imensidão na qual eles flutuam descoordenadamente, sem direção ou sentido, fazendo de mim instrumento para as mais insanas formas de introspecção, fazendo da minha mente uma máquina que pulsa anseios e vultos de essência que mal tem por onde sair.
Esse tempo não passa, essas vozes não me alcançam, eu quero esses sorrisos, quero rir com o externo, quero sair de mim e libertar-me da loucura de sentir-me tão presa às minhas ofuscadas relações com meu próprio eu. Quero a liberdade de mim, quero meu eu no todo, quero pedaços de ti, quero acordar de novo para finalmente sorrir com a alma, sorrir em paz.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Audição desalinhada.

Nesse poema de pouca rima
Ouço torto esse som morto
Que nasce em luz e pouco a pouco
Cresce e desatina
Sei que não mais aprecia
O deleite de sentir-se pleno
Que não ouve mais no vento
O canto nu e sereno
Do pouco que ainda tem seu valor
Do som onde cresce o amor
Sei que teus ouvidos estão lacrados
Que rimas soltas te são um fardo
Que de mim pouco te encanta
Mas por favor, não vá
Ouça o que nasce do canto puro
Dos pássaros que inundam o fim de tarde
Sinta que em mim estará seguro
Que em meus braços encontrará felicidade

quarta-feira, 21 de março de 2012

Se.

E se teu sorriso me fosse claro
Se tuas palavras me fossem abertas
Se eu me encontrasse entre seus lábios
Me sentindo quase completa

Se tua risada não parasse de ecoar
Permeando minha insólita mente
Se suas formas não me encantassem
Dessa maneira inconsequente

Se tua voz não marcasse
Cada canto da minha consciência
Se não me enchesse de desejo 
De acordar como sua menina

Se não fossem tão desmedidas
As minucias de minha essência
Se no meu amor descabido
Houvesse espaço para inocência

Se eu me sentisse como parte
Do grupo de almas que você habita
Se eu, de súbito, não me calasse
Por sentir-me em meio a eles coagida

Se com os olhos da alma você me olhasse
Se enxergasse minha maneira torta
Se não te constrangesse meu amor disforme
Pra tua alma eu abriria a porta


segunda-feira, 19 de março de 2012

A vontade.

  Eu assisti ao desejo encarnado, corrosivo, reprimido, tentando criar vida pelos atos, pelo mover dos lábios. Eu assisti passo à passo, de camarote, o levantar do império da vontade louca, insana, sem pé no chão. Eu vi flutuarem as letras, vi o sorrir distante que trocavam, vi o falso desprezo, vi o ímpeto do proibido. Quis fechar os olhos para fingir não perceber que aquilo que cruzava entre eles me fazia sentir o queimar de minhas veias, quis negar o sofrimento ocultando meus próprios sentidos, menti para minha mente negando tudo aquilo que eu enxergava, negando a vontade de que se concretizasse ali a fúria infinita desse maldito e perturbador sentimento, que rouba a fala de quem assiste, que rouba o ar de quem sente, que faz da vida uma imensidão de incoerências apontando sempre para a concretização sempre tão mal estabelecida desse tal de amor.
 Desgostosa com a singularidade da palavra amor, queria sentir outros fonemas, banhados daquilo de mais errôneo na insanidade humana, eu quis que aquele amor se concretizasse, mesmo que fora e muito além de mim, eu esperava por ele. Estávamos todos cansados da última festa, todos mergulhados no choque dos sentidos sóbrios, todos com os olhos inchados de ressaca moral. Naquele silêncio, todos nós sabíamos que eles se pertenciam, que não importava o gênero que se fazia presente ali naqueles dois corpos, a única coisa que me era sabida era que aquelas almas ansiavam uma pela outra com a necessidade de fome, com a necessidade de prazer. As almas transmitiam por si só todas as palavras que penetravam a pressão daquele ar em meio aquele silêncio sórdido. Nenhuma palavra foi dita com os lábios, não era necessário.
  Eu sentia, forte como uma chama, que aquilo que aqueles corpos procuravam estava disposto  ali, todo meu ser queria assistir o concretizar desse império de sentidos que se abstraiam em meio a força dos nossos olhares calados. Eu sofri por essas almas, sofri pelo latente ardor do impossível, sofri pelas celas invisíveis que prendiam essas almas tão distantes, mesmo que tão necessitadas uma da outra. Eu quis chorar por elas, quis amar por elas, quis beija-las, alimentar-me daquela imensidão inatingível que o magnetismo entre os dois corpos causavam dentro da sala.
  O estado daquelas quatro paredes já se havia se tornado insustentável para mim, e eu já não podia mais ficar calada assistindo aquele mórbido funeral dum amor que mal nascera, eu precisava sair. Eu abri a porta, cambaleando, sentei-me do lado de fora, enquanto as almas ainda nadavam caladas no limbo da vontade de concretizar aquilo que a razão nega, mas os olhos insistem em entregar.