Era nesse ambiente sem nenhuma importância que eu andava, descompassado, em busca de coisa alguma. Não me importava a hora, contanto que ela passasse rápido e afastasse de mim esse maçante fardo que acompanha as tardes de domingo.
O tempo não estava bom. Exatamente do jeito que eu gosto. Nublado, pouca cor, sinal nenhum de sol. Foi quando meu tênis desamarrou.
Num majestoso e desajeitado gesto, amaldiçoei o destino devido a ocorrência daquele fato trágico com os meus cadarços. Ajeitei o cigarro na boca, e abaixei meus pouco atraentes 1,85 de altura para amarrar aquele tênis gasto, possesso de raiva. E foi justamente aí que ela passou.
Ela, reluzente de encantos, num sorriso estampado descreveu para mim todos os acordes de uma melodia perfeita, que corria com simetria nos seus olhos curiosos e no seu sorriso traiçoeiro.
Numa fração de segundos ela desapareceu da minha frente, na garupa daquela moto, com aquele cara de jaqueta de couro. Coitado de mim, só aquela flanela xadrez velha já apontava em minha direção a flecha do fracasso.
Mas ela, ah, ela era tudo de mais sublime, a minha quimera particular, a personificação dos meus desejos mais íntimos e irrealizáveis. Ela tinha a cabeça raspada dos dois lados, e um sapato pouco convencional, e carregava consigo toda a magia e o mistério feminino que eu jamais ousara tentar desvendar.
Ela me aprisionou abaixado, com os olhos fixos na moto; na moto não, nela, na sua doce magreza, e no seu nariz perfeito. Que nariz! Ela me manteve estático ali no chão, até virar a esquina e sumir para sempre.
Ela sumiu. Num estalo brutal, minha mente voltou a realidade e terminei de amarrar o tênis.
Pensei em correr atrás da moto.
Desisti.
Pensei em sentar ali e ficar chorando feito uma criança.
Desisti.
Pensei em voltar correndo pra casa, desenhar aquele rosto e preparar cartazes para espalhar pela cidade toda.
Desisti.
E também, quem sabe sua aparente personalidade forte não fosse uma farsa? Quem sabe ela não era mais uma dessas moralistas chatas que iria me proibir de beber e fumar no primeiro dia de namoro? Quer saber, deixa pra lá.
Atravessei a rua. Virei a esquina.
E então ela descia da moto, ali, na minha frente. Era minha única chance, a chance de ouro. Ela veio então em minha direção. Sorriu o seu sorriso fatal e sibilou: "Tem isqueiro?"