terça-feira, 16 de outubro de 2012

Depois.

Depois do pranto
Tem flores no quintal
Tem vento em todo canto
Tem roupa de dois no varal

Depois do choro
Tem a cama quentinha
Tem a nossa falta de decoro
Tem barulho pra vizinha

É que depois que se fecha a cara
Que se fala, desfala, solta prato na parede
É a hora de soltarmos as amarras
E deitarmos nus no nosso tapete

Depois do nosso drama tão piegas
No chão ficou a minha calcinha
E devagarinho tu me fez cócegas
Pondo um sorriso na nossa rinha

Nem lembro mais do motivo,
Depois de te cheirar o cangote,
Daquela nossa falta de juízo
E te mergulho no meu decote

E com o fim da briga azeda
Tem o nosso apimentado depois
Tem mordida na tua orelha
Tem noite quente pra nós dois




Quando eu morrer
Não coloquem velas no meu túmulo
Não derramem lágrimas em vão
Coloquem meus poemas nos muros
Esbanjem alegria aos que virão


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Teu rio.

Com a ponta do pé senti a água
Límpida e morna, pronta para mim
Escalei a pedra sussurrando um poema
Dos amores que guardei até aqui

Sentei na beira da pedra, transtornada
Dos amores que cantei na subida
Guardava oceanos de mágoas
Covarde, pus-me rumo à descida

Sua água me sorria, me cantava
Eu, tão acabada, de longe a evitava
Sua água então me olhou nos olhos
Falou da cor dos meus lábios

Encarei-a intensamente, de perto
Nunca havia visto águas tão belas
E tanta beleza parecia-me incerto
No entanto,
Incendiava-me para estar dentro delas

Sorri para teu rio por um minuto ou mais
Quis esconder as cicatrizes dos rios rasos
Aos quais me joguei tempos atrás
Mas suas águas não me julgavam
Decidi que de outro mergulho, eu era capaz

Fiz minhas delongas, dialoguei pelo olhar
Contei ao teu rio meus desenganos
Molhei meus braços, meus cabelos
E, novamente, numa tentativa amedrontada
Resolvi que ao teu rio era tempo de me entregar

Escalei a pedra até o alto, vi sua imensidão
Esqueci dos passados, dos desatinos de solidão
A suavidade da tua correnteza me fez pura
À minha vontade de ti, finalmente dei vazão

E numa calmaria total de espírito
Sobre a pedra fiz-me nua
Saltei sem esperar demais do seu rio
E a partir dali soube que era tua



domingo, 14 de outubro de 2012

Absoluto.

De plenitude mal delineada
Sentia-se vazia a pobre menina
Desde criança sua sina foi dada
Em busca da felicidade absoluta
Que sem meios termos se anuncia

A menina, desesperada, morria
A cada metade de amor que encontrava
Em meias palavras que lhes eram dadas
Pensava, em meio ao mundo, estar perdida
Seu tudo prostrava-se ao quase
E então ao nada a menina sucumbia

De cor de rosa seu futuro brilhava
Sempre fora uma princesa, seus pais diziam
"Vai encontrar o rapaz certo e bondoso
Que transformará tuas lástimas em bela poesia"

Incessante, buscava o seu tal moço
De barba feita, com roupa fina
O grande salvador do seu sufoco
O glorioso fim de sua sina

E toda tarde voltava a menina só
Para o seu amargurado canto de solidão
Na cozinha escolhia seus doces
E na sala ligava a televisão

"Queria eu esses amores, esses senhores
Gentis e belos que tanto vejo em outros braços"
Dizia a menina amargurando-se em dores
Sem desatinar seu embaraço

E prosseguiu a menina em busca do absoluto
Do incondicional continuava ela escrava
Sem dar meios para que nas metades
Encontrasse um cadinho de felicidade

Ponteiros.

O relógio tem mentido
Mancomunou-se 
Com a falta de sentido

Os minutos, que são?
De que são feitas as horas?
Os pedaços fatiados de vazios
As fatias espedaçadas de solidão

E conspira contra o mundo
Com sua mentira insana
Marca nascimentos, mortes
Tira malandros da cama

Sorri muito do satisfeito
Pro casal de namorados
Diz que o próximo beijo
Agora não vai ser dado

A cama aguarda-os
Aguarda-os o mundo
Mas os ponteiros falaciosos
Mantêm os amantes frios e mudos

Já me é hora de ir
De partir está na hora
De comprar meu cigarro
Beber minha cerveja
E esperar o tom da aurora

Num dia novo o relógio canta
E num sufoco o vagabundo se levanta
Vai contar as horas até escurecer
Voltar pra casa sem saber porquê




sábado, 13 de outubro de 2012

Encontro.

Você me empurrando contra a parede
E sobre os meus lábios suspirando o cansaço
Acumulado nos últimos desencontros

É o suspiro que roga a prece dos delírios
Sobre o meu corpo descoberto e vulnerável
Os teus gostos sem fim, o suspiro exalta
Me excita, não me beija, permanece indecifrável

E quando meu sol nascia, sua lua alta brilhava
Teu corpo exausto dormia durante as noites
Em que eu, como uma loba esfomeada, caçava, dançava
E num dia sem precisão, encontraram-se os corpos
Dessas duas almas tão extensas, tão imensas
Meus olhos souberam ali, que a ti eu já estava propensa

Depois de tantos desenganos, desencontros
Depois da falta de alento, das noites sem sono
Suspirava sobre mim, contra a parede
Seus insanos pensamentos, seu gosto ali perto

Eu mergulhava no teu cheiro 
Exalando sobre mim
Eu me perdia nos meus anseios
Meus versos calavam-se assim

O silêncio permanecia, o suor escorria
Eu, já nua, te sorria envergonhada
Meus pulsos nas tuas mãos esperavam

O silêncio ecoava em nós a ânsia da espera
Enlacei-me no teu corpo com minhas pernas
Te fiz prisioneiro daquela falta de palavras
Até o fim daquele teu suspiro profundo
Que dizia tudo, enquanto você se calava

E na calmaria desse momento quase puro
A inocência dos corpos como vieram ao mundo
Perdera-se quando você terminou de soltar o ar
Numa fúria desumana, naufraguei-me no teu corpo
Debruçando em ti toda ânsia de te amar

Desapego.

Te joguei no canto mais sujo dessa casa
Nos confins perdidos das esquinas empoeiradas
Da minha mente calada, sempre tão resolvida
Que por ti entrou num desespero sem linha

Afoguei teu cheiro no líquido escuro
Que escorria pelo ralo todas as noites, sem parar
Te arranquei da pele, de cada fio do meu cabelo
Fiz a barba, mudei minha cara, morri por um instante

Engoli cada palavra de amor que pousei
Nos teus ouvidos, de mim tão necessitados
E do teu sorriso fiz a porta de entrada
Para o imenso poço frio
Onde deleita-se meu desalento
Minha solidão

Esqueci teus seios, tua forma tão correta
Que me enchia as mãos nas noites loucas
Recolhi sua voz que ecoava no quarto
Das antigas noites de insanidade, onde gemia
Chorava, cantava, revelava teu corpo nu
E meus olhos por ti saltavam, te beijavam

Agarrei teu lixo solto pela casa
Teu cheiro, teus fios de cabelos vermelhos
As malícias que te escorriam da boca
Que, tão sujas, enfeitavam a minha janela
Arranquei teu gosto tão impregnado no meu peito
Cada um dos teus versos feitos, desde último agosto

Tudo posto num saco cru e mal cheiroso
Indo para fora dos meus braços
Eu escutava o lastimar das suas sobras
Mas você já me faltava inteira
Como nas tardes derradeiras
Quando começavas a deixar de me amar

Nos teus restos me apeguei
Me afoguei, afundei-me nas tuas vestes
Que apodreciam no guarda roupa
Nos seus olhos no canto da cama
Olhando-me trocar de roupa pro trabalho

Agora foi-te inteira
Teus pedaços mínimos que sobre mim necrosavam
Nas traças permanecerão escondidos
E o vazio cavado nesse peito, agora tão só
Não remanescerá nenhum ecoar da tua voz sórdida
Do teu sorriso maldoso, das tuas mãos impiedosas
Do teu amor, agora, sou uma alma liberta

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Delírios marítimos.

Havia um mar imenso
Imensamente afogado
Em sua própria profundidade
Perdido na imensidão violenta
De suas próprias ondas incoerentes

Nebulosas nuvens pairavam sobre a noite
Despejando no mar uma infinidade
De águas violentas, descargas elétricas
E, inquietas, as ondas rebelavam-se
Contra o açoite da turbulenta tempestade

O mar imenso chorava
Ondas de maré fria na praia
Onde deitava seus delírios amargurados
Na sombra úmida da areia calma

De tão grande, o mar sofria
No pânico das pequenas gotas
Da chuva diabólica que o magoava
Enquanto, sobre ele, caiam sorrindo

Num suicídio prazeroso
Jogavam-se as gotas no imenso e sofrido mar
Misturavam-se, dançantes, com as ondas
Que enalteciam o marítimo penar

Já cansado de brigar por meio das ondas
Com o intenso penar que a chuva trazia
Deixou-se o mar ser levado pelas gotas
Envolvendo-se numa suave calmaria

Ainda dolorido e choroso
O mar fez misturar-se às gotas
E sua imensidão ainda mais dimensionou-se
Infinito em meio a dor agora era o mar

Maior ainda o sofrimendo o fizera
Com o sofrimento agora ele conversava
E pela tortura, pelo desgosto
Do sofrimento tornou-se o mar aliado