quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Jogo do poeta.

Enquanto correm quentes
Pelas linhas mortas
Do papel frio
O ardor incessante
De cada minuciosa palavra
A alma sorri
Num alívio profundo
De poder desaguar suas mágoas
No infinito e complexo mundo
Onde permeiam todas as palavras
Onde se é válido cada segundo
Fazem firulas essas danadas
Remontam e ecoam no eterno
O sofrer do poeta moderno
Que na pieguice de soltar os verbos
Sente-se novamente vivo
Alimenta-se do ofuscado brilho
Dos versos que, penosos,
Trazem ao espírito um novo riso
De passo em passo
Se consolidando
Os sentimentos tomam forma
Pelas letras aqui brincando

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Mania corrosiva.

De excesso de linguagem, ele já não cabia dentro de si. A arte da demagogia que o infesta de humanidade, o fizera também vítima de si. Era culpado de toda desgraça que açoitava seu próprio mundo, porque de tanta palavra e de tanto sentido destorcido ele se afogou em meio às letras e perdeu-se num deserto pequeno em extensão e incomensurável em essência.
Eles estavam do lado de fora, dizendo o tempo todo daquilo que eram feitos, justificando o fim certeiro com símbolos fonéticos, juravam que falavam de espiritualidade, para ele já não havia mais sentido algum naquela imensidão de nada justificando a ausência de coerência da vida.
Não, ele não podia mais pensar em palavra. Elas o sufocavam, deixavam-no imerso em um oceano de verdades duvidosas.
Que haveria de ser a loucura, senão amontoados sem fim de palavras desconexas. Que haveria de ser a moral, senão palavras que modulam aquilo que há de mais instintivo e abstrato na natureza do homem... ele estava farto disso, e mais além.
A realidade condiz apenas com a brutalidade dos instintos, e então, ele tentou enxergar o mundo de maneira selvagem, mas não o pode, pois as palavras acorrentavam-no. As palavras medidas eram malditas, pouco atraentes. A overdose de sentido fez mais sentido que o universo em sua imensidão inexata, que tenta ser compreendida pela exatidão da falta de criatividade humana.
Ele estava ainda mais cansado do fardo das palavras belas. O que o atraia era o poder do desmedido. Ele estava farto, farto de tudo, da necessidade insana de porta ser porta e não sofá. Da loucura que o sol tinha em chamar-se sol, e não esparadrapo. Ele quis despir toda a linguagem de sentido, e despir-se das correntes do seu próprio nome.
Finalmente, então, ele soube que a quietude e toda a agonia da angústia profunda que açoita a humanidade não tem outra explicação, senão a incessante mania de querer dar nome para todo pequeno detalhe. A mania de linguagem condena a existência humana.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Já não é.

Era um casal que já sofria
Do desamor do bem amado
Que não supre o esperado
Que põe-se em pranto pelo que foi

Seus sapatos gastos
Brincam de esquecimento
Jogados no canto da sala
Assistem a todo tormento

Sorrisos alvoroçados se foram
Hoje dormem murchos no chão
Da promessa divina
Resta hoje a sina
Dessa falta de paixão

Tira essa calça, que a cor não me agrada
Larga desse sorriso pouco oprimido
Deixa aí esse lenço que não pertence a você
Solta o controle que eu to vendo a TV

Desencanto desolado
Triste fim do doce afago
Aquele sorriso não mais se vê
Fecha essa porta você

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A loucura de Jack.

  Meus apelos impulsivos por um sentido já haviam perdido a cota, minhas palavras eram vazias, e meus pensamentos buscavam em cada pequeno detalhe uma distração. Eu não era mais capaz de suportar minhas próprias vontades, não tinha mais em mim a capacidade de olhar meu reflexo e observar que todo aquele amontoado de coisas estava cheio do vazio, da podridão. Não havia mais sentido algum naquelas horas acordada, e o sono que me era dado desperdiçava-se em pesadelos intermináveis.
  E tudo aquilo que eu tinha comprado, guardado e preservado também não faziam de mim muito mais que um amontoado de coisas sujas, usadas e nada originais. Eu era uma parte mal colocada e pouco relevante de uma imensidão quase lúgubre. 
  Eu quis me apegar aos santos, aos nomes, aos papeis, quis todas as músicas e todas as roupas, quis os quadros e o sofá da sala, quis os móveis bem limpos, quis a pia organizada, quis os produtos separados, quis os filmes e toda criatividade. Cobicei o luxo de prêmios, cobicei os elogios, as palavras, cobicei estar livre de qualquer angústia. 
  A falta de resolução me amedrontou como quem foge da própria da própria morte, e era exatamente dela que eu quis fugir quando os anos ainda não me tinham sequer chegado. Quis adiar, e fazer tudo para que as horas se prolongassem, em vão. 
  Não. Nem que eu me formasse, nem que eu me casasse, nem que eu tivesse filhos, nem mesmo o contrário. Nem que eu me embriagasse, nem que eu chorasse, nem que eu tomasse meus remédios com precisão, tudo era vão, e vazio. Nem que eu me deitasse com o homem mais belo, nem que eu tivesse a noite mais prazerosa, nem que eu ganhasse todo o dinheiro, não me valeria de nada. Nem que eu mudasse de igreja, nem que eu sentisse uma alma, nem que eu ouvisse o sacerdote, nada pode me tirar do anestésico breu da minha mórbida realidade.
  E não foram as festas, as transas, não foram as cartas, as roupas, nem os produtos de beleza que me trouxeram até aqui. Aqui estou porque é por aqui que os restos ficam, as escórias, as sobras. Neste pedacinho de terra estão as cabeças que se super valorizam, e só veem o brilho naquilo que vem da fala.
  Da fala que resmunga voraz na minha mente a todo instante, veio a glória do chão, a glória do choro e dá raiva, a glória da consumação do grande nada no fim da vida, a glória da dor. Gloriosos momentos de quem cai, gloriosos momentos de quem se afoga, os gloriosos momentos de quem sente que não há nada que reverta esse quadro terminal, de já começar morrer quando se nasce. Estamos com os dias contados, cristãos ou pagãos, acabarão em restos daquilo que mais desprezam.
  Não sou os papéis, nem as letras na minha identidade, não sou as cores que eu vejo, não sou meu cabelo hidratado, não sou as músicas de alegria, não sou só felicidade, não sou só tristeza, não sou só esse amontoado louco de letras que de tão desesperados não mudam nada. Não sou o status, nem nada que compro, não sou feita de nada que não acabe. 
Eu sou a mesma matéria em decomposição como todo o resto. E nós somos todos uma parte da mesma podridão.