As desventuras vividas já haviam tirado-lhe o encanto pelo mundo há muito tempo. Suas palavras já não saiam mais com a naturalidade habitual de quem é feliz, as palavras já haviam tornado-se ríspidas em sua pronuncia e sonoridade. Ela não era mais a mesma, ela já tivera apanhado muito daquilo que não pode ver.
Alguns a chamavam de cética, mas ela olhava por outra perspectiva. Ela talvez não estivesse na hora e no lugar certo para que tudo corresse como nos antigos contos de fada, que ela costumava admirar. Todas as amarguradas demandas de contradições foram se infiltrando aos poucos por entre as experiências que ela tivera vivido.
As expectativas nunca haviam correspondido à realidade, porém, na mesma intensidade em que se desiludia, ela conseguia achar novamente as esperanças num novo recomeço. Mas tudo, em absoluto, mudou em decorrência à um fato corriqueiro de sua vida.
Numa noite qualquer, de uma quarta feira qualquer, ela se deparou com sua imagem em frente ao espelho, e então passou a indagar-se sobre questões praticamente insolúveis. De onde teria vindo? Qual o sentido real de tudo aquilo? Foi quando ela se deparou com a triste cena de seu gato morto, em cima do sofá.
Em uma fração de segundos, tudo que já tivera vivido com aquele pequeno ser se passou pela sua cabeça que, naquele momento, estava em um turbilhão. O gato, o incrível e pequeno ser que ia embora, mas sempre voltava para seus braços necessitando de colo e de afago nas orelhas. O surpreendente gato que já estava habituado à rotina conturbada de sua dona desde que ela se lembrava por gente. O gato que sabia a hora de acompanha-la para dormir, o gato que a esperava na porta do banheiro após o banho, o gato que nunca tivera sujado a casa com as patas sujas, e nem estragado os móveis.
O gato que dera talvez o rumo e a direção para sua vida nos seus últimos longos anos, agora iria se tornar apenas parte de um ecossistema, debaixo da terra. O gato que tivera personalidade, que estivera ao seu lado nos momentos mais amedrontadores, agora estava ali, esticado cadavericamente.
A menina concluiu, por fim, é o fim. Tudo acaba. Numa hora pouco fortuita para ambos os personagens envolvidos, tudo se finda da maneira menos convicente. Ela em frente ao espelho, o gato no sofá. Quanta ironia, quanta falta de experiência, quantas ilusões quebradas num único instante.
No entanto, a menina não se deixou abalar de maneira extremada, e continuou seguindo com seus passos tortuosos até o sofá. Enterrou o gato na manhã seguinte. Voltou ao princípio, voltou ao ponto que nem se lembrava de ter começado anteriormente, voltou para o seu próprio nascimento, e assim como uma criança, procurou novamente um alguém ou um algo que pudesse dar à ela a ilusão necessária para que continuasse seguindo. E por assim continuou durante muitos e muitos anos, sem que vivesse em nenhum momento por único e exclusivo mérito de sua capacidade emocional, a pobre menina desiludida.