sexta-feira, 22 de abril de 2011

De envelhecer.

E então passaram-se os anos. Seu cabelo cresceu deveras vezes, e foi cortado tantas quantas fora preciso. Sua voz mudou a tonalidade, cada vez ficando mais e mais grave, perdendo a cada dia um pouco mais da altivez juvenil. Agora lhe aparecem então esses fios na cabeça, esses fios que já não aceitam a pigmentação natural, que já dispensam o apego pela cor, que tornam-se dia após dia mais acinzentados e menos volumosos.
Tudo está constante, como sempre estivera, mas agora já é difícil reconhecer seus próprios traços no espelho, a pele se nega a ter o mesmo aspecto exuberante que tivera até ontem mesmo, e tudo lhe parece fugaz demais, tudo lhe parece rápido demais, embora tudo passe por seus olhos em câmera lenta.
Qual fora a última vez que sentara diante ao mar e contemplara toda a doçura dos traços da natureza? Quando sentira pela última vez o cheiro da maresia que invade as narinas e faz de si a utopia? Não se sabe, sabe-se apenas que não lhe existe mais o tempo. O tempo está desfigurado, o tempo não tem mais a quantia exata que lhe foi definida e se conturba cada vez mais e mais. Sente falta de quando o tempo demorava a passar, enquanto brincava de invadir poças em meio à chuva torrencial. Não se lembra mais do cheiro da chuva.
E os olhos? Os olhos que brilhavam ao anoitecer, que tinham por si só o sorriso, hoje não lhe parecem mais  imponentes. Os olhos estão esbanjando em todo seu diâmetro o cansaço dos anos, e em especial, o cansaço daquele dia ruim. Os olhos também não conseguem mais chorar, talvez as lágrimas todas tenham sido levadas na última desventura leviana em que se envolveu. Os olhos não lhe tem mais a capacidade de falar, refletem apenas aquilo que fora e hoje já não é.
Mas de tudo que perdera, de toda a beleza que lhe fora levada durante aqueles anos, de toda alegria de viver que fora-lhe tomada, o que mais pesa na balança do tempo é o fascínio, ou melhor, a falta dele. O fascínio foi levado embora, a inocência também não teve mais ali o seu lugar. Lembrava-se de tudo que tivera vivido, mas lhe era quase impossível descrever com as palavras o que fora aquele fascínio inocente que tivera somente até o fim da infância. A juventude lhe foi grata, mas não tanto quanto a infância. A infância sim lhe tivera trazido a graça, a curiosidade e o fascínio de cada dia, que se perdera fatalmente ao longo desses anos sórdidos.
Sentia falta da alegria ao encontrar o trevo de quatro folhas no jardim,  sentia falta das crianças que sujavam-se todas sem medo algum, que criavam todas as formas e todos os ângulos com o que podiam, que sorriam destemidas e choravam desoladas por causa do machucado no joelho. Sentia falta, sobretudo, da graça com que conseguia apreciar cada dia, e cada nova descoberta, sentia falta da facilidade com que o mundo lhe encantava, com que as pessoas lhe encantavam, tudo lhe era belo, tudo lhe era impecável em cada detalhe, sem ao menos se esforçar.
Malditos anos que trouxeram para sua mente a desgraça da exigência, a desgraça da aparência, a desgraça de estar são. Buscou nos vícios duas ou três vezes voltar a ver aquilo que via quando ainda não lhe tiveram corrompido a inocência, mas estava, infelizmente, diante de uma perca insubstituível e inestimável. Os vícios lhe trouxeram, com o tempo, mais e mais o peso de ser um adulto, lhe carregaram aos poucos para um abismo existencial, de onde jamais conseguira sair.
Pondera agora sobre o peso das consequências, pondera sobre o tempo perdido, pondera sobre as escolhas, e decide por fim, que é hora de se deitar.

sábado, 16 de abril de 2011

Doutor gato.

O moço sentou-se ao lado de seu gato, olhou-o profundamente nos olhos, suspirou, então deixou vir à tona o sentimento de tristeza que vinha prendendo dentro de suas emoções mais profundas.
-Sabe, gato, às vezes eu queria ser como você. Despreocupado, apenas sobrevivendo com o pouco que tem, que por menos que seja parece muito aos seus olhos. Você talvez nem saiba que um dia irá morrer, só desvia da morte, por instinto puro, e segue seu rumo de gato. Foi assim que você veio parar aqui em casa, fugindo da morte instintivamente. 
O gato o olhou intrigado, e então deitou na almofada. O moço, estava à vontade ali, e pode ver no gato a certeza de que era para o bichano que ele deveria definhar todas as suas preocupações humanas, como se aquilo fosse algum tipo de terapia asiática ainda não conhecida pelo mundo ocidental, mas que porém, faz muito bem à saúde mental. O moço sorriu, deitou a cabeça no encosto do sofá para fazer dali o seu divã, e começou sua divagação. 
-Doutor gato, o senhor não deve me conhecer, apareceu por aqui tem só umas duas semanas, mas imagino que já tenha visto por aí muitos seres humanos como eu. Sabe, nós somos de espécies diferentes, porém nossa classe biológica é a mesma, o que me deixa de alguma forma mais próximo de você. Num outro momento da história, você talvez seria o meu jantar, ou eu o seu. Eu não entendo muito bem disso tudo, e não me sobra muito tempo para ler, mas eu gostaria que você soubesse que nós, humanos, somos os seres mais horríveis da face da terra. 
Não adianta me culpar com esses olhos, doutor gato, você conhece essa fala. O ser humano é mal, é vil, e tem a maior vantagem entre todos os outros animais que é a razão, porém a usa de forma pouco gentil, principalmente uns para com os outros seres humanos. 
O ser humano não se basta por matar sua fome, sua sede, não cessa ao reproduzir a espécie, não foge da morte unicamente por instinto. O que de longe seria uma vantagem, no momento acarreta tudo de pior que já se ouviu falar. E eu estou cansado de estar no meio dessa corja. Não acho que seja o melhor ambiente, esse mundo dos humanos. Eu daria tudo para ser como você, doutor gato, de alma livre e livre de julgamentos.
Toda essa liberdade felina que você tem, seria muito bem vinda para mim. Olhe para mim. Eu tenho 35 anos. Tenho duas faculdades, duas pós graduações, e uma barba mal feita. Tenho um apartamento, tenho um carro, tenho boas roupas, e um emprego, e o que mais? Não tenho nada, doutor gato. Tudo me vem fácil, tudo me vai fácil, meus prazeres me tornam escravo, eu vivo por eles, e não eles por mim. 
Agora eu tenho você, todos os dias eu abro esse apartamento e te vejo com olhos famintos. Te dou comida, te faço meu, você é parte de mim, e meu coração já pertence à você, porém você não pertence à mim. Logo encontrará quem te dê mais carinho, quem seja mais seu, que te trate com mais zelo, que preze mais por você, e quando você for embora, eu estarei aqui ainda, nessa mesma condição degradante.
Não encontro muito sentido, sabe, doutor gato? Nem para fazer, e nem para desfazer, liguei tudo o que eu preciso ligar para ser um bom profissional, mas agora não sou mais alguém. Eu sou o número do meu cpf, e não sou mais quem eu era há 18 anos atrás, quando estava vivendo minha juventude com toda ferocidade hormonal, com toda a alegria de ser jovem. Hoje estou aqui, sendo o adulto frustrado que jamais imaginei que seria. Mas só você pode saber disso, senhor gato, só você pode saber. Não posso vender essa imagem derrotada para os que me cercam, porque eles também estão derrotados, mas nunca venderam esta imagem para mim.
Às vezes penso que eu não deveria ter feito essas faculdades. Elas me dão dinheiro, mas o que mais? Claro que o dinheiro é bom, mas o que fica depois que ele acaba, senhor gato? Não tenho amparo, não tenho família, e todos à minha volta estão muito corrompidos pelo egoísmo. Acho arrogância da minha parte pensar apenas em mim dessa forma, mas se eu não pensar em mim, vou acabar pensando no jogo de futebol, ou nas contas a pagar.
Não me sinto mais vivo. Acho que morri há uns cinco anos atrás, e nem é culpa de ninguém, nem mesmo minha. Roubaram o que eu era, roubaram minha essência, hoje eu sou apenas uma caixa de preocupações fúteis sobre as revistas de carros esportivos. Eu nem sei mais quem sou eu. Acho que virei produto.
Sabe gato, sua vida é meu maior anseio. Uma vida curta, porém plena. Você continua sua espécie, você come, você dorme, você corre dos perigos, e então morre, sem nem saber que morreu. Morre sem ter parado para pensar sobre o que é e o que deixa de ser. Você morre sem ter tido medo, sem ter tido válvulas de escape, sem ter tido vícios, você morre porque é a lei natural, e não se preocupa em entende-la, pois não há explicação.
Você é aquilo que eu mais gostaria de ser, gato. Sem álcool, sem cigarro, sem mulheres, sem computadores, sem revistas, sem padrões, sem preconceitos, você nasce felino e morre felino. Eu nasci ser humano, e vou morrer sem o humano, deixei o humano pra trás, agora apenas sou um ser. Não utilizo-me mais das vantagens humanas para nada, não sou altruísta, não vejo prazer num beijo, não uso meu dom racional, e por vezes esqueço que tenho polegar. Sabe doutor gato eu estava pensando que se talvez....
O moço ouve um alto ronronar e olha para o doutor gato. Incompetente, dormiu em serviço. O moço pega sua cerveja, liga a televisão, tira a gravata, e morre mais uma vez. 

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Primeira pessoa do singular.

Eu estava buscando inspiração, então digitei "eu", em busca dos rumos para escrever uma coisa agradável. Eu não é uma palavra boa para começar um texto, eu é tão complexo, e tão cheio de formas, eu não é um bom início, à não ser para aprender a conjugar verbos.
Todos passam a vida buscando os seus eus e morrem sem te-los encontrado, porque o eu, acima de tudo é uma variável. Eu busco o meu eu.
Buscar o seu eu é muito mais profundo do que buscar simplesmente quem se é. Isso te dão num pedaço de papel, assim que você nasce. Enquanto isso, os eus vagam dentro das nossas mentes como bombas relógio de fúria e de amor. São profundos, densos, intensos, são o deus de cada eu próprio.
Por vezes, penso que nossos eus são nossos piores inimigos, eles nos afrontam todo o tempo, para que nossa mente se abra e nossos olhos o vejam. Eles são sutis e muito espertos, eles sabem a hora para ficar e a hora de partir. Outras vezes, vejo nossos eus como crianças acuadas, com medo do nós. O nós é grande, o eles é enorme, o vocês é inexoravelmente maior. Nosso eu então fica ali, ele fica fazendo continhas de tricô, e soltando seus fiapos de insegurança.
Os eus são magníficos, porém fugazes, e deixam a vida mais poética. Eles tem uma complexa magnitude que os faz saber quando são queridos, e quando tem que deixar tudo vazio. São principalmente preguiçosos, esses eus, os eus gostam mesmo é que o vocês deêm conta do seu corpo, que o eles parasite na sua mente, para que você possa deitar no sofá no próximo domingo e assistir seu programa preferido de televisão sem dor na consciência.
Se durante toda nossa vida, fôssemos regidos apenas pelos nossos eus a vida não seria tão peculiar e detalhada, acredito que as batalhas que o eu trava com os outros sujeitos são importantíssimas para que a vida tenha sua euforia.
Mostrem seus eus, não os defendam, pois esses são trairas e logo mudarão de lado, mas deixe-os vir a tona para que sintam a energia que o eu tem ao encontrar-se com o você, com o nós, com o eles e o elas.
Eu não é vazio.
Meu eu gosta de paredes geladas, meu eu gosta de céu cor de rosa, e de tomar frozen capuccino. O meu eu é estranho, aparece de vez enquando, prefere me deixar dormindo, mais do que qualquer outra coisa. Ele talvez seja tímido demais para que o vejam com frequencia, ele gosta que meu corpo fique ao comando do nós e minha mente do vocês. Meu eu sofre com excesso de amor, mas não gosta de mostrar as lágrimas, prefere que o eles deixem-as escorrer pelo rosto.
Meu eu é nanoscópico e incomensurável. A mais gelada das estações quentes, e a mais quente das estações geladas. Meu eu é o X da equação, é a incógnita que eu morrerei sem achar o valor.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Dentes.

Ela mantinha o olho no papel. Firme e voraz, ela discorria suas palavras pouco refinadas no pedaço morto de celulose, querendo provar do que era feita.
Sua sabedoria incipiente ainda estava distante do que ambicionava, mas ela escrevia com liberdade sobre tudo aquilo que já tivera lido, tudo que sabia, tudo que pudera compreender até ali.
Ele parou ao seu lado e lhe açoitou com seu perfume sutil, que ela reconheceria mesmo a milhas de distancia.
Parou de desfrutar as delícias sublimes de seu devaneio e voltou à preencher linhas nuas com suas palavras tolas.
Tola, tola, tola. Agoniada, ela tentava exprimir o sopro daquilo que a faria viver novamente. Ela estava pulsante daqueles velhos sentimentos piegas que acendem o brilho no olhar. Ela precisava expulsa-los, espalhar-los, saborear o doce gosto das palavras que tinha em mente, sussurrando-as no ouvido dele, ele que reluzia aquilo que era apenas do domínio dela.
Os pensamentos desenhavam curvas indefinidas, enquanto a mão corria sobre o papel.
Quais palavras? Quais palavras? Ecoavam em suas mentes os vocábulos tanto da razão concreta, quanto da sabedoria indefinida do amor.
-Clarice, venha aqui.
Ela se colocou em pé num súbito salto, e em meio ao rebuliço sentiu o estranho, porém típico, embrulho estomacal.
-Ande, depressa!
Passo à passo ela caminhou repetindo as palavras que tinha em mente. Ela o faria agora mesmo.
-Sim, professor.- Respondeu aflita, do alto de sua gigantesca insegurança e de seu físico ínfimo e seco.
-Escuta, menina. Não te acho apropriado que andes por aí sempre sozinha.
Ela restringiu a resposta à um tímido abaixar de cabeça.
-E também acho que...
"Ache que sou sua"- pensava a agonia de sua mente.
-Acho que tua maneira deveria ser menos metódica. Acho que teus olhos estão sempre muito insípidos. Acho que tua cabeça está muito curvada. Acho que tu deverias ser menos devota aos desprazeres. Acho que deverias sorrir mais.- Complementou ele.
-Não são os desprazeres não.- Clarice balbuciou, ainda de cenho abaixado.
-Então o que haveria de ser, menina?
Ela sintetizou tudo num eu te amo apressado, que correu insano em sua garganta, mas que teve o desgosto de perder a força nos dentes cerrados.
-Nada não, deixa eu ir que tenho dentista.

Postagem rápida e de explicação.

Não, esse blog NÃO é para ser levado totalmente a sério. Eu não tenho ainda um estilo literário definitdo, portanto passo dos contos tradicionais, às auto análises, passando pelas crônicas cotidianas e os diálogos fictícios. Portanto, não acreditem que aqui está sustentada a imagem de uma escritora. Aqui é o retrato da alma de uma pessoa qualquer, que habita esse enorme aglomerado de gente chamado Planeta Terra, e como qualquer outro indivíduo da espécie Sapien Sapiens tem frustrações, e principalmente, necessidades de coloca-las para fora, necessidade de expor sua alma em forma de arte. A arte, nesse caso, é a literatura.
Não sei se ao longo dos anos terei uma base sólida o suficiente para manter meus escritos coerentes entre si, mas na realidade, eu espero manter minha escrita desordenada, pois assim posso ser e deixar de ser o que quiser, e com total liberdade conforme escrevo. Só peço que não me reprimam, não me apontem como má escritora, pois nem escritora sou. 
Quando eu tinha sete anos, eu tive que fazer uma redação para a escola, e acabei me soltando além do que os limites me permitiam, e foi ali que descobri que escrever era o que eu queria fazer, apenas com o intuito de ser quem eu era, e quem eu sou. A escrita tem feito parte da minha formação como ser humano desde que eu me conheço por gente, e nunca me lembro de ter escrito de forma coerente.
Lembro de ter tido vários diários, lembro de ter inventado códigos quando era criança, lembro ter um caderninho de poesias aos oito/nove anos. Lembro de ter começado vários romances inacabados, que geralmente não conseguiam passar das primeiras páginas. 
Hoje escrevo talvez um pouco mais enfaticamente. Em alguns momentos, tento transmitir idéias, passar mensagens, mas nunca com o desejo de me prender a esse único estilo de linguagem.
Enfim, o post rápido acabou ficando deveras longo, mas acho que falei o que precisava.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

É.

Desse jeito que ninguém gosta, daquele jeito que ninguém aguenta ouvir por menos de duas taças de vinho eu estava sendo, e sendo feliz do meu mau modo de ser. Meio acanhada de desamor, de amor terminado que ainda dói, eu estava sendo quem eu não era só pra esquecer quem eu tinha sido. Eu já estava bem e acostumada com a falta dessa coisa que todas as pessoas sentem por ter em quem acomodar o seu amor, eu estava feliz, mesmo que incomodasse, eu estava ali só esperando pelo próximo dia na mesma esperança de que nada acontecesse. Tudo bem, tudo bem.
No meu canto acuado e na minha tristeza mascarada eu estava escrevendo qualquer coisa sobre o movimento das ondas do mar, quando você entrou. Eu talvez não contasse com aquilo, mas eu sabia que era o seu cheiro. De alguma forma era todo o conforto que eu precisava, eu encontrei os meus trilhos endireitados na maneira como você me sorriu da primeira vez, e dia após dia eu tomava dentro de mim a certeza de que os seus olhos me guiariam para o meu recanto seguro, onde eu pudesse cantar sobre as coisas que eu ainda não estava apta a colocar em melodia.
Você tinha o que de mistério no seu jeito brincalhão, e tinha o sorriso mesmo quando se silenciava. Você era a mistura dos sentidos, e era a chave para o meu riso. E eu pensando em eternidade, me fiz segura ao seu lado, mesmo que você não me sentisse ali, eu estava intimamente ligada à sua alma, porque eu te quis bem desde o primeiro instante.
Eu gostava de estar sorrindo contigo, mesmo sem você, eu estava bem somente por pensar que você existia e eu veria o seu sorriso na próxima manhã. Doce ilusão de um coração que está carente de amor. A crueldade do destino as vezes é pior do que esperamos, e mais enfática do que deveria ser.
Quando meus olhos se despiram do encanto dos primeiros dias eu enxerguei monstros que me amedrontaram e me fizeram recuar. Estavam ali parados na minha frente, esperando uma movimentação para me devorarem loucos de fome, o monstro do ciúmes, o monstro da insegurança, o monstro da rejeição. Todos eles com sua cota de ferocidade, cada um com sua subjetividade intensa, todos me visando como objetivo da caçada.
O medo que cada um exercia sobre mim era tão intenso que despertava os meus próprios monstros interiores, que ainda eram fracos perante à eles, monstros cruéis e incertos. Eu então me vi sozinha novamente, tentando tocar no que não era meu e fazer meu o que não podia. Consequentemente, eu constatei nos meus pensamentos que eterna seria a saudade do que não tive, e que meu refúgio eram meus próprios sonhos não concretizados. Eu sei do que eu sinto, mas dá não, então deixa assim.

domingo, 10 de abril de 2011

Indo.

Estou passando pela vida, estou vendo como as pessoas sorriem, estou sentindo como as crianças choram. Estou passando sem destino, sem parada, apenas indo de encontro ao nada e ao tudo, àquilo que eu quero como se não soubesse o que.
Estou chorando, como se não fosse capaz de fazer todas as paradas que devo, estou sofrendo com cada tropeço, estou demorando demais para aprender a andar. Eu observo, e caio.
Como criança que aprende, eu engatinho, e paro. Eu estou passando, e mais vendo do que vivendo, e mais sentindo do que fazendo, e mais planejando do que colocando em prática, e assim eu passo, despercebida para tantos, passando, sentindo, chorando. Eu vou.
Estou colocando meu sorriso mais bonito para o passeio no dia chuvoso, estou com meu vestido mais sorridente para o velório, estou sorrindo e andando, estou enxergando sem olhar.
Com os corpos falsos, e os olhares fingidos, dissimulo-me perante as faces e choro sem perceber. Eu durmo no meu eu, e passo pela vida como quem não quer passar, quem fica e não faz, que está indo sem querer, quem está parada só perdendo, quem busca e não espera. Eu passo.
Estou lutando contra os ventos no meu vestido de rosas, porque não me toco e nem me sinto, mas me seguro sem ver, porque estou em busca do caminho, mas não enxergo com essas folhas, e nem com a chuva torrencial, não enxergo nem mesmo com o sol, eu não posso me ver, nem me sentir, eu só me seguro, e me acomodo, e vou.
Estou desapropriando-me da minha voz e do meu corpo, estou ficando com as minhas vestes e com a lua no céu, estou em meio ao nada, perdida, passando, andando, parada, tentando. Estou correndo sem movimento estou frustrada de alegria e chorosa de amor, estou indo, sem saber, sem querer, sem poder. Estou indo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Entendeu?

Entender é a tarefa mais complexa que já nos foi imposta desde os primórdios da vida humana. Entender é a junção das pequenas compreensões alheias, entender é não ver com sua própria visão, mas com a visão de todos.
É disparado então uma série de fatores que influenciam na compreensão, o primeiro deles, é a maneira com que nossos eus se compreendem como coisa, como ser, e é justamente aí que se encaixa toda a minha problemática pessoal. Eu não me compreendo, e nem sei se quero.
Me compreender seria me limitar à forma atual, e recuso-me a ser objeto, que nunca muda, que nunca pensa. Recuso-me a deixar a vida de lado para ter menos conflitos interiores, então conflito com meu eu, conflito com meu externo, e acabo por fim me frustrando com a falta de compreensão em que toda a minha existência está alicerçada, porque crer é necessário, compreender é anseio e não ser quem se é realmente, é a pratica da vida aplicada.
Quando eu morrer, me pergunto o que dirão sobre mim. Me compreenderão quando eu for carne morta, eu me compreenderei como carne morta, compreenderei minha morada abaixo da terra, compreenderei o cumprimento da minha sentença biológica, e quem sabe, espiritual. Entenderão as minhas formas exclamando que fui mais ou menos agressiva, mais ou menos simpática, mais ou menos humana; mas morreu, de qualquer forma, é o que acontece com todo mundo. mas tão nova? e os filhos e o marido? e o cachorro dela? e a herança? coitada, nenhum pra chorar no velório dessa pobre defunta. ela se foi, mas o que importa é que foi uma boa mulher.
As compreensões externas não me satisfarão porque toda a minha essência de alma permanecerá estática perante aos olhos dos outros, com aquilo que fui em vida, e morrerei sem a compreensão verídica sobre o que eu sou. É intensa a vontade de compreensão, porém é quase inútil sua aplicação, pois não se compreende o humano, não se compreende o abstrato e o fugaz.
Me colocam em gavetas fechadas de compreensão global. Mas não sou. Não sou porque não penteio meus cabelos, e não sou porque gosto de ficar em casa no final de semana. Não sou quem dizem, e nem estou onde me colocam, porque eu fujo, e não gosto de procurar a minha gaveta. Não o sou porque não gosto de cortar as unhas, e não o sou porque como beringela. Não o sou porque escrevo, e deixo parte da minha essência real nas palavras.
Minha gaveta não existe, ela é incompreensível como meu ser, como todo o ser, como toda a compreensão é, como todo o infinito azul e rosa diante dos nossos olhos negros. É infinito quem sou eu, e quem tu és, e quem nós somos, porque não somos, estamos sendo, e um dia seremos, e é só ai que nos compreenderão.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Silêncio.

Eu nem sei por onde começar. Até a noite passada, nós estávamos bem, você entende? Tudo corria perfeitamente bem, e foi aí que ela resolveu ficar calada. Eu até tentei dizer alguma coisa que fizesse efeito, mas o silêncio era a minha única resposta. Depois de alguns minutos, fiquei tão intrigado que não conseguia mais nem prestar atenção nas pequenas coisas que estava usando para me distrair daquele momento silencioso e constrangedor.
No princípio, eu estava imaginando que fosse alguma coisa relacionada comigo, mas ela me abraçou em meio à falta de palavras, então fiquei novamente com essa incógnita gigantesca na cabeça. O que tivera acontecido de tão grave para nos proporcionar aquela pausa? Eu não sei bem. Talvez fosse um pedido de apelo, talvez ela estivesse querendo dizer que gostaria que eu fosse menos ortodoxo, ou quem sabe menos trivial. Eu não sei, não consegui captar no olhar dela as palavras que lhe faltavam à boca. Ela estava me evitando até no olhar. Ela só me abraçava confortavelmente enquanto nossos dois corpos estavam imóveis e silenciosos na cama.
Perguntei, em meio ao calor do abraço, o que lhe ocorrera de tão grave para estarmos passando por aquele atípico momento de inação. Ela nada respondeu, apenas sorriu e virou para o lado oposto ao meu.
Imaginei então que tivesse mesmo alguma coisa a ver comigo. Fui tomar banho. Passei cerca de 45 minutos debaixo do chuveiro para tentar tirar de mim qualquer coisa que desagradasse as narinas dela. Voltei pra cama, e nada de novo.
Aproveitei a noite agradável de ontem e a convidei para sair. Ela não tirou o roupão, e foi até a porta. Ficou parada ali, apenas olhando, com aquele olhar pouco animado que para mim é quase doloroso.  Eu ofereci um cigarro. Ela nem balançou a cabeça para recusar. Sentei então aos pés dela e perguntei: "Porque você tem me evitado assim? O que eu fiz de errado? Eu vou continuar sendo chato até que você me responda".
Ela olhou-me com seus olhos inconvenientes, que me fazem ter borboletas no estômago até hoje, e deu um sorriso meio amarelo, mas nada disse. Eu entrei em pânico com a possibilidade de ela ter deixado de amar. Ela fora a coisa mais importante para mim nos últimos tempos, ela me procurou até eu conseguir entender que era ela o que me faltava para sanar aquele vazio que eu vinha sentindo há tempos. Perde-la dessa forma seria tudo o que eu não cogitaria naquele momento. O que eu faria? Que rumos tomaria? Onde estaria minha base ao voltar para nossa quase casa todos os dias depois da faculdade? Eu não iria conseguir sem ela.
Agoniado durante infinitos minutos, a perguntei se meu amor lhe incomodava, ou se ela não me amava mais. Ela franziu o cenho e sentou no sofá.
Sem rumo e nem direção, eu falei pra ela que iria sair. Ela nem mesmo perguntou para onde. Eu peguei o carro e fui, e não olhei pra trás. Dei umas três voltas perto do barzinho onde nós nos conhecemos há cerca de cinco anos atrás. Eu não fazia idéia da pessoa incrível que eu havia encontrado quando ela me olhou de cara feia naquele dia.
Voltei pra casa. Ela me sorriu com os olhos marejados quando entrei, e ainda antes de eu conseguir trancar a porta, ela já havia me abraçado, e eu estava mais confuso ainda. Eu não consegui entender, se é que você me entende.
A perguntei sobre o motivo do súbito silêncio de minutos atrás. Ela me disse que não era nada, era medo de que um dia eu não aparecesse mais. Eu continuei sem entender. Mas a abracei como quem abraça a garota de seus sonhos pela primeira vez. Ela é tão confusa e tão complexa que eu mesmo não faço a menor idéia de como eu consigo entender tudo, mas eu entendo. Ela não precisa falar muito, se não quiser, mesmo que eu goste de ouvir sua voz enquanto ela discorre eternamente sobre assuntos dos quais eu pouco entendo. Ela é tão completa.
Não entendo de jeito nenhum o silêncio de ontem a noite. Ainda estou meio perdido e sem saber o que pensar. Eu sei que a amo, e que nosso amor, apesar de bom, está distante de ser um amor idealizado, mas enquanto der pra levar, eu levo. Espero que não seja um daqueles silêncios de véspera de final, que não seja um daqueles silêncios de desamor, porque se for...

sábado, 2 de abril de 2011

Postagem de aviso.

Boa parte dos textos postados aqui no blog, estão diretamente relacionados à minha vivência pessoal, portanto qualquer semelhança não é mera coincidência.
Porém, existem contos onde dou vazão à minha imaginação perturbada, então fica à vontade de cada um tentar saber se o texto foi ou não baseado em alguma coisa vivida por mim.
Era só isso mesmo.
Beijo para minha meia dúzia querida de leitores.

Telefonema.

-Sabia que eu ainda tenho medo de escuro.
-Não.
-Eu tenho.
-Aé?
-É. Sabe aquele medo de olhar pela janela e ver aqueles monstros de filme de terror? Então.
-Sei não.
-Nunca teve medo de escuro?
-Já. Mas eu era criança.
-Juro que não conheço uma só pessoa que nunca tenha tido medo de escuro.
-Mas já te disse que eu já tive, só não tenho mais.
-Então o que você tem?
-Sono.
-Sono não vale, estou perguntando o que você tem com esse desânimo na voz. Não lembrava de você assim.
-Tenho passado por uns problemas, mas nada grave.
-Como nada grave? Quando o tom de voz muda, tem coisa grave sim.
-O que você sabe sobre as coisas?
-Não muito, mas sei de você.
-Sabe o que de mim?
-Sei que você não gosta de sofrer, e que desconta frustração em bebida, e cigarros, e café, e num gato.
-Você não sabe nada de mim.
-Sei que você dorme de meias. E que gostava de ouvir minha voz acordando. E que o dia que seu cachorro morreu você ficou muito triste. E que você acha que eu endoido.
-Endoida mesmo.
-Endoido nada.
-Endoida sim.
-Tá, eu endoido. Mas é a minha reação natural ao stress, e também às minhas crises de ciúme secreto.
-Aé?
-É sim. Por essas e outras que eu andei meio desvairada esses tempos.
-Então porque tá me ligando agora, sua burra?
-Porque eu senti saudade. E você sabe que eu odeio esse burra.
-Você sabe que é carinhoso.
-Sei não. Na verdade não sou muito do seu mundinho, lembra?
-Você nunca me viu.
-Vi sim, uma vez.
-Aquela não vale.
-Porque não?
-Porque você estava tão bêbada que estava cantando aquela música.
-Aquilo não era estar bêbada. Aquilo era não ter o que fazer.
-Aquilo era bêbada sim.
-Era nada, saco.
-Lindeza.
-Tá, quer ver, eu lembro que você estava usando uma camiseta branca. E que saco esses elogios hein?
-Vai endoidar de novo é?
-Não. Aposto que você não lembra a roupa que eu estava usando.
-Não mesmo.
-Lembro de tantas coisas. De uma camiseta do Star Wars, e de uma do Yeah Yeah Yeahs, tudo numa noite só. Você nem lembra de nada.
-Vou ter que desligar.
-Mas já?
-É, vou ter que fazer alguma coisa e tenho que desligar. Outro dia a gente se fala.
-Você sempre tem que desligar.
-Vai ficar zangadinha, piá?
-Não, e não me chama de piá. Boa noite.
-Boa noite.
Tututututututu.



Saco.