segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Devaneio de Solidão.

Depois da noite passada, acordei com esse vazio existencial. Me faltava existir através dele, ele não estava presente ali ao meu lado, como em tantas outras manhãs nas quais seu cabelo bagunçado era a primeira coisa com a qual eu me deparava. Ele foi embora, disse que sentia em mim FALTA, que em mim não havia apoio, e que minha conduta moral mal estabelecida causava nele repulsa.
Ávida, nascia em mim uma dor amedrontadora, magnificamente cruel. Senti-me atraída pela falta de pulso da morte, pois ali o que me pulsava era apenas o veneno da dor. Continuei na cama, imóvel, paralisada por esse inescrupuloso sentimento. Doía a minha respiração, doía cada pequeno movimento dos meus órgãos vitais.
Meu pensamento esvaiu-se por tempo indeterminado, e então voltou, sorrateiramente pelo canto do consciente, como quem saiu pra fazer festa enquanto me deixava à mercê da dor. O pensamento reapareceu desconexo, mal elaborado, devido à uma palavra associada à luz que veio a tona do inconsciente pra o consciente. Começou então, o pensamento, construir teias de tudo: de mim, dele, do quarto, do cheiro de cigarro no cinzeiro, de vertigem, de vento, de vácuo, de amor, de lástima.
Quis reconstruir, agora com a dor amenizada, a cena da noite anterior. Mesmo que eu conseguisse ver os gritos, ouvir as caras de desprezo, sentir o cheiro da textura da parede na qual me encolhi, e apalpar o cheiro interminável do cabelo dele, tudo me era passado em vultos. A única coisa que eu podia enxergar com clareza era a frase: "Você não é sincera." Sentei na cama, entorpecida pelo som daquelas palavras que ecoavam na minha mente, e então deixe-me tomar pelo vício da escrita, que me dá fuga nesses momentos.
Sinceridade. Creio que de todas as existências que por não existirem tomam forma num vocábulo uno e crú, sinceridade é a que se faz menos real. Apesar justamente de estar na posição contrária àquilo que, de certa forma "existe", tal vocábulo é enaltecido pela natureza dos homens, que atribuem à tal equívoco valor em demasia.  Por mais paradoxal que se façam minhas palavras, talvez, se utilizarem a estrutura mais lúdica que têm, consigam acompanhar com clareza tal desventura mental.
Poderia agora mesmo reformular tudo o que havia escrito neste último parágrafo e mutá-lo de maneira quase irreconhecível à partir do mesmo princípio, ou se eu quisesse, à partir de um sentido oposto.
Sou, de forma sucinta, uma massa maleável e extremamente moldável, não unicamente por adaptação social, mas também pelo conforto do ser.
Retrato-me em pequenos versos, risadas, desventuras, e, acima de tudo, não sou sincera porque não tenho onde embasar meu modo para julga-lo sincero ou não. Não estabeleço comparação de meu modo com nada, não de forma absoluta, e não o tempo todo. Não sigo uma ideia pela qual sou extremamente fiel, não sigo uma única pessoa durante um longo período de tempo, não consigo, adapto-me. Remoldo-me.
Conclui que minha capacidade de mudança é tão majestosa, que não concluo coisa alguma. Se não me fosse atribuído o dom da escrita haveria me esquecido até mesmo de quem sou eu nas fotos, ou nos espelhos. Se não me fossem atribuídas as fotos, de fato não me encontraria nos versos. Não paro em apenas uma parte de mim, sou todas as minhas partes distintas, em momentos distintos, e apesar disso, não sei distingui-las.
Apesar das lembranças dos rostos, dos versos, há em mim esse mau hábito de confundir o vivido. O vivido não é vívido. Não mais vívido que o sonho de duas noites atrás ou do conto que inventei semana passada.
Não tenho consistência nem mesmo nos fatos, nem mesmo nas letras. Os fatos ficam interessantíssimos se narrados, porém, apesar de pitoresco, o que me ocorre é que não há substância naquilo que narro, tudo o que conto já não é mais o que fora, e agora, ao conta-lo está sendo algo novamente, mas de maneira diferente. Quando lido, o conto não terá mais a mesma conotação, a própria palavra terá mudado, a distribuição de cada letra terá mudado, o texto deixará de ser o que me aparenta ser agora. Nem sequer o texto me é sincero, é tênue, não faz jus ao meu intuito, não escancara de fato o que me está preso: libera apenas uma pequena parte dessa minha substancia mutável e a deixa mudar através de cada mão pela qual sera sentido o fervor de minha mudança.
O sentimento que me aflige em relação aos seres que acreditam que há em mim sinceridade, não pode descrito com outro vocábulo senão - não, não há vocábulo. Todos os vocábulos são ínfimos, há em mim essa coisa estranha: não há nada.
Que um dia decifrem minha anormalidade psicológica da maneira que lhes for mais conveniente, que atribuam à mim adjetivos perversos, que digam que não há em mim um limite. Vos digo, o limite existe, mas não tem base para se guiar. É desconfiado, e portanto, se adapta e reformula-se de acordo com - sem acordo algum.
Meus limites desenham linhas na imensidão e permitem-me ser tudo: apaixonada, bondosa, má, cética, racional em demasia, permitem-me ser vil, correta, fora da lei, justa. Me permitem encantar e ser encantada, sentir desdém e enjoo, sentir amor. Abrem-me as portas para os impulsos mais insanos da humanidade, expandem-se, fazem com que eu goste do sujo e do mal feito e o odeie logo em seguida. Faço-me então uma construção histórica, social, psicológica e individual - desconstruo todas as construções que eu deveria ser, e finalmente: NÃO SOU.
Não me sinto nas multidões, e quem eu vejo no espelho sempre teve um nome diferente do meu. Já me denominaram de tudo, e eu atendi à todos os nomes.
Já quis me descobrir, dizer quem sou, achar minhas formas, definir meu molde. Quis acima de tudo ver sentido para o que em mim se construía, nos meus amores, nas minhas ilusões. Quis culpar tudo, e à mim mesma, e talvez um dia, eu queira tudo isso de novo. Eu fixo é supervalorizado, prezo é pela celebração do eu mutável.
Nisso tudo encontro-me diante de um grande paradoxo em relação às palavras, o mesmo paradoxo que construí em relação à Deus, porém ao contrário. Você não consegue imaginar Deus, mas imagina as palavras que o compõe. Você imagina cada palavra composta, mas não consegue dimensionar nelas o que de fato sente - e é aí que nasce a incerteza e a inexatidão fascinante do homem. Ambos conceitos são dualísticos, porque são nossos, nós que mudamos tanto quanto qualquer pequena dimensão desse universo.
Haverão interpretações das mais bem argumentadas em cima de meu discurso, contrárias ou favoráveis, que por mais belas que se façam discorrer em seus argumentos, se coibirão ao encontrar o fato do argumento ser palavra, e de palavra ser tentativa de impor limite, e de limite algum ser verdade, esta não existe. Existem esboços de limites, mas verdade seria audacioso demais. A verdade não está nem sequer fragmentada. E que não confiem também que estas palavras dispõe de sinceridade, tudo é cíclico em volta da não existência real de nada - ou da existência transbordante de tudo.
Se um dia me perguntarem se não me atormenta essa falta de sentido, a resposta será incerta como têm sido cada dia um dos meus dias, ou tão previsível quanto qualquer um dos meus atos para preservação da aparência social. A resposta será tão certa quanto o movimento do relógio e a imagem produzida pela palavra barco, e o som produzido pela palavra chuva, e o cheiro produzido pela palavra orégano, e o limite imaginário imposto por cada um desses vocábulos. Será tão certa minha resposta que nem eu mesma lhe atribuiria mal julgamento; a julgaria por um momento e, quando tomada novamente por um devaneio, destes que me tomam quando pego o papel e a caneta, atribuiria a tal resposta sentido algum.
Quero muito mais que números, quero mais que nomes, quero além de ideias, quero pessoas. Pessoas pelas quais meu desconforto tome jeito, se alinhe e torne-se suportável - pessoas que deixem forte minha mais vil fraqueza. Pessoas pelas quais tudo tenha mudança, pessoas que errem, e que também causem em mim repulsa pelos seus acertos, e gosto pelas derrotas.
Mesmo no social, não sou una. Multiplico-me e diminuo minha capacidade intelectual pelo simples gosto da fuga do meu eu. A disfunção que o social causa em mim é bela, encontro na mudança limiar do outro indivíduo os limites das minhas próprias mudanças, como numa troca perfeita, por ser humana e tomada de imperfeições.
Sinto agora dele a falta. Falta de ter em quem depositar o que sinto, encontrar o conforto na falta de pensamento, no cheiro dele, e só isso, nada mais. Sinto falta dele, pois ele não deixa meu eu sozinho, gosto do eu que montei junto dele, gosto das mentiras que pra ele inventei, gosto das mentiras que com ele construí, gosto da parte dele que se aconchega em mim de noite, e gosto da parte dele que se faz comigo, por mais que outras partes dele se montem por aí. A falta de amor é complexa, é a falta dos erros, desacertos, de cada maldade cometida de um para o outro, e do magnetismo trocado mesmo assim, a falta do amor é falta de ter em quem construir a base para que suas fraquezas tomem forma. A falta dele pra mim, tem cheiro de solidão, que tem cheiro de morte, que é pior do que o cheiro de sofrer com ele ao lado. Sofrer com ele ao lado tem cheiro de cabelo, de papel novo, de amor - e de tudo que para os vocábulos é intransponível.

sábado, 10 de setembro de 2011

Canção da Falta.

Aqui nessa terra
Vasta e de palmeiras
Onde cantam os deputados
Faltam bocas que gorjeiem
Pelo poder que nos é tirado
Faltam olhos que indignem
Essa falta de escrúpulos
Faltam mãos que assassinem
Esse espírito corrupto
Falta paz, mas falta mais
Falta verso, falta veto
Falta uma concepção nova
E um sujeito capaz
Falta sentido
Falta abrigo
Esbanja exclusão
Que corre e envenena
Oprimindo cada cidadão
Falta liberdade, criatividade
Falta mesmo é expressão
Sobra no peito do povo a vontade
De aqui estagnar-se
E responder: tá bom, tá bom...
Falta guerra de vontade
Falta revolução de pensamento
Falta anseio pela realidade
Encarar novos conceitos
Falta luta, faltam mãos
Falta dignidade, aqui trocada
Por um pratinho de arroz e feijão

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Equívoco.

De onde vem o sentido
Do sentimento configurado
Achas mesmo que há um trilho
Para encontrar o bem amado
Achas que amor é escrito
Definido conforme as regras
Que alegria tem motivo
Que há receita só pra ela
Desalinhe a linhagem
Ache o rico no vagabundo
Ache as belezas do mundo
Que é teu
Só teu
Pleno, teu
Refaz tua cabeça
Reencontra a beleza
Reencontra os valores
Reencontra os desamores
Recrie o conceito
Desatine o direito
Remonte de outro jeito
Viva do que te agradar
Acha-se sem procurar
Torture o torturar
Não pene o viver
Só o faça se quiser fazer