quinta-feira, 31 de março de 2011

Alusão à desilusões.

As desventuras vividas já haviam tirado-lhe o encanto pelo mundo há muito tempo. Suas palavras já não saiam mais com a naturalidade habitual de quem é feliz, as palavras já haviam tornado-se ríspidas em sua pronuncia e  sonoridade. Ela não era mais a mesma, ela já tivera apanhado muito daquilo que não pode ver.
Alguns a chamavam de cética, mas ela olhava por outra perspectiva. Ela talvez não estivesse na hora e no lugar certo para que tudo corresse como nos antigos contos de fada, que ela costumava admirar. Todas as amarguradas demandas de contradições foram se infiltrando aos poucos por entre as experiências que ela tivera vivido.
As expectativas nunca haviam correspondido à realidade, porém, na mesma intensidade em que se desiludia, ela conseguia achar novamente as esperanças num novo recomeço. Mas tudo, em absoluto, mudou em decorrência à um fato corriqueiro de sua vida.
Numa noite qualquer, de uma quarta feira qualquer, ela se deparou com sua imagem em frente ao espelho, e então passou a indagar-se sobre questões praticamente insolúveis. De onde teria vindo? Qual o sentido real de tudo aquilo? Foi quando ela se deparou com a triste cena de seu gato morto, em cima do sofá.
Em uma fração de segundos, tudo que já tivera vivido com aquele pequeno ser se passou pela sua cabeça que, naquele momento, estava em um turbilhão. O gato, o incrível e pequeno ser que ia embora, mas sempre voltava para seus braços necessitando de colo e de afago nas orelhas. O surpreendente gato que já estava habituado à rotina conturbada de sua dona desde que ela se lembrava por gente. O gato que sabia a hora de acompanha-la para dormir, o gato que a esperava na porta do banheiro após o banho, o gato que nunca tivera sujado a casa com as patas sujas, e nem estragado os móveis.
O gato que dera talvez o rumo e a direção para sua vida nos seus últimos longos anos, agora iria se tornar apenas parte de um ecossistema, debaixo da terra. O gato que tivera personalidade, que estivera ao seu lado nos momentos mais amedrontadores, agora estava ali, esticado cadavericamente.
A menina concluiu, por fim, é o fim. Tudo acaba. Numa hora pouco fortuita para ambos os personagens envolvidos, tudo se finda da maneira menos convicente. Ela em frente ao espelho, o gato no sofá. Quanta ironia, quanta falta de experiência, quantas ilusões quebradas num único instante.
No entanto, a menina não se deixou abalar de maneira extremada, e continuou seguindo com seus passos tortuosos até o sofá. Enterrou o gato na manhã seguinte. Voltou ao princípio, voltou ao ponto que nem se lembrava de ter começado anteriormente, voltou para o seu próprio nascimento, e assim como uma criança, procurou novamente um alguém ou um algo que pudesse dar à ela a ilusão necessária para que continuasse seguindo. E por assim continuou durante muitos e muitos anos, sem que vivesse em nenhum momento por único e exclusivo mérito de sua capacidade emocional, a pobre menina desiludida.

terça-feira, 29 de março de 2011

Alegria Plena.

Existiam então essas duas meninas.
O contato entre as duas era nulo, mas elas lidavam com isso da melhor forma, pois nem se conheciam.
Elas não tinham de verdade nenhum desejo em comum. Talvez fossem opostos. Talvez não estivessem dispostas.
Eis que havia no mundo a quase vulcânica existência da mais velha. A mais velha talvez fosse um misto de todas as cores vivas, e de todos os tons pasteis, de todas as estampas, de todos os saltos altos e sapatos vintage. A mais velha era meio de lua, meio como quem não sabe o que quer, mas ainda sim está sabendo. A mais velha carregava consigo os mais variados traumas, e também uma hiperatividade excêntrica, que por vezes dava lugar à uma profundidade que poucos tiveram a chance de notar. A mais velha causava impacto e alvoroço em todos que a conheciam. A mais velha por vezes intimidava com sua maneira pouco convencional de encarar as situações, e por muitas vezes cativou sem ao menos notar. A mais velha carregava consigo as inseguranças de uma adolescente e o revolucionário brilho e sensualidade de uma mulher feita. A mais velha transparecia todos os sentimentos mais humanos, e também todas as necessidades mais carnais. A mais velha tinha um mistério indecifrável, que se ofuscava em meio suas crises existenciais. A mais velha tirava notas baixas, e gostava do pop, do brilho, da moda, de ser quem era com liberdade. A mais velha amava as artes e colocava para fora com todas suas forças o seu amor. A mais velha gostava de roupas, de sapatos, de dançar a noite inteira, e de ter um homem para chamar de seu, e que de preferência, cheirasse a vinho.
Existia então a quase erudita mais nova. A mais nova era também a mais introspectiva. A mais nova chegava a ter um que de mistério, e de intimidação pra quem não a conhecesse a fundo. A mais nova gostava de cinema e de biologia, gostava de seu mundo particular, e de seu incrível e quase imutável grupo de amigos. A mais nova tinha uma doce brancura, covinhas nas bochechas e um longo cabelo ondulado, que também nunca mudava. A mais nova tinha medo de mudança e bom gosto musical. A mais nova tirava notas altas, e todos sempre a perguntavam o significado das palavras esquecidas em momentos de falta de léxico. A mais nova talvez fosse a encarnação da paz e da serenidade. A mais nova não gostava muito de demonstrar pro mundo seus sofrimentos, principalmente de âmbito amoroso. Não era de falar muito. Se falava, falava bonito. Era amante secreta de todas as artes na timidez de sua existência. A mais nova era incrível.
Ambas eram praticamente dois mundos, de campo gravitacional semelhante. Ambas tinham sua própria profundidade, sua originalidade. Ambas eram complemento uma da outra.
As duas eram de tamanha essência, que talvez não caberia a mim descreve-las. Talvez o mundo um dia as descreva com a importância que tiveram.
Ambas, apesar de suas tão humanas fraquezas, conseguiam saciar a fome de alegria de quem as rodeava. Ambas eram fonte de felicidade. Ambas eram fonte de amor. Ambas vinham do Latim.

domingo, 27 de março de 2011

Cara babaca.

-Ele não existe, ele não existe...
-Tá passando mal menina?
-Não, só estou tentando me convencer de uma coisa ai.
-Que coisa, menina?
-Escuta, eu nem sei quem é você, portanto não lhe devo satisfações. E outra coisa, detesto que me chamem de menina.
-Ok. Então porque VOCÊ está assim?
-Meu Deus, de onde você surgiu, cara?
-Não sei, eu estava andando e ai te vi passando e vim ver se estava tudo bem.
-Quer dizer então que faz isso com todo mundo que passa na rua?
-Não é isso, é que bem...
-Bem nada. Você pode ser qualquer coisa nessa vida, e eu nunca te vi antes por aqui, então some, vai.
-Não.
-Então sumo eu.
-Você não vai conseguir manter o passo mais acelerado que o meu.
-Então me deixa, caramba. Quem é você?
-Eu sou eu, eu existo, diferente do personagem de sua negação de segundos atrás.
-Ah, achava que você era João de Santo Cristo. E além de me seguir ficou prestando atenção no que eu estava dizendo, é isso?
-Nunca gostei muito de Legião Urbana. Mas olha, você estava andando desacompanhada no meio da noite e ainda por cima falando sozinha, acho que qualquer um teria reparado.
-Repare, contanto que não venha falar comigo. Não percebeu que não quero papo?
-Se não quisesse mesmo não estaria puxando assunto com a última frase terminada na forma interrogativa.
-Caramba, que saco é você. É provável que não existam nem duas pessoas inteiras que te suportam nesse mundo, hein?
-Minha mãe, meu pai, meu cachorro. E bom, eu estava na verdade até agora numa festa há umas duas quadras daqui, e resolvi subir para comprar bebida mais barata.
-Cachorro não é gente. E que bom para você.
-Depende do ponto de vista. Não quer voltar para lá comigo?
-Não.
-Então me conta aqui o que te aconteceu e porque você estava passando num lugar deserto desses à essas horas sozinha. Você é só uma menina.
-E você só um babaca.
-Se eu fosse um babaca já teria desistido das suas patadas e te deixado sozinha novamente por aqui.
-Você acha mesmo que eu estava precisando de você?
-Não, mas você estava precisando de alguém, porque pelo visto, quem você precisava não existe mais.
-Olha aqui, o que você sabe de mim?
-Sei que você deve estar na TPM, ou então acabou de brigar com alguém, porque não vejo nenhuma necessidade de manter esse tom tão ácido.
-Tom ácido? Por favor, vai.
-Por favor o que? Estou inteiro a sua disposição.
-Então se quer me agradar, me deixa sozinha.
-Quer mesmo?
-Quero.
-Mesmo com aqueles caras estranhos ali na esquina?
-Eu estou conversando com um cara estranho e perdendo meu tempo há uns bons minutos aqui. Existe coisa mais estranha que ficar parando as pessoas na rua no meio da madrugada?
-Existe.
-A é?
-Sim, falar sozinha de madrugada num lugar deserto, por exemplo. Em pleno sábado a noite. Ninguém te chamou para sair não?
-Não gosto de sair.
-Então o que está fazendo pro lado de fora da sua casa?
-Você está fazendo isso de propósito ou só é babaca mesmo?
-Depende também do ponto de vista. Gosta de que?
-Gostaria que me deixasse seguir, se não for pedir demais.
-Acho que é sim. A partir de agora me sinto responsável por você. Qualquer coisa que te aconteça de ruim é culpa minha.
-Pelo amor de Deus, você não deve ser nem uns dez anos mais velho que eu, e eu nem te conheço. Pela milésima vez eu repito, eu não te conheço, o que você está fazendo aqui?
-Na verdade, você pode até não me conhecer, mas eu te conheço.
-Como é meu nome então?
-Sei que você costuma pegar as sessões das sete no cinema nas quartas, nas sextas e nos sábados.
-Então deve ter me confundido. Eu nem gosto de cinema.
-Não mesmo? Então não era você chorando no lugar onze da penúltima fileira quarta-feira a noite.
-Você tem me espionado? Ele te mandou pra fazer isso?
-Ele quem?
-Argh. QUEM É VOCÊ?
-Essa pergunta pode ser respondida de formas muito versáteis, prefiro deixar em branco. Você tem, ou tinha, namorado? Então porque sempre estava no cinema sozinha?
-Sim, eu tinha. Nós terminamos, e agora ele não existe mais para mim. Terminamos porque ele estava se tornando invisível cada vez mais, então não tinha porque continuar.
-TEMOS UMA EVOLUÇÃO.
-O que é que eu estou dizendo para um estranho, meu Deus?
-Vai ver não sou tão estranho assim. Eu vi você mais cedo, no pub.
-Viu?
-Sim, com aquele cara estranho, que parecia seu namorado.
-Você é a pessoa mais estranha que eu já conheci, então pare de chamar as pessoas de estranhas. Aliás, você é tão estranho que nem te conheci ainda.
-Prazer então, meu nome é Arthur, e eu teho te visto em todos os lugares, ultimamente. Então agora que te vi absolutamente sozinha resolvi tentar a sorte.
-Tentar a sorte de que?
-De você, Alice.
-Mas desde quando eu me apresentei? E eu sou um tipo de loteria para as pessoas resolverem tentar a sorte comigo no meio da rua?
-Não sei o que você é, mas para mim, tem sido ultimamente uma dessas coincidencias inexplicáveis.
-Então porque só resolveu se apresentar agora, no meio desse nada? Pra me matar de medo?
-Timidez.
-Ainda te acho babaca.


Alice e Arthur tem mantido uma relação saudável nos últimos cinco anos, tirando alguns problemas não muito graves em relação a auto estima do Arthur e a desconfiança da Alice.
Eles já pensaram em se casar, mas perderia a magia.
Alice repete todos os dias o quanto acha Arthur babaca e Arthur nunca se irritou.
Hoje eles frequentam os cinemas nas sessões das nove aos sábados, porque é quando os casais tem descontos.
Arthur nunca conseguiu comprar a bebida que supostamente teria ido buscar ao encontrar Alice.
No mesmo dia eles foram para o apartamento dele, mas porque começou a chover.
Alice só o beijou pela primeira vez dois meses depois.
Arthur pretende ter filhos, mas Alice tem medo que eles herdem a babaquice do pai.

sábado, 26 de março de 2011

Discutindo religião.

Maria acreditava que Jesus era seu pai, pois ela tinha o nome de sua santa mãe.
Raj sustentava que não comia vaca pois o valor da mimosa era maior que o de sua mãe.
Glauciane persistia na idéia que Jesus era seu pai, mas não acreditava na santidade de Maria sua mãe.
Amir, por outro lado, acreditava que Alá o salvaria de tudo já que nunca tivera visto o rosto, coberto pela burca, de sua mãe.
Chico exaltava ferozmente o fato de comunicar-se com sua falecida mãe.
Kauã estava sempre disposto à defender que a lua era sua mãe.
Dona preta era conhecida por todos por ser de santo, mãe.
De tanto confrontarem-se para tomar a decisão sobre qual das crenças era realmente a correta, e levando seus deuses em primeiro lugar até o fim da briga, todos acabaram mantando uns aos outros, junto com seus respectivos cônjuges.
João, filho de Maria, acabou crescendo sem mãe, e nas ruas aprendeu a se virar. Quando preso foi perguntado se nunca tivera antes sido apresentado à palavra divina. Ele calou-se e cometeu suicídio duas semanas depois.
A filha de Raj acabou sendo mandada pelos avós para um colégio de sua casta na América, onde poderia aprender a se portar segundo a tradição, já que não tinha mais pais. Sabendo de seu casamento arranjado aos 13 anos, ela conseguiu fugir do internato antes que fossem cumpridos os planos de seus avós. Conseguiu um trabalho, juntou dinheiro, e antes dos 30 anos se tornou uma bem sucedida empresária do ramo de fast food bovino.
Sara, filha de Glauciane, logo cedo se revoltou contra o resto da família e foi embora para se casar com um católico, com quem teve dois filhos e depois divorciou-se. Acabou casando-se novamente, agora com um rastafari.
Samira, filha de Amir, conseguiu ir embora do oriente médio, e se tornou dançarina de funk no Brasil. Acabou achando na prostituição uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro. Foi descoberta por um agente de filmes eróticos e hoje faz sucesso fazendo filme pornô, onde é muito apreciada por sua beleza esótica.
O filho de Chico não acreditava muito nessas coisas, resolveu abandonar os tios, e perturbado, começou a se drogar. Em pouco tempo passou a ter alucinações frequentes. A família sofria, e o mandou para um manicômio precário, sem saber que esquisofrenia tinha tratamento.
O filho de Kauã começou a passar dias e dias longe da tribo e começou a ter contato frequente com o homem branco. Passou à trabalhar de guarda noturno para juntar dinheiro pra fazer o curso que queria. Ele detestava o brilho seco da lua. Fez um curso de informática, estudou, completou dois cursos superiores, um mestrado no exterior, e um doutorado, e hoje diz que os códigos binários são a sua família.
Fátima, filha de Dona Preta, estava cansada daquilo alí, e nem sabia preparar um acarejé. Resolveu sair de casa e tentar ir ilegalmente para os Estados Unidos, onde foi descoberta por um olheiro, e logo conseguiu sua legalidade para trabalhar como modelo. Fez fama internacional com sua beleza excepcional. Em entrevista, semana passada, ela alegou ser ateísta.

sexta-feira, 25 de março de 2011

De cansaço e urubus.

Estou cansado, sabe? Coloquei minhas pernas na mesa de centro e vou criar agora uma história que desvie o meu cansaço.
"Memórias de um urubu:
Eu sempre fui um urubu comum, até hoje. Hoje eu sei que é meu último dia por aqui, então resolvi me despedir.
Fui dizer adeus para as leoas, que sempre foram tão boas em me prover seu resto de comida. Acontece que elas nunca tiveram antes ouvido falar de mim, e me disseram que sou um tolo, pois sempre perdi para elas os melhores pedaços.
Me desestruturei de raiva, e fui caçar minha própria comida. Só me esqueci que nunca havia caçado, e então fui atacado um bicho que eu nem sei o que é.
Agora estou no chão, e acho que vou sangrar até morrer, mas achei bom deixar por escrito para os outros urubus que continuem a desfrutar de sua tolice, pois não há nada mais belo que ser tolo, mas não deixar de ser o que é.
Meu último adeus.
Urubu."
Achei fora de propósito, mas tenho certo alívio nos tendões. Acho que vou jogar esse escrito fora, porque teho mais de trinta anos e ainda me contento em escrever fábulas sem sentido.
Melhor não; vou deixar então o sentido pra depois, mais tarde eu ajusto, porque agora a lixeira está longe e eu vou tirar um cochilo.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Outros 500.

Queria muito, dia desses, olhar para trás e ver toda a obra da minha vida sendo repassada para as outras gerações, como os castigos de Deus para quem o desobedecesse na época de Moisés, quando ele voltou da montanha com as pedras, ou tábuas, ou sabe-se lá o que, dos mandamentos nas mãos.
Digo castigo de Deus da época de Moisés, pois hoje o "não matarás, ou será amaldiçoado o seu filho, e o filho de seu filho, e todas as próximas 500 gerações provindas de ti" não funciona mais, porque ando vendo muita gente matar e mesmo assim ficar rico e colocar meio litro de botox em cada lábio.
Na verdade, acho que Deus cometeu um leve deslize ao amaldiçoar todas as gerações de quem não o seguisse, porque pelas minhas contas era para eu ainda estar pagando o assassinato cometido por um dos meus prováveis tataraquatraquintalhavôs peregrinadores das montanhas, ou romanos conquistadores, ou quiçá monarcas-cortadores-de-cabeças.
Mas discuções religiosas (ou controversas à religião) à parte, voltemos à minha quimera (adoro essa palavra) de aspirante à escritora. Acho belíssima a relação das gerações mais novas com certos autores. Pena que a maioria já morreu, e foi considerado um louco ao longo de toda a sua vida, mas pelo menos hoje tem milhões de admiradores anônimos que quotam suas frases em toda a rede mundial de computadores.
Falando em loucura, acho que esse é o segredo. Tem gente que diz que o outro escreve bem, e esse melhor que aquele, e o outro melhor que esse. Mas acho que não seja bem assim, "escrever bem". Imagino que tudo uma questão de visitar o velho aurélio, ou o moderníssimo google e descobrir palavras novas que agradem o ouvido (ou não), aliar o gosto pelo descobrimento da palavra nova a um conhecimento básico de gramática e então dar o vazão a loucura. Vide meus textos que tomam conotações das mais variadas.
Escrevo crônicas, contos, poemas e todo um clichê bem pouco relevante sobre minhas desilusões amorosas, que acabam acarretando meus admiradores, que, no momento, não devem passar de meia dúzia. Mesmo assim muito obrigada aos poucos e bons.
Não gosto de me definir como escritora de não sei das quantas, com o estilo fulano de tal, que tem como principal caracterísca o seu blábláblá. A principal característica da minha escrita é o meu senso humano das coisas, portanto, tudo que escrevo é incerto e passageiro, como o ser humano tem sido há alguns muitos anos.
Mesmo assim, gostaria de ser base pra alguém, como muitos foram base para mim. Acho que é por isso que estou pouco me importando com o salário de meia tigela do professor nesse país e resolvi por fazer história sem medo de ser feliz.
E por falar em medo de ser feliz, acho que a escrita é um meio libertador de monstros, de tristezas, de melancolias e de todo um etecétera repleto de adjetivos que combinem com depressão. O problema é o medo de ser feliz. As pessoas tem medo de pegar um livro e ser feliz, de pegar na caneta, ou no teclado, e ser feliz. Se deixar levar pela loucura dos seus tons de escrita, sem medo da forma culta ou dos erros de concordância. Amar a escrita é o primeiro passo para uma relação saudável com a língua portuguesa, hoje, coitada, tão desvalorizada pela sonoridade e universalidade do inglês, que vem a ser muito mais fácil gramaticalmente, fazendo o coitado do português perder outro ponto, o que mesmo assim não o faz perder a beleza.
Mas não se assustem, aprender (eu disse aprender, por favor, digam um adeus sonoro para os decorebas, que aí o mundo talvez pare de passar fome de comida e de cultura) gramática é mais ou menos como andar de bicicleta, é dificílimo no começo, mas logo passa, e você não desaprende nunca mais. Pode até levar uns tombos, desequilibrar de vez em quando, mas esquecer é difícil. Talvez só esqueça com aquela doença de nome alemão que eu não sei a grafia.
Só pra terminar, quero falar sobre o acabar da fome de comida e de cultura através do aprendizado. Não é que eu seja uma daquelas pessoas viciadas nos estudos, porque tenho minhas formas de diversão. Acontece que aprender, aprender é belíssimo, e divertido, e curioso, e é como um filme que nunca tem fim. Além de tudo, aprender no final das contas é muito útil, aprendendo você saberá argumentar, aprendendo à argumentar você passa a olhar a democracia e a justiça de outra perspectiva e então mantém sua opinião de pé através de única e exclusivamente argumentação. Com um novo senso de justiça, você aprende que tem voz e pode cobrar, e além de cobrar, fazer a sua parte para que as coisas melhorem pra todo mundo, e se todo mundo acabar criando, pelo menos um cadinho, esse senso crítico sobre o que é aprender o consumo desvairado poderá diminuir, a justiça poderá começar à funcionar de verdade, e então a fome pode cair por terra, cada vez mais e mais, e junto à queda da fome poderá ser levantado um império de cultura, de literatura, de artes plásticas, de teatro, de música. Mas aí, bom, ai são outros quinhentos.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Banheiro.

Perguntada sobre meu lugar favorito no mundo, acabei intrigada por não saber a resposta.
Porém, minha intriga pessoal se findou previamente, na tarde chuvosa de ontem, quando fui tomar banho, e como sempre o mundo se abriu para mim debaixo do chuveiro. Meu lugar favorito no mundo poderia ser um dos milhões que existem por aí, poderia ser uma praia achonchegante, ou uma cidade agitada, um barzinho onde eu costumava ir, ou a rua onde passei toda minha infância, mas nenhum desses locais me causam tanto efeito quanto o quase esdrúxulo banheiro.
Banheiro, a etimologia deve provir de algo no latim ou no grego como banhus tomaris, lugar onde se banha, mas muito mais que isso, o banheiro de casa é o lugarzinho onde surgem meus pensamentos mais profundos, e talvez eu nunca tenha sido tão sincera. O banheiro é quase parte integrante da família moderna, o que seríamos sem nossa incrível privada macia, com nosso santo papel higiênico ao lado, e principalmente sem nosso chuveiro quentinho nas noites frias. Me vejo vazia sem banheiro, afinal falar "nua" seria paradoxal, porque o banheiro é o lugar íntimo da casa onde todos podem se despir sem pudor nenhum diante dos próprios olhos.
Não sei exatamente se sou a única que teve esse sentimento de cumplicidade com o banheiro aflorado, mas tenho quase certeza que as duchas frias, ou quentes, foram provavelmente musas inspiradoras de muitas canções de amor.
Banheiro é um lugar único, sozinho, e simultaneamente, plural. Banheiro remete ao mesmo tempo a antagonia entre os nossos rejeitos naturais e a limpeza revigorante de um banho, e é claro, do escovar de dentes.
Quando assisto alguma coisa, fico me perguntando incessantemente sobre o porquê do isolamento do banheiro, sendo um lugar quase nunca mostrado nas gravações. Banheiro é provavelmente o mais humano e aconchegante dos cômodos. Lugar vazio, de intimidade, onde provavelmente muita gente se trancou para chorar pelo namorado, ou exatamente por não ter uma namorada. Banheiro é sinônimo de vida, que pode ser concebida alí mesmo, ou então de metade de vida ainda não fecundada que vai embora aos milhões pelo ralo. Banheiro também é vida por ser o vínculo do nosso ser orgânico, que está quase se perdendo em meio tanta tecnologia e futilidade, o banheiro nos lembra que ainda temos as necessidades mais instintivas já conhecidas pelos seres vivos.
O banheiro é o lugar que nos torna mais parecidos com nossos ancestrais, e ao mesmo tempo mais distante dos mesmos com nossos incríveis banhos cheios de produtos químicos para limpeza profunda de cada poro do corpo, exterminando todas as bactérias, e a regulagem de temperatura da água na ponta das mãos.
Depois de tamanha reflexão sobre o que o banheiro significa, caso me perguntem novamente qual é o meu lugar preferido no mundo, não hesitarei em responder "o banheiro lá de casa", lugar meu, fonte de inspiração, minha pia, meu chuveiro, minha privada, lugar do nudismo e também da cagada.

terça-feira, 22 de março de 2011

Voltando à ativa.

ATENÇÃO: Esse será um post extraordinário, onde eu irei desabafar com minha incrível meia dúzia de leitores sobre os motivos que têm me feito escrever, ou deixar de fazê-lo nos últimos meses. Portanto, estarão prestes a ler um monte de baboseiras justificando para um número ínfimo de pessoas um desaparecimento não notado num blog que está praticamente às moscas. Se depois do aviso ainda estiver afim de ler, fico grata, se não... bom o máximo que eu poderia fazer é chorar. Mas eu não vou fazer isso, então tudo ok.

Há mais de um mês que não faço nenhum post, e é também há mais de um mês que minha produção literária tem ido pras cucuias.
Acontece que eu mudei. Não mudei fisicamente, e nem meus hábitos, mas mudei de cidade e de unidade federativa (que é mais bem apropriado que "mudei de estado", pra galera não pensar que virei líquido), e quando você muda, consequentemente são acarretados um monte de problemas, e no meu caso, eles triplicaram devido uma maré de azar atípica que tem infestado a minha vida de acontecimentos pouco agradáveis nos últimos tempos.
Em primeiro lugar, não é nada agradável você sair do lugar onde viveu os últimos 13 de seus 16 anos, assim, de repente. Tudo bem que houve um longo período de quase um ano de preparação psicológica, mas não há preparação que consiga evitar o sofrimento de deixar para trás todos os amigos, todas as histórias, todos os importantíssimos fatos que recheiam a infância e a adolescência do doce sabor da juventude. Todas as primeiras coisas, e as segundas, e as terceiras. Todos os bons amigos, e os velhos anseios, todas os planos e premeditações feitos por uma mente ainda não madura, que acreditava que viveria ali no seu mundinho particular para sempre.
Estaria mentindo caso negasse meus atos desvairados de revolta infundada, e minha típica vontade de sumir dali por uns tempos, para ver se as coisas melhoram, e se iriam sentir falta de mim. Mas na prática tudo é muito mais complicado. Não se deixa de amar a sua melhor amiga de uma hora pra outra, e nem se corta o cordão umbilical de maneira tão grotesca como ocorrera comigo e com minha bárbara melhor amiga, Bárbara.
Sofri um bocado, e nem as despedidas-surpresa que me fizeram foram o suficiente para amenizar a dor da separação e aquele medo do que ainda é inseguro, do que ainda não se conhece a natureza, o medo de um lugar novo, com pessoas novas e novas culturas. Tudo era uma incógnita que seguiu firme, sendo empurrada por um detestável período de sofrimento.
O sofrimento foi embora, sobrou a saudade.
Mas seguindo com os fatos, assim que cheguei na nova cidade, meu celular foi massacrado no meio dos carros e da chuva. Sem celular, me restava ainda o computador para tentar comunicação com os meus amigos, mas ele deu de pifar. Parti então para as cartas, mas acho que errei na hora de colocar o CEP para que me respondessem.
Comprei um novo celular, arrumei o computador, tudo estava nos conformes, tirando a parte que meus pais ainda não haviam fechado negócio na compra da nossa casa. Desistiram várias vezes, foram em busca de casas melhores, em lugares melhores, e acabaram comprando uma casinha nova, bem perto do centro, mas que ainda precisava de reparos. Os reparos não puderam ser feitos por causa de uma briga na justiça com os donos do terreno que por causa de 70 cm de terra não liberam para a escritura e nem para a construção.
Mesmo assim, tudo estava bem. Eu pelo menos ainda tinha internet. Até o dia em que pudemos mudar para a casa nova, e um inferno encarnou na vida de todo mundo devido ao caos que é contratar uma banda larga decente.
Daí pra lá que não tenho mais postado. Comecei o blog em janeiro, postei até fevereiro, voltei em março. As estatísticas do blog são uma parábola, mas finalmente, poderei voltar normalmente com os meus posts.
Decidi que vou dar olá para a realidade e encara-la como deve ser feito. Há sempre um ponto positivo em tudo que se acontece, então dei esse tempo longe do mundo, pra minha própria mente poder funcionar direito e ver o que estava errado, e se eu precisava mesmo daquele dramalhão todo. Concluí que não.
Decidi voltar a falar com amores que deixei para trás, decidi pegar vários números de telefone, decidi me arrumar melhor. Decidi uma porção de coisas, só não decidi meu estilo literário.
Acontece que estou meio sem estilo. Percebi isso no tempo que passei fora. Quando eu me colocava para escrever, saiam coisas absolutamente incongruentes, e mesmo que dentro de um texto as coisas se encaixassem, no seguinte eu já estava escrevendo tudo de uma maneira completamente diferente.
Então parei de decidir. Não decido mais por mim. Decidi tentar ser feliz, mesmo longe do que amo, e tentar amar tudo que tenho por perto. Fora essas decisões, nada mais está decidido até que eu tenha novas decisões relevantes a fazer.