Não sou flor. Sou só caule. Não tenho um cheiro, tenho milhares de odores e de perfumes que inundam os narizes que vem até a mim, dependo do nariz, e não de meu próprio cheiro.
Não desenvolvi minhas pétalas, elas por vezes brotam pequenas e logo caem, como quem não tem forças para vingar. Minhas pétalas são de mim como eu sou delas, minhas pétalas serão minha alma quando ela estiver pronta.
Resumo-me ao caule. Duro, seco, oco, caule. Caule com espinhos e secura, caule de folhas molhadas de orvalho quando as manhãs surgem com o sol após a longa noite escura e fria. Caule de vertentes incógnitas, de exposição falha, caule de poucas palavras com poucos suspiros. Caule de crimes.
Não existo enquanto flor, existo como pequeno pedaço de flora pouco desenvolvida, pouco delicada, pouco natureza. Meus espinhos rijos e tímidos me descem pelo caule liso, limpo, sem compreender meu caule, sem compreender meu não desenvolvimento. Sou vítima do meu próprio espinho que não me enxerga como quase flor, me enxerga como sua morada sem preceitos, sua morada, só sua.
Meus espinhos me ferem, me fazem ferir, eles são pequenos e pouco visíveis, mas estão ali para não deixar que me vejam em grandeza, para não deixar que eu me veja em grandeza, estão ali para me lembrar da minha função única de caule sem pétalas, para me colocar no ínfimo de meu ser vegetativo, inodoro, monocromado e hipersensível.
Sou quase botão, que não decide-se por onde começar seu nascimento grandioso, e quer essa grandeza acima de qualquer coisa. Por querer sua devida grandeza em pétalas estonteantes, como dádiva da natureza que só lhe dá espinhos como cobertura do corpo nú, contempla seu íntimo e contenta-se em não nascer.
Não sou nascida. Não nasci como flor, nasci como caule. Nasci como nada, não nasci.